Em setembro de 2019 eu estava com um sorriso no rosto. A Deck13 estava lançando The Surge 2, sequência promissora pro Soulslike sci-fi que permitia atacar partes específicas do corpo dos adversários. O tempo passou e a equipe anunciou que o próximo projeto iria se afastar do gênero pra apresentar algo novo. Foi assim que surgiu Atlas Fallen, publicado em parceria com a Focus Entertainment.
Será que se afastar de um gênero que o estúdio adquiriu bastante experiência foi a decisão certa? É isso que você vai descobrir nesse Review!
De volta, outra vez
A história de Atlas Fallen tenta ser dramática e com peso. O mundo do jogo é descrito como um ambiente opressor onde uma Rainha megera explora o povo para agradar Thelos, um Deus que exige Essência. Os oprimidos são chamados de Inomináveis, evidenciando a existência de um sistema de castas no mundo do game.
É diante desse contexto que surge o protagonista do jogo. Personagem que pode ser criado, com uma customização básica, que acaba interagindo com uma Manopla misteriosa que concede poderes especiais. A Manopla é “possuída” por uma figura sem memória chamada de Nyall. Sim, lembra bastante Forspoken.
Apesar da premissa ter potencial, o jogo falha enormemente em fazer com que os jogadores se importem com a narrativa. O lip sync é terrível, os diálogos não apresentam nenhuma inspiração, a lore do mundo não é atrativa, as cutscenes lembram mais o início da geração do PS4 e os personagens secundários são completamente esquecíveis. Podemos descobrir mais sobre o mundo e os personagens através de registros coletados nos cenários. O problema é parar pra ler ou ouvir detalhes sobre algo que falha em captar a atenção e interesse por parte de quem joga.
As missões são divididas em três tipos: missões principais, missões secundárias e tarefas. Em tese, as missões secundárias deveriam fornecer um conteúdo de valor, tanto no sentido da lore quanto na recompensa, mas as diferenças em relação às fetch quests (tarefas), são bem sutis, fazendo com que dê pouca vontade de explorar esse conteúdo adicional.
Um elemento interessante é que a história reage ao progresso do jogador. Os NPCs se deslocam de assentamentos, outros somem e seguem seu próprio caminho. Eles não ficam estáticos num mapa mesmo após você ter feito alguma missão. Ao longo de minhas andanças pelo mundo do jogo, encontrei uma carta escrita por um homem. Ao visitar a cidade, me deparei com um NPC por acidente e acabei descobrindo a carta foi escrita pelo pai do NPC em questão. Quando existe um pouco mais de cuidado, Atlas Fallen revela vislumbres do que poderia ter sido.
Vida curta aos mundos abertos
Entrando na “onda” da indústria, Atlas Fallen segue o conceito de mundo aberto. Visitamos quatro regiões no jogo, cada uma seguindo essa estrutura aberta. Contudo, o mundo malmente é povoado, mais lembrando uma caixa de areia de gato. As cores são pouco exploradas e, por focar bastante no elemento areia, temos um tom predominante de marrom/barro que torna tudo mais feio e menos atrativo. O mundo de Atlas Fallen é tão vazio que em alguns trechos até os inimigos são escassos.
A Manopla consegue fazer com que o protagonista manipule a areia, permitindo que ele deslize e se locomova rapidamente. Além disso, o jogo flerta com títulos como Prince of Persia e Darksiders, apresentando trechos de plataforma que envolvem a habilidade de dash.
Numa tentativa de manter os jogadores engajados, temos a reciclagem de atividades secundárias bem defasadas e que estão presentes em diversos jogos deste tipo. Destruir torres em troca de recursos, ativar totems para concluir trechos de plataformas invisíveis cumprindo um limite de tempo, derrotar monstros “elite”, desbloquear pontos de observação, de viagem rápida e destruir construções inimigas… Atlas Fallen parece ter entrado em um túnel de tempo lá em 2013 e acabou caindo de paraquedas em 2023.
O game design de Atlas Fallen é bem datado e batido, falhando em entregar qualquer elemento inédito para os jogadores. E, bom, não tem problema em seguir tendências, mas pra isso é necessário fazer o básico minimamente bem feito e esse não é o caso aqui. Durante minhas 25 horas com o jogo, que inclusive conta com o tempo total pra platinar, muitas vezes me vi pensando em Sombras de Mordor. Essa é a sensação ao jogar Atlas Fallen. O problema é que o game foi lançado em 2014 e estamos em 2023. Ele não é ruim mas incrivelmente datado.
