Quem nunca fantasiou sobre Marte? O planeta vermelho, imaginado como um possível alvo de colonização espacial por parte da humanidade, desperta um interesse genuíno para muitos que querem se aventurar pelo cosmos. E, tratando-se de viagens espaciais, não foram raros os games que nos últimos anos exploraram o gênero. Com este intuito surgiu em 2018 Deliver Us Moon, da KeokeN Interactive e Frontier Developments. Foi um primeiro movimento em um universo próprio, com questionamentos pertinentes e exploração. Após este capítulo foi desenvolvido Deliver Us Mars, sequência que busca ampliar o escopo anteriormente apresentado e se passa em Marte.
Embora possua um roteiro interessante, o game esbarra em erros e problemas de execução no que tange às suas ideias. Mas, ao final de tudo, Deliver Us Mars vale a pena? Vamos descobrir.
Visuais
Deliver Us Mars procura exibir um visual com toques de realismo quando nos referimos aos ambientes. O game busca reproduzir ambientes da Terra, de Marte e também de instalações espaciais. Muito do que vemos é simplificado, com poucos assets, e isto não é um problema: cada jogo possui sua identidade. Entretanto seus problemas técnicos, dos quais falaremos adiante, tornam os espaços mostrados no jogo visualmente inconsistentes. A direção de arte até que se esforça, mas o resultado infelizmente fica aquém do que poderia.
Em relação aos personagens temos outros problemas. Os rostos possuem uma modelagem abaixo da média e que poderia ter saído direto da sétima geração de consoles. Eles caem muito facilmente no Vale da Estranheza, podendo gerar uma sensação de incômodo em algumas seções de jogabilidade ou cinemáticas. Mais: os visuais dos personagens não conversam com o ambiente, dando a impressão de que estão um tanto fora do lugar.
Jogabilidade
No tocante à jogabilidade, Deliver Us Mars também possui problemas. Logo no início percebemos que a física do game tem algo de estranho. Os movimentos de correr e saltar da protagonista possuem uma certa peculiaridade que será notada logo no começo pelo jogador. Embora sejam variantes que devem ter a ver com a gravidade em Marte, é algo que também se manifesta nos trechos que se passam na Terra. É uma falha importante de se perceber.
Temos uma perspectiva de terceira ou primeira pessoa, com trechos nos quais apenas o segundo tipo se faz presente. É possível operar em ambientes rochosos, gélidos, aquáticos e também no espaço sideral. Kathy, nossa protagonista, pode usar um feixe de calor disparado a partir do pulso para derreter estruturas e criar passagens ou desbloquear aparelhos. É possível também dirigir veículos pela superfície de Marte.
A gameplay tem como cerne a exploração, mas uma vez que o jogo é muito focado na linearidade as opções não são muitas. O objetivo é levar a protagonista de um ponto a outro no mapa. Em algumas seções também temos que apertar certos botões na ordem correta ou posicionar instrumentos para possibilitar o progresso. Junto com a jogadora temos AYLA, um robô que pode passar por espaços pequenos, destravar portas e carregar objetos.
Existem dois principais tipos de puzzles no game. O primeiro se refere a decodificar hologramas, fazendo AYLA ficar em determinada posição. O segundo tem a ver com uma tecnologia presente no mundo do game que envia energia sem a necessidade de cabos. É preciso posicionar emissores, retransmissores e instrumentos que diminuem a quantidade de energia enviada. Infelizmente estes puzzles acabam se tornando enfadonhos não pela dificuldade, mas pelo fato de aparecerem de maneira semelhante ao longo do game. Não há inovações ou novos desafios, apenas as mesmas ações. Na falta de criatividade, a gameplay se torna mais monótona.
Os colecionáveis são diversos e ajudam a compreender melhor o universo. Além dos arquivos de hologramas há outros como revistas e conversas em uma tentativa de auxiliar na imersão.
