Em uma sociedade que mergulha cada vez mais em distrações, ser constante é um desafio enorme. Essa é uma das premissas de Terra Memoria, um RPG de turno desenvolvido pelo estúdio La Moutarde e publicado pela Dear Villagers.
Será que o projeto vale seu tempo e dinheiro? É isso que você vai descobrir nesse review de Terra Memoria!
A história
Quase como uma homenagem aos clássicos, a história de Terra Memoria envolve magias e cristais, evocando a memória afetiva do jogador em relação a uma outra franquia de fantasia.
A diferença aqui é que o jogo presta reverência aos clássicos mas se trata de uma proposta completamente moderna, que se posiciona como uma “aventura acolhedora”.
Apesar do mundo estar se acabando e cheio de crises e insatisfação popular, os diálogos entre os 6 membros do time são bem humorados e encorajadores. Por falar em personagens, temos um elenco vasto de e todos possuem uma identidade marcante e motivações próprias.
No mundo do jogo, os habitantes ficaram reféns do uso de cristais no dia a dia, usando a matéria-prima para energizar elevadores, fazer trens andarem e muito mais. Contudo, esses cristais começaram a se tornar escassos sem explicação e cabe ao grupo ir investigar o problema de abastecimento.
A história é cheia de reviravoltas e de momentos marcantes. O ritmo é bem dosado evitando que a narrativa se torne cansativa. Eu obtive a platina em 9 horas mas não conclui pelo menos 10 missões secundárias. Para um 100% total, acredito que o jogador vai levar cerca de 15 horas.
Minha maior surpresa com a narrativa de Terra Memoria é que o jogo faz diversas críticas subjetivas à sociedade atual. O desprezo pelos livros e conhecimento (no jogo eles ficam em locais chamados de Lixão), a burocracia e apatia dos governantes… o game tem diversas camadas que o tornam mais marcante.
Infelizmente, o primor está concentrado na campanha. Boa parte das missões secundárias são aquelas chamadas de fetch quests e, além de não acrescentarem muito no quesito narrativo, oferecem recompensas irrisórias que afastam o jogador delas. Faltou um pouco mais de cuidado nessa parte.
Um lado muito positivo é que todos os textos do jogo estão localizados em PT-BR e a tradução tem bastante identidade, refletindo bem o caráter jovial dos protagonistas.
Combate criativo
Como mencionei acima, Terra Memoria tem um combate engenhoso dividido por turnos. O combate foi construído com dois alicerces principais: a linha temporal e a defesa elemental.
Cada adversário possui um escudo elemental e o jogo indica quais são as fraquezas elementais dele. Se você usar um ataque de um elemento que ele não tenha fraqueza, você remove uma unidade de defesa. Caso use um ataque de elemento que ele seja fraco, dois pontos de defesa são removidos. Um elemento curioso é que os personagens não possuem uma barra de mana ou stamina. Temos que nos preocupar apenas com a nossa vida e, claro, na estratégia para destruir a vez do inimigo atacar.
A mecânica é importante pois quando você destrói o escudo elemental, o oponente é jogado pra trás da linha temporal, ou seja, ele fica mais rodadas sem jogar. O segredo para o sucesso no game é esse, quebrar as defesas inimigas e impedir que eles joguem nas rodadas. Lembra bastante o sistema de travas do recente Sea of Stars. Um diferencial de Terra Memoria é que o jogo conta com 6 personagens, sendo 3 de ataque e 3 de suporte. Cada personagem de suporte possui um efeito diferente. Uma das personagens é capaz de alterar o elemento do ataque. Já outro modifica a natureza. As magias de ataque viram de suporte e vice-versa.
No geral, a dificuldade é bem tranquila e não exige muito grind. Contudo, da metade pro final do game, a curva de dificuldade aumenta de um jeito bem perceptível. E é aí que uma mecânica irreverente do jogo entra em ação. A culinária é um componente fundamental em Terra Memoria. Cada refeição preparada aumenta, de maneira permanente, os pontos de vida de todos os membros da equipe. Em suma, caso não queira passar muito estresse nos chefes finais, é praticamente obrigatório aumentar seu HP através do sistema.
Por conta da baixa variedade de inimigos, tive uma enorme sensação de repetição nas 9 horas que fiquei desbravando o mundo de Terra Memoria. Por ser um jogo mais compacto, esse ponto negativo acaba não tendo tanto impacto, mas é algo que chega a incomodar. Os chefes apresentam um bom design artístico mas as lutas não são nada marcantes com exceção do penúltimo boss, o que é uma pena.
