Após sua campanha no Kickstarter arrecadar mais que o dobro da meta original, o desenvolvedor Luca Carbonera, fundador do CABO Studio, viu seu projeto conquistar uma comunidade valiosa o suficiente para encorajar o lançamento de ZERO Sievert em acesso antecipado.
Publicado pela Modern Wolf, o game de sobrevivência tem um estilo exclusivamente pixel-art e adota uma câmera top-down para apresentar a temática de apocalipse nuclear, muito explorada no mundo dos jogos. Com a intenção de ser um jogo desafiador e completamente offline, ZERO Sievert foca em ser “fácil de aprender, difícil de dominar”, tendo muito conteúdo e incentivando a progressão constante como forma de engajamento.
A análise a seguir, feita a partir de um produto que não está totalmente pronto, procura apresentar pontos positivos e dar feedbacks sobre possíveis caminhos a serem seguidos.
ZERO Sievert está disponível apenas para PC, via Steam. Um agradecimento especial a Modern Wolf e ao CABO Studio por disponibilizarem uma cópia do jogo.
Caçador de esperanças
O enredo em ZERO Sievert serve apenas para contextualizar o teor apocalíptico do jogo. A cidade fictícia de Zakov foi acometida por um acidente de uma usina nuclear e completamente comprometida por causa da radiação. ZERO Sievert é o último lugar seguro do território, sendo um bunker que abriga sobreviventes e os mais diversos serviços, como ala médica, treino de soldados e até um bar.
O protagonista é um hunter, responsável por explorar diversas zonas perigosas da caída Zakov, completando tarefas e buscando suprimentos. Ainda que puramente secundária, a trama construída pelo game é bacana pois permite não se limitar a fatos concretos. Tudo que é dito ou descoberto quanto a história, pelo menos no que diz respeito ao conteúdo disponível até o momento, parece ter certa ambiguidade ou ser levemente aberto a interpretações.
A narrativa, claro, não está só nas falas, textos e contextos, mas presente na ambientação dos cenários de forma variada. A ambientação de lugares internos, por exemplo, parece contar algo muito mais valioso do que é possível observar no mundo aberto, que acaba focando demais na imensidão de seu tamanho e de seus elementos surpresa. No geral, ZERO Sievert está longe de inovar no quesito enredo, mas consegue atingir um nível decente para manter a esperança longe das zonas de perigo.
Complexidade apocalíptica
Se fosse possível definir ZERO Sievert em uma palavra, seria complexidade. O visual e o enredo aparentemente simples escondem uma infinidade de mecânicas, itens e nuances a serem descobertas e aprendidas. Logo de início, após breves mensagens indicando ações básicas, o jogador é convidado a dar o primeiro pontapé em direção à exploração, ponto central da experiência.
Dividida em cenários abertos e gerados aleatoriamente, a busca por suprimentos mistura diversos elementos, indo do bom e velho gerenciamento de inventário e recursos até o confronto com animais, monstros e humanos hostis. Em uma comparação direta, feita com frequência pela comunidade do game, ZERO Sievert é um Escape From Tarkov, com a diferença de ser balanceado exclusivamente para a modalidade PvE, ou seja, sem interações online.
Ao explorar as áreas, quem joga precisa concentrar-se em cumprir as tarefas pedidas por NPCs da base e, ao mesmo tempo, juntar loot para evoluir em sua própria progressão. Considerando que para retornar à base em segurança é preciso achar um ponto de extração, que pode ser bem raro em alguns casos, a tensão desenvolvida entre carregar muitos itens ao mesmo tempo e inevitáveis confrontos que colocam tudo a perder são os temperos que salgam ZERO Sievert para que o jogo de sobrevivência desça com gostinho de quero mais.
Depois de coletar todos os itens e, com sorte, voltar à Zero Sievert, é possível interagir com aliados por um sistema de trocas que herda as características do comércio de This War of Mine. No título da 11 bits, trocar era a única maneira de conseguir um item. Aliando essa exclusividade com a necessidade, temos a receita perfeita. Se remédios são a única forma de salvar um personagem importante, abdicar de uma arma e ficar desprotegido pode ser a saída mais razoável (e desagradável).