Deliver Us Mars traz uma nova e curiosa mecânica de escalada. Munida de picaretas, Kathy deve passar por terrenos íngremes em Marte de uma maneira pouco tradicional: controlamos seus braços utilizando os botões L2 e R2 e o direcional L. É uma tarefa que pode se mostrar interessante no começo, mas que logo cansa o jogador e se prova um recurso desnecessário.
Em suma, no que se refere à jogabilidade, podemos citar que o maior problema de Deliver Us Mars é parecer não saber seu próprio estilo. Por vezes ele parece um simulador, em outros momentos assemelha-se a um game de exploração e, por fim, acaba oscilando entre ambos.
Importa também mencionar que o game não possui combate, escolhendo um caminho diferente de outros títulos com tema semelhante. Não é uma escolha ruim, mas é algo de se notar.
História
Deliver Us Mars continua a narrativa de seu antecessor, passando-se dez anos após o primeiro game. A Terra está cada vez mais inabitável devido às mudanças causadas pelo homem e a maior parte da humanidade está ameaçada. O Conselho Lunar, grupo que criou arcas autossustentáveis que poderiam ajudar a Terra, fugiu e é considerado como uma associação de traidores da própria espécie. Em dado momento, uma mensagem relacionada ao grupo é enviada à Terra, revelando a localização dos foragidos: Marte. Após isso cria-se uma missão com o objetivo de averiguar o que pode ser uma última esperança de sobrevivência para o nosso planeta — ou uma última oportunidade de vingança. No game controlamos Kathy Johanson, filha de um dos membros do Conselho Lunar. Ela parte em missão com sua irmã Claire e os companheiros Ryan e Sarah (esta última possuindo um papel central no primeiro game).
O roteiro possui uma maturidade considerável, sendo magnético ao jogador e dosando ao entregar respostas. No entanto, ainda assim é passível de críticas. O game demora a engrenar, apresentando uma grande seção na Terra que ocupa boa parte da história. Outro ponto são os flashbacks, muitas vezes fora de hora e que podem gerar confusão ao jogador. Por último, algumas escolhas se mostram curiosas e convenientes: Kathy e Claire vão até Marte para confrontar o próprio pai, o que mostra riscos óbvios em uma missão tão importante.
O principal atrativo da história de Deliver Us Mars é a curiosidade gerada e as relações entre humanos, abordadas de maneira competente. O Conselho Lunar é inocente? O que aconteceu com a colônia marciana? O que Kathy e sua equipe farão?
Desempenho, localização e trilha sonora
Deliver Us Mars infelizmente possui diversos problemas técnicos que prejudicam em muito a experiência. Texturas demoram a aparecer ou sequer carregam. Pop-ins são frequentes. A taxa de frames se mostra muito instável em áreas mais abertas, realmente incomodando. Se já eram problemas notáveis caso ocorressem na oitava geração de consoles, no PlayStation 5 eles beiram o injustificável. O que vemos é uma aparente mistura de má otimização e falta de polimento que remove muito do potencial do game.
Em relação à localização, ela é competente com legendas em PT-BR que ajudam o jogador a se familiarizar com o jogo. Na trilha sonora, temos um toque agradável de deslumbramento que lembra obras como Duna e Starfield. Quando o suspense entra em cena, a trilha também faz jus ao seu papel e ajuda na construção do momento.
Conclusão
Deliver Us Mars, infelizmente, é um amontoado de boas ideias que acabam sendo mal executadas. Com uma gameplay monótona, o jogador acaba sendo levado a avançar por Marte apenas para descobrir o que a história guarda a seguir. Mas a curiosidade na narrativa por si só é incapaz de sustentar o game. Os problemas técnicos e os visuais estranhos sedimentam a certeza de que o potencial foi desperdiçado e que o game precisava de mais algum tempo em seu desenvolvimento. Por fim, podemos dizer que é uma aventura interessante e que pode ser experimentada de maneira mais descompromissada. Entretanto, jogadores mais exigentes devem se incomodar e notar que o jogo promete, mas, por fim, acaba não entregando.
Obs: Esta análise foi feita a partir de uma cópia cedida pela KeokeN Interactive e Frontier Developments, a quem agradecemos.