Após experimentarmos obras formidáveis como Elden Ring e os Zeldas mais recentes, fica difícil encarar títulos que seguem essa estrutura arcaica de open world. E o problema não é nem uma questão de escopo ou orçamentária. Biomutant por exemplo, outro AA, consegue entregar um mundo com identidade, interatividade e cores o suficiente pra se destacar dos demais. A Deck13 poderia (e deveria) ter adotado uma filosofia de menos é mais, apostando em mapas mais compactos pra entregar uma experiência melhor.
Uma Manopla e um sonho
A jogabilidade de Atlas Fallen é fortemente pautada na Manopla que o protagonista usa. Logo nas horas iniciais da jogatina já obtemos as três armas: um martelo gigantesco focado em dano bruto, uma espada com lâminas focada na geração de ímpeto (sim, com design e funcionamento similar às lâminas do caos) e garras com foco na movimentação ágil ao longo do combate.
Como disse acima, o Ímpeto é uma peça central no combate. Temos uma barra com três níveis de Ímpeto e, quando preenchida, ela permite que o personagem use um golpe chamado de Pulverizar. Um golpe devastador capaz de eliminar inimigos enfraquecidos. Seguindo um pouco o DNA do estúdio, podemos focar em partes específicas dos inimigos, assim como acontecia em The Surge, para obter materiais extras. O problema é que em The Surge o sistema é incrivelmente engenhoso e o sistema de crafting do jogo funciona. Aqui é completamente o oposto. A progressão é extremamente básica e quase não existe variedade de inimigos.
Ao longo da aventura obtemos armaduras (que são melhoradas com Essência – recurso obtido ao matar inimigos) e as Pedras de Essência. As Pedras de Essência apresentam dois tipos: ativas, que são habilidades acionáveis e passivas, garantindo bônus interessantes. Surpreendentemente existe uma quantidade vasta de Pedras de Essência garantindo que cada jogador monte builds personalizadas. Ao melhorar as armaduras, conquistamos pontos de Vantagens que são basicamente perks passivos como aumentar o valor de venda dos artefatos.
A economia do jogo é bem rudimentar e só usamos os Tributos (moeda do jogo) pra comprar novos itens, materiais de crafting, ídolos e fragmentos de mapa. Os ídolos são basicamente a poção de cura do jogo e apresentam efeitos diversos. Não temos lutas contra chefes memoráveis aqui, tampouco lutas legais em geral. Muito pela câmera terrível que muitas vezes acaba focando mais o chão do que o personagem em si. O sistema de lock-on não funciona bem ao combater vários inimigos, tornando as lutas contra grupos bem frustrantes. A mobilidade e a verticalidade são pontos cruciais no combate, o que foge bastante da experiência prévia do estúdio. Essa falta de experiência pode ser percebida facilmente no jogo onde os defeitos citados acima prejudicam o gameplay.
Surpreendentemente, o estúdio pensou bastante no design das armaduras e na possibilidade de personalização das mesmas. Podemos alterar a cor de quatro partes da armadura, além de inserir cosméticos. O famoso transmog também está presente. Prato cheio pros fashionistas.
A Queda de Atlas
Tecnicamente falando, Atlas Fallen não impressiona, muito pelo contrário. Os visuais são datados, assim como a estrutura do jogo. As texturas lembram jogos do início da geração passada, o que dificulta entender por que esse jogo foi promovido como algo “next-gen”. Em alguns momentos também presenciei bugs visuais como os da imagem abaixo:
Ao longo da minha jogatina, tive leves quedas de frames no mapa final e vários crashes, principalmente em pontos chave da história. Vale destacar que a chave de review veio bem antes do lançamento e esses problemas podem ser facilmente resolvidos através do Patch Day One.
Dois pontos muito positivos são a trilha sonora, que lembra muito filmes épicos como Gladiador e os loadings quase inexistentes. O jogo chega a fazer um raro flerte com a vibração do controle via DualSense mas o recurso não fica tanto em evidência aqui.
Review de Atlas Fallen: Um passo na direção errada
Com Atlas Fallen, a Deck13 praticamente descartou toda a experiência e reputação prévia construída, entregando um jogo esquecível e datado. Não consigo nem falar que tem uma coisa ou outra no projeto que se salva e justifica uma sequência. Não posso negar que ele diverte em raros momentos, mas é impossível recomendar a compra no preço atual. Agora tudo que se pode fazer é torcer pra que o estúdio volte pras suas raízes e continue inovando, criando jogos condensados, parelhos com a tecnologia atual e que respeitam o consumidor.
Atlas Fallen representa um enorme passo na direção errada para a Deck13. O estúdio acabou optando por se afastar de sua expertise, entregando um jogo esquecível e que já chega defasado no mercado.
- Narrativa e Lore
- Gameplay
- Conteúdo Secundário
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos Sonoros)
- Desempenho