Coração Atômico é um nome que facilmente se adequaria nos filmes de ação dos anos oitenta. Bom, talvez eles tenham servido como fonte de inspiração pra Mundfish, estúdio russo que lançará seu primeiro projeto amanhã (21): Atomic Heart. A campanha promocional do jogo, uma das mais eficazes que já vi, “vendeu” visuais estonteantes, uma atmosfera similar ao que vimos em BioShock e lutas inesquecíveis contra chefes mirabolantes. Será que o jogo entrega isso tudo? É isso que você vai descobrir neste review!
Aviso: Este review foi produzido graças a um código de PlayStation 5 cedido pela Focus Entertainment.
From Russia with Love
Protagonizado por um major chamado de P-3, a atmosfera de Atomic Heart foi construída com muito carinho. Talvez carinho até demais. A Mundfish não esconde que se trata de um projeto russo e o jogo flerta com a propaganda em prol do país. Apesar de ser ambientado no passado, em plena glória da URSS, temos diversas menções ao povo, algo que não pode casar bem vide a atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Excluindo isso, a lore e a construção de mundo no game são feitas de maneira impecável. Seguindo o enorme oceano cultural da Rússia, temos óperas, um show de arquitetura e arte, paisagens estonteantes, desfiles… Munindo-se de diversos conceitos de ficção científica/futurismo, os desenvolvedores se esforçaram para fornecer explicações palpáveis de praticamente todos os robôs, equipamentos e outros inventos presentes na aventura. Nossa mochila por exemplo usa tecnologia quântica para encolher os itens, por isso consegue carregar tantas coisas. Esse detalhe é “pequeno” mas colabora para quem estiver jogando se aprofunde mais no universo do projeto.
Nosso objetivo é investigar a Instalação 3826. Perto do lançamento da Kollektiv 2.0, um aparente mal funcionamento fez com que as máquinas do lugar se rebelassem e passassem a perseguir e atacar os humanos. A história é bem madura e usa diversas ideias de franquias adoradas, como BioShock, Resident Evil e Call of Duty. Com momentos repletos de violência, o estúdio fez um trabalho soberbo na localização do jogo. Por mais inacreditável que pareça, Atomic Heart apresenta até áudio em nosso idioma! E a qualidade não fica devendo em nada para a PlayStation por exemplo.
Apesar dos esforços com a localização, o mesmo não pode ser dito sobre as expressões faciais e as cutscenes. As expressões são terríveis, tirando quase todo o impacto das cenas e as cutscenes estão sofrendo com as temidas quedas de frames. Ao todo a campanha leva entre 12 a 15 horas na dificuldade normal e a duração acarreta alguns problemas.
Muitas coisas ficaram corridas, principalmente devido a estrutura de mundo aberto do jogo. Por conta disso, o jogo não consegue construir uma ponte de conexão do jogador com os personagens. Até a relação com Charles, a luva que serve como ajudante e alívio cômico, não é bem explorada. A história acaba perdendo grande impacto, por mais que seja interessante! Temos doses cavalares do comportamento russo. Alguns trechos apresentam hipersexualização, muitos apresentam xingamentos e humor “bobo”. Um caminho que a equipe poderia ter seguido era abandonar a estrutura de mundo aberto, adotando uma roupagem de semi mundo aberto ou até linear.
Mãos ágeis, pés tortos
Como mencionei mais acima, Atomic Heart pega emprestado diversas mecânicas de games conhecidos e não conhecidos pra apresentar sua própria proposta. O combate é uma mistura de Generation Zero, BioShock e Dying Light. Temos 12 opções de armas diferentes, indo desde armas brancas até armas de fogo como uma espécie de lançador de mísseis. Também conseguimos usar habilidades especiais como telecinese, congelamento e choque.
Infelizmente, o combate não é muito aprofundado e não é nada viciante e prazeroso, características vitais para um shooter. Senti muita falta de peso nos embates e, apesar dos inimigos apresentarem indicadores visuais do dano levado, a sensação é a de que estamos lutando contra borrachas. A inteligência artificial dos inimigos é excelente e eles são implacáveis, mesmo na dificuldade Normal. Eles perseguem incansavelmente o jogador e a aventura apresenta uma boa dose de desafio. Se você quiser sofrer, basta jogar na terceira dificuldade, o conhecido Hardcore!
Por ser um jogo de mundo aberto, temos leves mecânicas que conhecemos em RPGs. Podemos aprender novas habilidades em uma extensa árvore de skills ao usar neuropolímeros. É através dessas habilidades que expandimos nosso inventário, aumentamos nosso HP, velocidade de corrida e aprendemos novas habilidades como a já mencionada congelamento. A confecção de armas, munições e consumíveis também se faz presente, assim como a personalização do armamento.
