Desde a origem do gênero detetivesco, por meio das astutas deduções de August Dupin (dos excelentes contos de Edgar Allan Poe), passando pelas memoráveis aventuras de Sherlock Holmes (dos livros de Arthur Conan Doyle), as histórias de detetives tem fascinado leitores, espectadores, e jogadores que se propõem a explorar o gênero nas mais diversas mídias. Com Agatha Christie, não é diferente. A autora inglesa evoluiu e revolucionou o gênero dos romances policiais com narrativas impactantes e, como não poderia deixar de ser, suas obras foram adaptadas para o cinema, tetras e também para o universo dos videogames.
É assim que chegamos à série de jogos Agatha Christie – Hercule Poirot, que coloca os jogadores na pele do mais famoso detetive de Agatha Christie. Desenvolvido pelo estúdio Blazing Griffin, e publicado pela Microids, o primeiro jogo da série, The First Cases, tinha a proposta de apresentar um Hercule Poirot jovem e inexperiente, que precisava lidar com os primeiros casos de sua carreira. Sua sequência, The London Case, move a timeline do detetive adiante. Já com um certo renome, Poirot viaja a Londres para acompanhar a chegada de um famoso quadro ao Museu de Londres. As coisas se complicam quando o quadro é roubado durante a festa de inauguração.
Uma rede de fatos e argumentos
Na era analógica na qual o jogo se passa, não há qualquer ajuda tecnológica como vemos em séries policiais modernas. Assim sendo, resta à Poirot (e ao jogador) investigar cuidadosamente a cena do crime, interrogar todos os personagens presentes com o intuito de identificar os suspeitos e, por meio da lógica e de um mapa mental complexo e expansível, descobrir quem é o verdadeiro culpado por trás do desaparecimento do quadro.
Boa parte dessa investigação toma forma como um jogo ‘adventure’ bastante padrão. Com uma visão básica que segue um formato de câmera isométrica, você deve caminhar por cada um dos ambientes que possuam alguma relação com o caso, identificando pontos de interesse que podem (ou não) ajudar na sua investigação. Ao encontrar objetos ou áreas-chave, o jogo nos permite marcar detalhes que se transformam em pistas no nosso mapa mental.
Esse mapa mental é, sem sombras de dúvidas, a mecânica mais única e interessante de Agatha Christie – Hercule Poirot: The London Case. Ele funciona como uma rede, na qual ficam dispostos todos os fatos e informações que Poirot coletou até o momento. Dependendo das informações encontradas, um ícone de corrente aparece, mostrando ao jogador que é possível fazer uma dedução. Para isso, você deve abrir o mapa mental e conectar as informações corretas, que permitirão avançar a investigação.
Elementar, meu caro Hastings
Encontrar essas correlações não é tão fácil quanto parece, resultando em alguns momentos de repetição e tentativa-e-erro (o jogo, porém, não te penaliza pelo erro). Com o intuito de eliminar um pouco algumas dessas frustrações, e fazer com que a investigação flua de uma maneira mais natural, The London Case introduz um elemento que não estava presente no primeiro jogo: a ajuda do companheiro de aventuras Arthur Hastings.
Criando um tipo de dinâmica similar à que vemos com Sherlock Holmes e Watson, Hastings funciona como um tipo de ‘orelha’ durante as investigações. Após encontrar novas pistas ou ter alguma conversa reveladora com um dos suspeitos, você pode confabular com Hastings para identificar o melhor caminho a seguir dali em diante. É uma maneira interessante e pouco obtusa de ter um sistema de ajuda incorporado à experiência. Funciona bem, pois Hastings nunca te dará nenhuma resposta direta. No máximo, contribui com um direcionamento em relação a algum personagem com o qual você não conversou ainda, ou uma pista que você possa ter negligenciado.
A inclusão de Hastings se mostra ainda mais necessária quando você considera uma falha grave de The London Case. Em mais de um momento, a trama do jogo se desenvolve de algumas maneiras pouco lógicas. Parece até que os desenvolvedores se inspiraram nas ‘lógicas lunáticas’ que encontrávamos em adventures clássicos. A genialidade de Poirot não é o suficiente para justificar alguns saltos de lógica repentinos por parte do detetive. Também não ajuda o fato de que personagens mudam de lugar e/ou reagem a certos eventos de maneira aleatória.
Poderia se chamar ‘O Caso de Loading’
Em todo caso, esses pequenos problemas narrativos são ínfimos perto da maior falha de The London Case: esse é um título com inúmeros problemas técnicos. Enquanto a trilha sonora do jogo faz um ótimo trabalho de ambientar as investigações de Poirot, graficamente, o jogo deixa muito a desejar. Mesmo considerando as limitações do Nintendo Switch, cenários, personagens e animações estão muito aquém de outros títulos da plataforma. De maneira geral, há uma falta de polimento generalizada.
Em alguns ambientes, você consegue perceber claramente alguns stutterings (leves travamentos da tela), conforme seu personagem anda. Em cenas de diálogos, alguns personagens param de mover os lábios ao falar. Isso para não citar os loadings longos e frequentes — novamente, excessivos até para os padrões do Nintendo Switch. No terço final do jogo, isso se torna um problema real, pois você precisa se mover constantemente entre diversas áreas do jogo. Atravessar o museu torna-se um martírio, pois você precisa lidar com um loading demorado entre cada uma das alas do lugar.
Há falhas mesmo em um dos maiores pontos positivos do jogo: a localização. É excelente que um jogo com um grande foco narrativo como The London Case esteja totalmente legendado para o português. Infelizmente, essa tradução não é perfeita. Erros de concordância e traduções literais que não fazem sentido são apenas alguns dos problemas encontrados. É claro que uma tradução com erros ainda é melhor do que a falta de localização. Porém, essa é mais uma questão que se acumula com o resto de problemas do jogo.
Review de Agatha Christie – Hercule Poirot: The London Case: talvez no futuro
Existe um jogo de detetive bem bacana em The London Case. Infelizmente, no momento, ele está soterrado em diversos problemas que tiram muito o brilho da experiência. Talvez, em outras plataformas, o jogo seja um pouco mais palatável. Porém, existem algumas questões mais basilares, que vão muito além das limitações do Nintendo Switch. Como acontece cada vez mais frequentemente na indústria, há a possibilidade de que o time da Blazing Griffin continue trabalhando no jogo, arrumando alguns desses problemas por meio de pacotes de atualização. Até lá, fica um pouco difícil indicar Agatha Christie – Hercule Poirot: The London Case — exceto caso você seja um grande fã das obras de Agatha Christie e das aventuras de detetive de Poirot. Nesse caso (e possivelmente só nesse caso), você terá uma aventura inédita para descobrir.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Microids
Por baixo de todos os problemas técnicos e de performance, Agatha Christie - Hercule Poirot: The London Case apresenta uma história de detetive interessante, protagonizada por um dos maiores ícones da literatura do gênero. Infelizmente, além de mistérios, Poirot também precisa lidar com saltos ilógicos e loadings muito longos.
- Narrativa
- Gameplay
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos)
- Desempenho