Animais mágicos sempre despertaram a imaginação do ser humano desde os mais antigos tempos, com suas descrições surpreendentes e, por vezes, aterradoras. Não é de se estranhar, portanto, que muito dessa temática tenha sido levada para o mundo dos games. Diversos jogos apresentam grandes caçadas a criaturas arcanas, poderosas e que lembram o reino animal. Nos últimos anos a série de games Monster Hunter, da Capcom, obteve enorme sucesso nesse meio. Com uma proposta semelhante surgiu Wild Hearts, da Omega Force (Dinasty Warriors) e publicado pela EA.
Buscando atrair jogadores com uma gameplay hipnotizante e um mundo novo, Wild Hearts se posiciona como um ambicioso jogo do começo deste ano. O game obteve êxito? Vamos descobrir.
Visuais
O primeiro ponto que iremos analisar é o dos visuais do game. Sendo uma aventura em espaços razoavelmente abertos, Wild Hearts tem inspiração no período feudal do Japão. Isto se percebe, por exemplo, nas construções e nos NPCs. Outro ponto a se destacar é a variedade de ambientes. Há todo tipo de espaço: grutas, escarpas de gelo, campos floridos, áreas urbanas, florestas e praias. Em boa parte destes lugares há toda uma aura curiosa encabeçada pela inspirada direção de arte. Cenários fisicamente difíceis de serem concebidos e uma atmosfera densa ajudam a ilustrar a experiência.
Mas se a direção de arte se sobressai, o mesmo não pode se dizer dos gráficos em si do game. Na verdade, este é o ponto mais negativo de Wild Hearts, capaz de causar um forte estranhamento e incômodo. Para começar, o game está disponível apenas para PC e a nona geração de consoles (isto é, PlayStation 5 e Xbox Series X/S). Portanto, havia uma expectativa do que Wild Hearts poderia apresentar ao público no quesito gráfico. E é aqui que temos grandes decepções. A direção de arte não consegue fazer milagres e esbarra em texturas muito ultrapassadas. Não fosse a paleta de cores e a quantidade de elementos em tela, poderíamos muito bem dizer que este game possui visuais da sétima geração de consoles. Chega a ser assustador quando observamos certos detalhes: a neve, por exemplo, possui texturas borradas. Há múltiplos pop-ins nos ambientes. A água do jogo deixa a desejar. Acaba sendo um fator difícil de ignorar.
Não é possível precisar os motivos que levam este game a ter este tipo de desempenho gráfico, ainda mais por ser exclusivo da nona geração. Mesmo o game tendo um grande componente online, o que poderia afetar esta seção, ainda assim é algo que é complicado de se justificar. Wild Hearts parece ser um game que precisava de um tempo extra para, no mínimo, polimento em seus gráficos.
Quando aos designs das criaturas que são ponto central do game, eles são elogiáveis e dignos de nota. Por mais que esbarrem nos tropeços expostos acima, esbanjam originalidade e ajudam a compor um mundo hostil e misterioso.
Jogabilidade
A jogabilidade em Wild Hearts é definitivamente o ponto alto do game. Divertida, acessível e criativa, ela rapidamente envolve e vicia. O game possui diversos elementos de RPG e é centrado nas caçadas contra os kemonos, poderosas criaturas semelhantes a animais.
Logo no início do game somos introduzidos a uma generosa tela de criação de personagem, onde podemos modificar diversos atributos de nosso caçador. É possível alterar muitos detalhes, permitindo deixar o avatar que o jogador controla com a cara pretendida. Com isto, chegamos ao cerne do game: enfrentar os kemonos.
Estas criaturas tratam-se de animais infundidos com aspectos da flora, elementais ou minerais. O mundo está cheio de kemonos, muitos deles inofensivos e que podem ser afagados. Mas os maiores são violentas ameaças que devem ser enfrentadas com cautela. Mesmo o Roeflor, um dos primeiros kemonos que enfrentamos, pode ser fatal caso o jogador não preste atenção em seus movimentos. É de se notar como é surpreendente perceber o game introduzir cada vez mais estas criaturas admiráveis. Um Presa-Régia, uma espécie de javali, possui o tamanho de uma baleia e pode se erguer em duas patas, desferindo um ataque avassalador para o que quer que esteja abaixo. Já o Petrederme é um colosso que literalmente possui o tamanho de uma montanha, fazendo parte do próprio cenário enquanto é flanqueado por nosso protagonista.