Podemos equipar peças em cada arma e melhorar as respectivas peças, aumentando status como dano causado, tamanho do pente, cadência do tiro e muito mais. Como os recursos são escassos, os jogadores terão que a todo momento decidir entre fabricar itens de cura, munição ou melhorar a arma.
Falando em recursos, a exploração é fundamental para sobreviver em Atomic Heart. Qualquer vacilo e você vai chegar sem munição e cura em uma batalha contra chefe ou contra um grande grupo de inimigos, logo, empilhar itens antes sempre é uma boa decisão! Temos arenas, campos de provação, fazendas e fábricas pra desbravar. O que não é nada empolgante são as seções de plataforma (e não são poucas). A movimentação nesses trechos é péssima. O pulo não é tão responsivo e o mecanismo de escalar é um dos piores que já vi em um jogo.
Você pode até achar que Atomic Heart seja um shooter, mas o projeto também está bem próximo de ser um jogo de puzzle. A praticamente cada instante precisamos abrir portas trancadas, buscar por senhas, abrir atalhos.. Apesar do jogo ter um dos sistemas mais legais de arrombar portas, isso acaba tornando a aventura chata e irrita o jogador. Se é um shooter, o propósito é dar tiros, não colocar um quebra cabeça quase a cada passo do jogador.
A navegação pelo mapa não é das melhores, principalmente nas zonas que estão fora do mundo aberto. O estúdio reusou muitos assets, gerando uma boa quantia de salas iguais. Como joguei focado na campanha, não encontrei nenhuma opção de viagem rápida no game, porém, podemos viajar entre as diferentes seções da fábrica com um carro.
O conteúdo secundário ajuda a expandir a duração do jogo e deve render pelo menos mais 20 horas de jogatina. Infelizmente ele segue o mesmo padrão de uma boa parte dos AAAs de mundo aberto, portanto, prepare-se pra coletar muita coisa.
Quando sai da caixola, o level design é primoroso e lembra muito o teor experimental que vimos em Control. Contudo, essas seções são raras em Atomic Heart. Em boa parte da trajetória estaremos seguindo a velha receita de bolo de shooter com mundo aberto. A cereja do bolo acaba sendo as lutas contra chefes. Com um design belíssimo, trilha sonora absurda e movesets impiedosos, acredito que todos os jogadores irão amar Atomic Heart nesse sentido!
Digno de Kandinsky?
Visualmente falando, os cenários de Atomic Heart impressionam e muito. A introdução do jogo é uma das mais belas que eu já vi. A Rússia é conhecida pelas suas obras culturais e temos referências a rodo aqui. Prédios deslumbrantes, o imagético em vermelho da URSS, obras de arte, óperas, balé. O jogo passeia na cultura do país, apesar de não se aprofundar tanto quanto poderia. Infelizmente, o tratamento dado aos cenários e inimigos não foi transportado para as expressões faciais e cutscenes. As expressões deixam a desejar e as cutscenes sofrem com quedas de frames violentas.
A trilha sonora também é primorosa e transita entre diversos estilos. Temos músicas clássicas da Rússia, ópera, heavy metal e até produções eletrônicas. A música faz com que os encontros contra os chefes se tornem ainda mais memoráveis. O problema é que até o momento dessa escrita, o áudio do jogo apresenta vários problemas. Temos trechos em que a voz dos personagens não sai. Em outros, o áudio estoura gerando muito incômodo, principalmente se você jogar com fones de ouvido. Felizmente o problema pode ser facilmente resolvido com um patch de correção.
Em certos pontos, também tive problemas com a HUD. O balão de texto após coletar recursos não sumiu, tampouco a barra de vida de um subchefe que decidi não enfrentar no momento. O problema só foi resolvido após fechar o jogo e abrir novamente, mas acabou voltando a acontecer logo depois. A Mundfish também implementou o DualSense para aumentar a imersão no mundo do jogo, contudo, o resultado poderia ser melhor. Basicamente o único destaque acaba sendo os gatilhos adaptáveis mas recomendo jogar com isso desativado para não quebrar a mola do frágil DualSense.
Se você gosta de ir atrás de troféus, saiba que temos alguns troféus bugados no jogo. Inclusive um troféu perdível simplesmente não pipoca. Outro que envolve atirar na cabeça dos inimigos está com o contador bugado. Também temos algumas conquistas que estão com a descrição errada. É, a situação é bem caótica!
Atomic Heart: Vale a Pena?
Olhando pela ótica de que o jogo foi a primeira aventura criada pela Mundfish, dá pra falar que a equipe fez um trabalho louvável. Visualmente o jogo impressiona em diversas partes, apesar de deixar a desejar no que diz respeito ao desempenho. A narrativa mescla clichês com futurismo e entrega uma história que vale o tempo investido mas que ao meu ver não faz jus ao valor cobrado. Minha recomendação é a de aguardar por uma promoção e updates que coloquem um fim nos problemas do jogo.