Depois do sucesso de títulos da From Software e de muitos jogos afluentes que surgiram, experimentar algo que escolhe centrar-se na dificuldade gera uma impressão perdurante de mesmice. Para conseguir algum destaque e não ser só mais um game que faz jogadores quebrarem os controles, é preciso apostar em pontos que, mesmo que explorados em obras já existentes, captem a atenção do jogador.
Desenvolvido pelo estúdio russo Zelart e publicado pela HypeTrain Digital, There Is No Light é um RPG de ação-aventura 2D com perspectiva top-down que tenta se aproveitar da concentração e tensão de quem joga para testar seus limites em confrontos rápidos e intensos. A proposta do título não é ser mais um “souls-like”, mas sim balancear ferramentas de qualidade de vida para buscar um equilíbrio entre uma experiência árdua e realizadora.
Lançado em 19 de setembro de 2022 para PC (Steam, Epic, GOG), There Is No Light tem versões planejadas para Xbox One, PlayStation 4 e Nintendo Switch. A análise a seguir é livre de SPOILERS.
Um agradecimento ao estúdio Zelart e a HypeTrain Digital por disponibilizarem uma cópia de PC para que esta análise fosse realizada.
Retalhos Profanos
Como todo game que escolhe segurar as mãos da jogabilidade, a narrativa não é o foco de There Is No Light. Nem por isso o enredo, a forma como é apresentado e a construção de ambiente da obra ficam em segundo plano. A aventura começa com a vila do protagonista sendo atacada e seu bebê sendo raptado por soldados que parecem obedecer uma espécie de culto.
Ao ir atrás de quem ama, descobre uma macabra e impiedosa religião que comanda os subterrâneos de um território consumido por destruição e monstros. Impossibilitado de bater de frente com a fé e poder da organização, alia-se a um ser sobrenatural chamado Samedi, que apelida-o carinhosamente de “Loirinho”. Com a ajuda do novo “aliado”, começa uma jornada de resgate e expurgação para tentar livrar o mundo de um culto profano.
Durante a aventura, a história é retratada de forma fragmentada. De diálogos com NPCs em pequenos e médios assentamentos a lembranças espirituais de situações tenebrosas, There Is No Light atinge um limite que permanece inalterado entre mostrar apenas o necessário e instigar a curiosidade de cada um. Se deseja saber mais sobre tudo que está acontecendo, basta ler, interpretar e ligar os fatos de diversos documentos, avisos e conversas que o jogo oferece. Caso a preferência seja por ignorar algum tipo de conteúdo, o ritmo narrativo faz uma boa apresentação do básico para manter o clima interessante.
Uma observação curiosa é a de que Samedi comenta sobre o interesse do Loirinho ao decorrer da campanha. Escolher não prestar atenção no que um grupo de sobreviventes tem a dizer gera reflexões cômicas: “Também não me importo com o que eles tão falando.” Ainda, caso um flashback opcional ou cinemática principal cruze o percurso, um estilo de arte levemente baseado no chiaroscuro, técnica que enfatiza as diferenças entre luz e sombra, é apresentado.
O único ponto negativo de todo o enredo é a quebra de imersão que a mínima falta de contexto produz. Fenômeno presente em inúmeros games, não é bacana enfrentar um chefão sem saber nem mesmo o que o nome do oponente significa. Isso acontece com frequência em There Is No Light e nem a ávida leitura e exploração conseguem formar uma resposta digna.
Fúria descontrolada
Focado em um combate que exige tudo e mais um pouco dos músculos dos dedos, There Is No Light aposta em uma premissa que mistura agressividade, risco e reações ágeis. Com sua fiel espada, Omen, e com outras ferramentas letais que encontra pelo caminho, Loirinho compartilha da mesma mecânica de vida de seus adversários. Para ser derrotada, cada ameaça possui pontos de vida que representam os acertos necessários. Um adversário com três pontos pode ser rapidamente eliminado, enquanto um chefão e seus mais de quarenta acertos cumpre o papel de parecer desafiador em um primeiro momento.
Com seis de vida, Loirinho recebe um acerto de dano de ataques normais, destacados no jogo por auras vermelhas saindo dos inimigos. Já ataques aprimorados, que possuem auras amarelas, só podem ser interrompidos ao utilizar a habilidade da arma empunhada. Atacar com frequência preenche uma barra de Fúria no centro inferior da tela. Com o círculo completo, é possível liberar uma ofensiva que não só causa dois ou mais acertos de dano, mas cessa qualquer violência dos oponentes, sendo a principal ferramenta para atingi-los em momentos decisivos e contra-atacar com eficiência.
E a hostilidade crucial não é exclusiva da Fúria. Uma das primeiras habilidades de Omen permite que, ao realizar quatro ataques furiosos, Loirinho libere uma orbe de cura para garantir a sobrevivência. Ao misturarmos informações sobre a vida dos inimigos, conhecimento quase exato do dano que tomamos e um incentivo de partir pra cima a todo momento, temos como resultado um dos sistemas de combate mais sólidos que pude experimentar em um jogo que busca a dificuldade.
Não há brecha para escudos, tempo para atrair um oponente de cada vez ou cenário para ser usado como vantagem. É preciso arriscar para lidar com os problemas o mais rápido possível ou para conseguir aquela tão esperada cura que pode te salvar de uma morte súbita e não planejada. Falando em cura, que também será citada mais pra frente, não há uma forma fixa e recarregável de recuperar vida, aumentando ainda mais o apelo por derrotar inimigos para seguir em frente.
