A essa altura do campeonato, acho que não é exagero nenhum afirmar que 2023 está sendo um ano repleto de jogos incríveis. De AAA arrasa-quarteirões a jogos independentes com qualidade ímpar, a impressão é que toda semana está saindo algum título que vale muito a pena ser jogado. Estamos em um ritmo tão insano, que até mesmo experiências excepcionais parecem ficar soterradas na enxurrada de lançamentos, não recebendo os holofotes que merecem. Caso você não tenha ouvido falar ainda de Cocoon (ou caso não tenha colocado ele no seu radar de lançamentos), saiba que ele é um desses títulos que definitivamente merecem sua atenção.
Desenvolvido pela Geometric Interactive e publicado pela Annapurna Interactive (de grandes sucessos como Stray, Outer Wilds e What Remains of Edith Finch), a qualidade, inventividade e engenhosidade de Cocoon partem do pedigree de Jeppe Carlsen, ex-Playdead, que trabalhou como designer líder de jogabilidade dos grandes clássicos independentes LIMBO e INSIDE. Com um currículo desses, era de se esperar que Cocoon seria um título no mínimo muito interessante. Surpreendentemente, ele consegue superar essas expectativas — e muito mais!
Elegante e acessível
De modo geral, podemos classificar Cocoon como um jogo de quebra-cabeças e aventura. Pense algo na linha de Portal, The Witness ou The Talos Principle. Um jogo de aventura linear, no qual você precisa resolver uma série de puzzles com uma dificuldade ascendente, enquanto explora um mundo único e instigante. A principal diferença para esses exemplos está no fato de Cocoon utilizar um ponto de vista top-down em detrimento de uma câmera em primeira pessoa. E ao invés de portais ou lasers, a jogabilidade de Cocoon é focada em esferas.
Como você pode imaginar, as esferas de Cocoon são tudo menos esferas normais. Como o título implica, elas são na verdade ‘casulos’, porém de um tipo muito especial: são casulos que guardam mundos inteiros dentro de si. Por si só, esse é um conceito de ficção científica fantástico, capaz de oferecer implicações narrativas instigantes, além de mecânicas de gameplay bastante interessantes. A melhor parte, porém, está na maneira como Cocoon explora essa ideia em sua construção de mundo e design de puzzles.
Basicamente, você controla um ser que parece misturar características insetóides e mecânicas (uma dualidade que é explorada no decorrer do jogo). Por si só, seu leque de habilidades é bastante diminuto, sendo resumido em três características: 1) você consegue andar através dos cenários; 2) você é capaz de ativar alguns botões e mecanismos com suas asas; e 3) você pode segurar as esferas nas suas costas e carregá-las para outros lugares. Olhando assim, você pode imaginar que COCOON seja um jogo simples e um tanto quanto limitado, porém ele é o contrário disso. Em cima dessa base simples, COCOON vai adicionando novos elementos de uma maneira bastante elegante e acessível. Sem utilizar uma palavra sequer, ele te ensina mecânicas isoladas para eventualmente construir puzzles desafiadores e recompensadores.
Pensando com esferas
Assim como Portal exige que você pense com portais, Cocoon faz você pensar com esferas. E isso acontece de duas maneiras distintas. A primeira delas, está em como cada uma das esferas presentes no jogo oferecem ao nosso protagonista uma habilidade única. A esfera laranja, por exemplo, permite ativar pontes ocultas presentes em determinadas partes dos mapas. A verde, por sua vez, permite ativar ou desativar plataformas verticais. A cinza, possibilita que você atire projéteis, e assim por diante. Isoladamente, cada uma dessas mecânicas é explorada de maneira interessantes, ao ponto em que você consegue entender rapidamente qual esfera utilizar ao se aproximar dos quebra-cabeças mais avançados.
Essa é, contudo, apenas a pontinha do iceberg chamado COCOON. O que torna o jogo realmente interessante é a segunda maneira como você pode utilizar essas esferas. Como eu mencionei anteriormente, as esferas de COCOON são casulos que guardam mundos dentro de si, e não há nenhum exagero nessa descrição. Realmente existe um mundo único dentro de cada uma das esferas. Isso significa que, quando colocados em construções específicas que existem no universo do jogo, você pode literalmente entrar dentro desses mundos.
Além de fascinante conceitualmente, essa ação de entrar e sair das esferas também funciona como um deleite visual. É sempre impactante ver o seu protagonista pular para dentro de uma esfera e diminuir seu tamanho vertiginosamente. Comparando com um exemplo da cultura pop, imagine-se controlando o Homem-Formiga da Marvel enquanto ele assume um tamanho que é dezenas de milhares de vezes o seu. É algo incrível de se ver, e mais incrível ainda de se explorar mecanicamente.
Mundos dentro de mundos (dentro de mundos)
Por mais estranho que isso possa soar, parte do brilhantismo de COCOON está em como ele limita o jogador. O jogo não te permite, por exemplo, entrar e sair das esferas a qualquer momento. Para fazer isso, você deve interagir com construções, aparatos e mecanismos únicos, que estão presentes em partes específicas dos mapas que você explora. Muitas vezes, alcançar esses mecanismos faz parte do desafio, e você precisa utilizar as habilidades das esferas (e a habilidade de entrar nas esferas) de maneira criativa para conseguir progredir.