Mas não é o tamanho de um kemono que o faz ser perigoso. Há outras variantes envolvidas, como o seu moveset. É preciso se atentar aos sinais de que o adversário irá desferir um poderoso golpe ou se movimentar em determinada direção. Contra isso, é possível se esquivar, por exemplo. Um tipo de esquiva longa aparece no game e se torna um elemento necessário devido a ataques em área que podem invocar pedregulhos ou até mesmo incendiar o solo. Também é possível correr e saltar, evitando ataques. Uma mecânica que pode estranhar é a de recuperar vida: o jogador pode utilizar plantas obtidas pelo cenário mas, para isso, precisa realizar uma animação lenta e que pode custar preciosos momentos nas batalhas.
Os confrontos ocorrem em espécies de fases. Ao final de cada uma delas, o kemono, enfraquecido, foge para outra zona do mapa e o jogador deve segui-lo. Mudar de fase não significa enfrentar um kemono mais fraco. Pode ser exatamente o oposto, uma vez que a instabilidade os aflige e eles se tornam muito mais agressivos.
As lutas contra os kemonos não são fáceis, podendo durar mais de meia-hora a depender da complexidade e poder da caça. Nesse sentido o game acaba tendo um multiplayer muito convidativo, tornando as caças mais divertidas e dinâmicas. É claro que Wild Hearts pode ser jogado totalmente offline, mas acaba sendo um caminho mais árduo e talvez menos lúdico. De modo geral, o combate é grandioso e cada caçada é única para o jogador.
Contra os formidáveis inimigos do game temos à disposição uma imensa gama de armaduras e armas, que podem proteger contra tipos específicos de inimigos e causar maior ou menor dano. Entre as armas existem katanas, espadas de duas mãos, arcos, marretas, canhões entre outros. É possível evoluir o material utilizado pelo protagonista, tornando-o mais forte para as próximas batalhas. Muitas vezes, os recursos necessários para estas melhorias vêm da caça de kemonos.
Um elemento muito interessante é a linha celestial, uma espécie de combustível etéreo azulado que desempenha diversas funções no game. Para começar, ela pode indicar o caminho que o jogador deve seguir em algumas ocasiões.
Outra grande aplicação da linha celestial é nos karakuri, engenhocas a serem produzidas pelo jogador. Os karakuri possuem imensas aplicações e usos, lembrando jogos como Death Stranding. Por exemplo: podem ser criados blocos que auxiliam a subir determinado tipo de terreno. Existem máquinas que usam vento e que podem elevar o caçador. Também é possível utilizar planadores e tirolesas, permitindo uma eficiente travessia. Estes karakuri são limitados pela quantidade de linha celestial que o personagem carrega, sendo possível obter mais deste elemento pelo mundo ou roubando de kemonos, que possuem focos de linha em seu corpo.
As limitações ao uso dos karakuri também têm a ver com as criações mais complexas como as já citadas tirolesas, acampamentos ou torres de caça — estas últimas permitindo que o jogador detecte facilmente os kemonos da área. É preciso desbloquear pontos conhecidos como fossos de dragão e, em alguns casos, evoluir seu nível para permitir que mais construções possam surgir.
Os karakuri possuem uma utilização muito interessante no combate. É possível criar uma parede na frente dos adversários e estes, ao se chocarem contra ela, ficam incapacitados temporariamente. Da mesma forma, o jogador pode conjurar um gigante martelo ou prender uma corda no kemono. Existem várias possibilidades que tornam o combate ágil e divertido.
O jogador pode utilizar a viagem rápida de uma maneira razoavelmente simples: através de acampamentos criados. Claro, a quantidade de acampamentos em determinada região vai depender do número e do nível dos fossos de dragão do local, o que enseja estratégias para melhor andar pelos cenários.
Em sessões offline os jogadores podem utilizar Tsukomos, que são criaturas semelhantes a orbes. Eles distraem e causam dano aos kemonos, salvando os jogadores em situações mais complicadas. Além disso, podem ser evoluídos a partir de engrenagens que surgem no mundo.
Multiplayer
O multiplayer também é um ponto muito positivo do game. Ele é acessível através de fogueiras onde o jogador opta por “descansar” e escolhe a opção de jogar online. É possível criar sua sessão de jogo ou buscar outras sessões. O jogador pode determinar pormenores da sessão como o kemono que está sendo caçado ou o objetivo da sessão. Até três caçadores podem jogar juntos e, durante a quase totalidade da jogatina, a experiência foi muito agradável e fluída.