Habilidades desbloqueáveis utilizam uma espécie de experiência, adquirida ao matar monstros e coletar vasos da morte. Cada técnica, de mais avançada a mais básica, usa uma quantidade predeterminada e dosa a rapidez de obtenção dessas vantagens. Contudo, a evolução do personagem não é muito clara em There Is No Light. Sem a perda de experiência ou qualquer item quanto derrotado, não há muito significado para a morte de Loirinho e o sentimento de evolução é puramente ligado à proficiência de quem joga.
Adicionalmente, não há progressão quanto à vida do protagonista. Mesmo com habilidades de diferentes armas melhorando aspectos como movimento, perdura um teor suspeito causado pela falta de aprimoramentos. Fica o sentimento de que você só está seguindo em frente, sem perceber se aquilo que está fazendo gera algum resultado visível. Simplificando, é como se a forma com que lidamos com os primeiros inimigos é a mesma que lidamos com os últimos. Nem sempre encontramos ameaças mais difíceis ou mais fáceis pois o “nível” do personagem mantém-se o mesmo.
Acabou a luz
Como o nome bem sugere, There Is No Light é um jogo escuro em diversos sentidos. Já expostos os mistérios de sua narrativa, sua ambientação é propositalmente construída para transmitir a fidelidade de um mundo habitado nos subterrâneos. Claustrofobia, medo do desconhecido e apreensão constante são alicerces que seguram os metrôs descarrilhados e os túneis pútridos que possuem como única iluminação o musgo correndo entre as paredes.
Admiravelmente, é preciso acostumar o olho com o breu apresentado para ficar um pouco mais “confortável” na jornada. Não saber o que te espera na próxima sala ou corredor gera uma aversão inexplicável e que representa uma qualidade muito grande do título. Diferente de Darkwood (Ace Wizard Studio), em que o jogador não consegue lidar com as ameaças e está em constante perigo, There Is No Light disponibiliza todos os apetrechos para dilacerar qualquer problema, mas o temor persiste.
A temática religiosa e o pânico são realçados por um pixel art detalhado. Apesar da figura exageradamente deformada do Loirinho, tudo em volta parece vivo e crível, por mais irônico que seja qualquer comparação realística aos pequenos quadradinhos que compõem o produto. Sem simplicidade no estilo artístico, é comum observarmos construções e altares trabalhados em suas curvas e formatos tenebrosos, que geram frestas para a inserção de uma trilha sonora que, ainda que nada memorável, encaixa e tem a criatividade na medida para um jogo como esse.
A localização em português brasileiro é mediana, contando com gírias, naturalidade em certos textos e vários erros de pequena gravidade. Não há atuação de voz em nenhum idioma, sendo as falas representadas por grunhidos e sons esquisitos que diferenciam personagens, inimigos e barulhos do cenário. Vale ressaltar que o jogo possui um bug estranho que desconfigura as preferências toda vez que é fechado. Então, vale ficar atento para não jogar parte da aventura em outro idioma, visto que são esparsos os momentos em que textos predominam
Minha maior crítica a There Is No Light é o sistema de Karma imposto ao jogador. Os elementos de qualidade de vida presentes são incomuns para o estilo, como checkpoints criados perto de chefões ou impactos nulos nas mortes do protagonista. Porém, o game esconde opções de qualidade de vida atrás de ações “certas” ou “erradas”. Entre um checkpoint e outro, por exemplo, temos uma porta sobrenatural que pode ser acessada caso o protagonista morra. Essa porta, que permite cortar caminho e aumentar drasticamente a velocidade de progresso, resulta em uma ação negativa, que influencia no Karma geral. Considerando a ausência de curas fixas, recuperações de vida adicionais são oferecidas sob a mesma condição de Karma.
Colocando em uma balança de prioridade, é muito mais satisfatório evitar a frustração utilizando atalhos e curas teoricamente gratuitas do que frustrar-se além do ideal para conseguir um possível final mais agradável. There Is No Light até oferece formas de aumentar o Karma para compensar tais escolhas, mas o ideal seria que elas nem existissem em primeiro lugar. Ter uma cura fixa resolveria metade dos problemas causados e incentivaria quem joga a lidar melhor com recursos.
Embora possua um modo fácil intitulado de “Viajante”, a obra procura dar ênfase à penalidades morais em um universo que claramente está corrompido. Definir a personalidade de quem joga baseado em conforto e diminuição dos desapontamento tem muito menos efeito moral do que traçar caminhos distintos nas ações do próprio protagonista. A exploração interior do Loirinho deveria ser sobre consequências e não sobre o desejo de economizar uma hora de jogo e prosseguir de forma mais agradável.
Vale a pena enfrentar a escuridão
There Is No Light está inserido em um gênero de RPGs de ação-aventura que tendem à comparação com Dark Souls e semelhantes pelo resto da eternidade. Iluminando locais já explorados, vai contra utilizar as bases desses jogos, explorando outros sentimentos e um estilo de combate mais simples e mais transparente. Com uma história fragmentada e satisfatória, traz uma trilha sonora adequada e uma temática religiosa que, quando bem desenvolvida, nunca deixa de ter um conteúdo interessante.
O maior defeito do game é a presença de uma mecânica de Karma que poderia ser melhor pensada. Ferramentas de qualidade de vida são retiradas do jogador com o intuito de aplicar uma punição obsoleta e que não gera resultados perceptíveis para tornar-se importante.
O uso da apreensão e do desconhecido para causar medo a quem joga faz um contraste quase perfeito com o incentivo à agressividade e tomada de riscos para poder prosseguir. There Is No Light é uma experiência convincente. Tem qualidade em sua execução geral e tem profundidade suficiente para que, ao ser finalizado, não se conheça todos os seus segredos. Mesmo que não seja um título de extremo destaque, merece ser aproveitado.