Toda vez que você descobre uma nova esfera e/ou se depara com uma nova habilidade, COCOON brilhantemente apresenta essas novas mecânicas isoladamente. A partir do momento em que você aprende a utilizar essas novas ideias em sua plenitude, o jogo então começa a combinar as mecânicas e criar um verdadeiro emaranhado multi-dimensional. Isso ocorre porque você não apenas consegue entrar dentro dos mundos presentes nas esferas, mas também consegue levar uma esfera para dentro da outra.
Pensar em como resolver esses quebra-cabeças é um desafio e tanto, mas é um desafio que nunca chega a ser frustrante. De modo geral, Cocoon é um desses jogos de puzzle que consegue atingir um balanço quase perfeito ao manter-se sempre desafiador, mas sem nunca criar barreiras muito grandes para o seu progresso. Mesmo em momentos avançados do jogo, nos quais você precisa combinar as mecânicas das esferas e colocar um mundo dentro do outro (dentro do outro [dentro do outro]), o jogo ainda consegue quebrar esses desafios maiores em pequenos passos, deixando sempre claro ao jogador o que ele precisa fazer para progredir.
Onírico e evocativo
Cocoon faz tudo isso por meio de uma direção de arte fantástica, que combina visuais de tirar o fôlego a uma trilha sonora ambiental e evocativa. Jogadores que buscam jogos com narrativas lineares e objetivas talvez se incomodem um pouco com a falta de contexto, já que o jogo trabalha muito mais com o não-dito do que com qualquer outra coisa. Porém, os universos apresentados por Cocoon são extremamente instigantes. Em um momento, você explora construções alienígenas altamente tecnológicas que foram soterradas por um pântano milenar. Em outro, você se depara com um tipo de colméia que parece misturar biotecnologia aos seus enxames. Isso, só para citar alguns exemplos.
Existe um senso de descoberta e maravilhamento constantes, que caminham lado-a-lado à impressão de que você está adentrando um ambiente hostil, no qual você não é bem-vindo. Nesse sentido, o jogo até mesmo possui algumas surpresas que eu não estava esperando de um jogo de puzzle como este, incluindo até mesmo batalhas épicas contra chefes gigantescos. Geralmente, quando jogos de puzzle tentam explorar momentos voltados mais à ação, os resultados acabam deixando a desejar, dando a impressão é que o jogo não foi feito para aquilo. Não é o caso de Cocoon.
De modo geral, esses chefes funcionam como extensões dos puzzles que você viu até então. São momentos mais voltados à ação, mas que ainda precisam ser resolvidos como um puzzle auto-contido. Eles seguem aquela filosofia de design típica dos jogos da Nintendo, na qual você precisa lidar com fases do chefe, até enfim conseguir afetar seu ponto-fraco, e funcionam surpreendentemente bem para quebrar o ritmo do jogo com algo diferente. A única exceção está em um chefe mais próximo ao final do jogo, que envolve muito timing. É o momento menos interessante do jogo, mas tão pontual, que não afeta a experiência como um todo.
Review de Cocoon — um dos melhores jogos do ano
Tirando essa pequena exceção, Cocoon é um jogo quase que perfeito. É um título muito elegante, que consegue explorar um conceito extremamente complexo e transformá-lo em mecânicas simples de entender e de explorar — mas com uma profundidade surpreendente. Durante as seis horas que eu levei para terminar o jogo, não teve um instante em que eu não estava maravilhado pelos visuais e ambientes que me eram apresentados.
Embora possa ser considerado curto para algumas pessoas, acredito que o jogo tem uma duração ideal. É um jogo que não se estende desnecessariamente. Pelo contrário, ele consegue apresentar todas as suas mecânicas sem uma única palavra, colocá-las em contextos paulatinamente mais complexos, até chegar ao ponto em que você se sente um mestre manipulador de múltiplas dimensões. Não há espaço para gordura, nem para digressões que não contribuam à experiência como um todo.
Mesmo em um ano abarrotado como 2023, Cocoon consegue se sobressair graças à soma de suas inúmeras qualidades. Caso você goste de jogos de puzzle como Portal ou The Witness, você precisa jogar Cocoon imediatamente. Caso você não goste de jogos de puzzle, mesmo assim acho que você deve dar uma chance à Cocoon. Você pode se surpreender.
PS: O review de Cocoon foi feito em um Switch através de uma cópia cedida pela Annapurna Interactive.
Mesmo em um ano abarrotado como 2023, COCOON se destaca como um dos melhores jogos de puzzle já feitos. Com visuais impressionantes e um conceito fantástico, é um jogo de quebra-cabeças e aventura que beira a perfeição.
- Ambientação
- Direção de arte
- Trilha sonora
- Jogabilidade
- Desempenho
- Design de puzzles