Em ZERO Sievert, não há exclusividade no sistema de trocas. Com uma profundidade maior devido à quantidade de itens, são inúmeras as opções e combinações, o que necessariamente não implica em um processo melhor ou pior. Sendo possível comprar itens com dinheiro ganho em tarefas, as trocas acabam ficando como um recurso secundário no amontoado de mecânicas disponíveis.
Sobrevivendo aos feedbacks
Por ser um jogo em acesso antecipado, é plausível reservar um espaço para discutir aspectos de ZERO Sievert que podem ser melhorados. É importante reforçar que os pontos a seguir não podem ser encarados propriamente como críticas, mas sim como observações que almejam a melhora do conteúdo já instaurado no caos de Zakov.
Em primeiro lugar, ZERO Sievert precisa de um tutorial retrabalhado. O tutorial disponível na versão desta análise encontra-se apenas no menu principal e é simples até demais, não apresentando uma interação ou estímulo para ser totalmente lido. Em um game que precisa introduzir certos desafios ao jogador, é essencial que os primeiros minutos ou horas sejam agradáveis e de progressivo aprendizado. Liberar um caçador em uma terra desolada sem muitas pistas é árduo e cruel, mas não pode afetar quem de fato segura o mouse.
Outro ponto a ser melhorado é a visibilidade. A perspectiva top-down escolhida tem a intenção primária de dar uma visão mais abrangente ao player, mas em ZERO Sievert faz justamente o oposto. Com elementos 2D bloqueando a visão de forma estranha, fica complicado ter alguma noção de espaço, principalmente em momentos tensos. Uma árvore, por exemplo, pode (e deve) bloquear tiros e impedir o acerto ao alvo, mas não pode bloquear a visão que se tem do alvo em si. Caso contrário, seria melhor seguir com um jogo de tiro em primeira pessoa.
Ainda na questão de jogabilidade, o sistema de inventário de ZERO Sievert é erroneamente dividido em duas mecânicas. É disponibilizada uma mochila que funciona no estilo de quadrados ou espaços, semelhante à maleta de Resident Evil 4 e tantos outros jogos que optam pela disposição. Adicionalmente, o inventário possui um contador de peso que, se utilizarmos Skyrim como referência, causa lentidão caso ultrapassado.
Ao misturar ambas as condições, temos um inventário que limita as possibilidades de quem joga sem estar propriamente cheio, destruindo por completo a essência de procurar suprimentos. Por que um fuzil ocupa um certo número de espaços e ainda soma para a contagem de peso final? Escolher carregar qualquer item gera um sofrimento dobrado em se preocupar com duas variáveis que não combinam bem.
Por último, ZERO Sievert necessita de um sistema de progressão geral melhor e mais robusto, que acompanhe sua complexidade geral. Desde o início podemos acessar áreas que são naturalmente mais difíceis e isso prejudica qualquer sentimento de evolução. Afinal, podemos sair explorando tudo sem nem saber o grau de desafio a ser encontrado. A impressão que perdura é a de que tudo em ZERO Sievert é muito “jogado” e “atirado”. São muitas e muitas possibilidades… mas a execução de cada seção pode levar ao amor ou ao ódio.
Já vale a pena acreditar em ZERO Sievert?
A opinião sincera é de que ainda não. Apesar de ser um jogo que sabe o que quer transmitir, ZERO Sievert tem um caminho a ser percorrido em vários aspectos de sua jogabilidade. De sistemas ambíguos à falta de direcionamento, o projeto precisa de mais foco em elementos principais e menos volume em suas quantidades, seja em itens, upgrades, construções, melhorias e quests.
Com o financiamento bem sucedido no Kickstarter, o game recebeu boa parte do que era planejado, mas essa junção não resultou em algo tão harmônico quanto imaginado. Agora, o objetivo é arrumar o que está ali e não deixar direcionamentos a serem tomados influenciarem na qualidade do produto em geral. Se você gosta de jogos de sobrevivência e de estilo pixel art, mantenha ZERO Sievert no radar e confira o jogo de tempos em tempos.