Em sessões online é possível utilizar os karakuri convocados por aliados, além de dividir o foco dos kemonos caçados e obter maiores janelas de ataque. Ver os jogadores que estão na sua mesma partida desempenharem ataques épicos ou sofrerem com um golpe de kemono é realmente uma experiência muito divertida e eletrizante.
Quando um caçador tem a barra de vida finalizada por um kemono em uma sessão multiplayer, a caça não falha (o que só ocorre quando todos morrem na partida): ele pode voltar para um dos acampamentos do mundo em que está ou permanecer caído, esperando que um colega o reanime. As duas opções possuem prós e contras, sendo a primeira um ato de reviver instantâneo que põe o jogador longe do kemono e a segunda uma necessidade de exposição por parte do outro aliado que não pode atacar enquanto está reanimando um companheiro.
Por último, vale a pena ressaltar que se você está jogando em um console necessariamente precisará de uma assinatura PlayStation Plus/Xbox Live para ter acesso ao multiplayer, como de costume.
História
A narrativa do game pode ser considerada um pouco simplista. Embora se perceba que ela vá direto ao ponto, também deve se levar em conta que sua construção é quase que inteiramente focada nos kemonos. Por isso, acaba sendo algo feito ao redor dos monstros, utilizando-os como recurso indispensável para sua continuidade. É compreensível, mas percebe-se que o componente narrativo em alguns pontos pode parecer atrofiado.
Controlamos um caçador que visita as terras de Azuma, região devastada pelos kemonos. As pessoas da região recuaram para a cidade de Minato e o objetivo aqui é proteger o povoado e caçar os kemonos para que eles não ameacem a humanidade.
Confesso que não me simpatizei pelo protagonista pela forma como ele surgia nas cinemáticas: sem expressão. Nos diálogos, não há falas. Esta é uma decisão estranha, uma vez que nosso caçador possui uma voz e a manifesta durante o combate.
Os NPCs, embora tenham suas próprias personalidades e ideias, também parecem um pouco genéricos em alguns pontos. A totalidade da esperança de Minato costumeiramente é colocada nos braços do protagonista sem um maior desenvolvimento, tornando certos diálogos verdadeiramente artificiais. É um potencial que se perde.
Entre as missões secundárias podemos realizar trabalhos para obter recursos ou nos envolver em uma trama que geralmente termina em finalizar um kemono. Não há muita variedade de atividades aqui, também.
Em suma, a narrativa parece ser um elemento muito mais acessório ao game, sendo utilizado para ilustrar o enorme potencial de sua jogabilidade.
Desempenho, trilha sonora e localização
Wild Hearts possui um desempenho razoável e que não atrapalha na maior parte da jogatina. O game possui dois modos: de qualidade visual, onde a resolução é priorizada, e o de desempenho, que busca 60 frames por segundo. No PlayStation 5, console utilizado para esta análise, a recomendação é o modo de desempenho. Além da perda visual não ser grande, o componente principal do game — as batalhas contra monstros — funcionam de maneira muito melhor. É preciso, porém, notar que pop-ins costumam aparecer de maneira frequente e por vezes há quedas de fps, mas nada que vá realmente estragar a experiência. Considerando o elemento multiplayer o jogo realmente brilha, mantendo conexões estáveis e com o mínimo possível de delay.
No que se refere à trilha sonora ela é uma das joias do game. Apresentando tensão e deslumbre, ela reproduz fielmente as sensações de encontrar um kemono gigante ou de se aventurar em espaços fantásticos neste mundo.
No quesito localização, o game possui menus e diálogos legendados em PT-BR. É algo realmente bom ao familiarizar o jogador brasileiro e permitir uma compreensão muito mais tranquila do jogo em si.
Conclusão
Wild Hearts é um jogo que busca criar uma experiência de caça a criaturas mágicas — e consegue. Sua jogabilidade é muito divertida, suas partidas online agradam e os karakuri dão um show à parte. Entretanto, os visuais acabam indo na direção contrária e sendo um fator negativo no game. Da mesma forma, a história pode ser desinteressante e, por vezes, artificial. De todo modo, é um game que os amantes de Monster Hunter e jogos análogos podem se interessar. Wild Hearts é uma experiência que na maior parte do tempo é animada e empolgante, tendo em seus incríveis combates a chave para conquistar os corações selvagens que podem se mostrar receosos com a proposta do título da Omega Force.
PS: Esta análise foi feita em um PlayStation 5 através de uma cópia concedida pela Omega Force e pela EA, a quem agradecemos.