Por apostar numa proposta mais simples, o jogo flerta com um sistema de builds mas não é nada complexo. Cada personagem aprende dois tipos de habilidades para cada slot mas só podemos equipar uma para usar em batalha. Escolher entre magias de ataque ou cura é providencial para o sucesso.
Outro ponto é que existe uma tentativa de permitir a confecção de builds através dos broches, que servem como armaduras, mas é um sistema bem superficial. Cada personagem pode equipar 3 broches e eles apresentam efeitos diferentes como aumentar a velocidade, poder ou amplificar algum dano elemental como fogo.
O mundo de Terra Memoria
Por ser um jogo compacto, a exploração de Terra Memoria é direta ao ponto. O mapa é praticamente linear mas apresenta intersecções que presenteiam o jogador com baús ou puzzles que desbloqueiam magias novas para os personagens.
Em cada área nova que chegamos, encontramos uma página de Guia do mundo, indicando quais atividades podemos fazer no local. Existem mapas cheios de segredos. Em um deles por exemplo, podemos procurar por uma espécie de divindade da floresta e, caso encontremos ela, somos agraciados com uma boa quantia de ouro. Para facilitar a exploração, o game conta com um sistema de viagem rápida através de estações de trens que são habilitadas no meio da campanha.
Uma coisa que Terra Memoria faz bem é que não segura tanto na mão do jogador em relação às suas missões secundárias. Temos que de fato conversar com TODOS os personagens em uma cidade para obter novas missões e descobrir informações relacionadas à essas quests. O problema das missões secundárias é que boa parte delas não concedem recompensas boas o suficiente.
É melhor investir o tempo grindando XP e obtendo itens para fabricar broches e vender para obter mais dinheiro. Faltou uma sensibilidade maior da equipe em relação a isso.
Mesmo sendo compacto, é incrível ver que o estúdio também pensou em mecanismos que incentivam a exploração e a imersão no mundo do game.
Mas não se assuste ou se acanhe com isso. Terra Memoria é um jogo muito democrático. Em diversas missões da campanha, percorremos um trecho guiado e no final dele, podemos conversar com um NPC que nos leva de volta para a porta. Esses atalhos e facilidades acontecem constantemente, reforçando a proposta do estúdio em criar uma “aventura acolhedora”.
O jogo abraça com louvor sua própria natureza e escopo e não tenta ser o que ele não é. Isso o torna ainda mais especial. Pra quem gosta de gastar horas construindo e enfeitando bases, Terra Memoria conta com um hub completamente customizável e centenas de opções de decoração, permitindo que cada jogador deixe a base do jeito que quiser. Vale destacar que isso é completamente opcional!
A parte técnica
Estamos falando de um jogo em pixel art para a geração atual de consoles, logo, o desempenho é perfeito. No PS5, o jogo pesa apenas 1 GB e não tive nenhum bug ou quedas de frames.
A direção de arte é primorosa e os efeitos das magias estão espetaculares. O design dos personagens, inimigos comuns e cidades refletem bem o tremendo carinho que a Le Moutarde tem em relação ao projeto. Só senti que os chefes poderiam ser um pouco mais caprichados.
A trilha sonora é ótima mas, por falta de variedade de tons e melodias, acaba se tornando repetitiva após as primeiras horas de jogatina. O jogo também não usa o DualSense para impulsionar a experiência sensorial, o que é compreensível visto que se trata de um projeto mais compacto e de orçamento menor.
Um elemento que me surpreendeu muito positivamente foi ao tratamento dado para a culinária. As receitas, quando prontas, são exibidas quase que de maneira idêntica à realidade, numa técnica similar ao que vemos em Dragon’s Dogma 2. O estúdio inseriu referências até ao Guia Michelin chamado no game de Guia Chinelin.
Review de Terra Memoria: Vale a Pena!
Terra Memoria cumpre com êxito sua promessa. Ele de fato é uma aventura acolhedora dentro do gênero RPG. O game conta uma boa história com um ótimo elenco de personagens, afastando-se de burocracias desnecessárias e com uma duração compacta, podendo ser um excelente aperitivo entre AAAs. Após Sea of Stars, é maravilhoso ver um bom RPG com um pé no mundo retrô e outro pé na modernidade.
Respeitando os clássicos, Terra Memoria revitaliza os RPGs de turnos, entregando uma história cheia de lições valiosas, personagens cativantes e uma paixão tremenda pela culinária!
- Narrativa e Lore
- Jogabilidade
- Conteúdo Secundário
- Visuais
- Desempenho
- Som