Eu poderia ter colocado uma manchete bem diferente nesse texto: “Vendas do PS5 estão caindo, é o fim do mercado de consoles?” mas seria agir de má fé e interpretar dados de maneira errônea.
Por conta disso, resolvi fazer um texto diferente. Escrevi a minha análise dos resultados fiscais da PlayStation, mais especificamente, do resultado do FY 23.
PS: FY significa Fiscal Year, ano fiscal em inglês.
As vendas do PS5
Sim, as vendas do PlayStation 5 caíram quando olhamos isoladamente os trimestres. No Q3 23 foram enviados 8,2 milhões de PS5 para às lojas. No Q4 23 esse número despencou para 4,5 milhões. Confira alguns dados para comparação:
- Vendas totais de consoles: Ano Fiscal 22 – 19,1 milhões | Ano Fiscal 23 – 20,8 milhões
- Vendas de consoles por trimestre – Q4 22: 6,3 milhões | Q4 23 – 4,5 milhões
Podemos notar uma queda considerável no mesmo período em relação ao ano anterior mas temos dois grandes fatores que explicam isso:
O primeiro e mais óbvio – maturação do mercado. Todo produto tem seu ciclo de vida e, quanto mais “velho” o produto fica, menor a quantidade de unidades vendidas. Todas as duas companhias de console de mesa – PlayStation e Xbox – já afirmaram que os consoles já encontram-se na fase de maturação. Para sanar isso, geralmente as empresas lançam atualizações de hardware como o PS5 Pro. A chegada de um novo hardware ajuda a reaquecer as vendas.
O segundo ponto é o que podemos chamar de atratividade. As vendas de consoles são impulsionadas pelo interesse em grandes jogos e, no período em questão, não tivemos o lançamento de nada expressivo o suficiente para causar um acréscimo nas vendas. Isso com certeza vai mudar no próximo ano fiscal.
No campo dos first parties, a PlayStation já falou que o Ano Fiscal 25 será acompanhado por grandes exclusivos. Entre os palpites mais prováveis temos Wolverine, Ghost of Tsushima 2 e Death Stranding 2. Esses três títulos por si só vão ajudar a alavancar o interesse pela plataforma.
Como se já não bastasse, um colosso chamado GTA 6 está no horizonte e deve chegar no segundo semestre de 2025, o que certamente também deve impulsionar a venda de todos os consoles que receberem o game.
Sobrevivendo à um ano “ruim”
O problema é que até o próximo ano fiscal chegar, a PlayStation precisa “sobreviver” ao FY24. Atualmente, a companhia tem usado seus relacionamentos para impulsionar as vendas. O exemplo mais recente disso é Stellar Blade. O sucesso estrondoso de Helldivers 2 também ajuda a estancar os danos.
Olhando para o horizonte, a chegada de grandes títulos como Star Wars Outlaws, Assassin’s Creed Shadows, a expansão de Elden Ring, um dos Call of Duties mais aguardados de todos os tempos e um possível Dragon Age devem ajudar a PlayStation a não ter um ano fiscal deprimente.
Dados sobre as vendas de jogos:
- Ano Fiscal 22: 264,2 milhões de jogos vendidos (desse número, 43,5 milhões foram de first parties)
- Ano Fiscal 23: 286,4 milhões de jogos vendidos (desse número, 39,7 milhões foram first parties)
Um dos maiores desafios da companhia atualmente é aumentar sua lucratividade. Mesmo com a receita atingindo altas históricas por conta do volume gigantesco de vendas, o lucro líquido da companhia está baixo em virtude dos custos altíssimos, resultado de dezenas de aquisições.
Para diminuir o impacto disso, a empresa tem se apoiado na receita gerada pelo serviço – PS Plus – e tem incentivado a compra de jogos digitais através de promoções agressivas e constantes na PS Store. Inclusive este último surtiu um efeito. 70% dos jogos comprados no ano fiscal 23 foram digitais, um aumento de 3% em relação ao período anterior.
Dados sobre usuários ativos mensais no ecossistema PlayStation:
- Ano Fiscal 22: 108 milhões (Q4 FY 22)
- Ano Fiscal 23: 118 milhões (Q4 FY 23)
Os jogos digitais oferecem margens maiores para as donas das lojas, estratégia crucial para aumentar o lucro líquido no final do ano. Outro ponto que a companhia tem buscado é o de trazer games gratuitos com alta capacidade para vender addons – pense nos V Bucks de Fortnite.
The First Descendant é uma das apostas da PlayStation para o PS5 e não deve demorar muito tempo para que Palworld finalmente desembarque no lado “azul” da força. Recentemente Sea of Thieves chegou na plataforma e tem feito muito sucesso.
A empresa tem usado a PS Plus para entregar crescimento nesse sentido. Na PS Plus Essential de Maio por exemplo os jogadores foram agraciados com EA Sports FC 24. Ofertar o jogo no serviço atrai novos assinantes e gera uma receita expressiva no longo prazo com a venda de FIFA Points (lembre-se que a PS Store quase sempre fica com 30% do valor da venda de qualquer item da loja).
Mais do que um console
Outro ponto já percebido pelos executivos da marca é que a PlayStation precisava ser muito mais do que uma “máquina de jogar” caso ela quisesse durar mais tempo no mercado.
A iniciativa PlayStation Productions tem dado muito certo e diversas IPs – como The Last of Us, Uncharted e até Twisted Metal – foram reforçadas no imaginário dos consumidores.
A PlayStation sempre foi muito forte em branding e agora busca capitalizar essa expertise para gerar novas fontes de renda. Filmes, séries, animes e expansão para o PC, PlayStation agora é um sinônimo de entretenimento e não mais uma “caixa” que roda games.
Não somente isso, os executivos apontaram como vital crescer a base de usuários para além do console. Isso indica que não deve demorar para vermos exclusivos chegando no Nintendo Switch 2 e Xbox Series. A companhia já adotou uma postura mais agressiva no que diz respeito ao PC e o próximo passo é se aproximar mais dos “concorrentes”.
Mas, como citei, a marca é forte em branding, logo, não penso que existe motivos para preocupação. A inserção de exclusivos em outras plataformas deve acontecer de maneira ordenada e estratégica. O objetivo é crescer a PlayStation Network para além do PlayStation 4 e 5, logo, o foco deve ser transportar os games onlines e não os títulos narrativos.
Uma das estratégias que a companhia vai usar é exigir que os usuários do PC/Steam linkem sua conta da PSN, trazendo uma sinergia de troféus e convergindo a comunidade como um todo.
A importância dos GaaS
Milhões de fãs da PlayStation gritaram aos quatro ventos que ninguém queria mais GaaS. Que a iniciativa era loucura e que iria dar errado. Ironicamente, o primeiro projeto dessa iniciativa foi Helldivers 2, jogo que acabou vendendo 12 milhões de unidades em 12 semanas. Para comparação, God of War Ragnarok vendeu 11 milhões em 10 semanas.
O projeto da Arrowhead mostra que ainda existe MUITO apetite por live services mas não essas “colagens” de mal gosto que apresentam por aí. Um projeto com alma, com monetização justa e gameplay divertido tem muitas chances de dar certo.
O maior desafio da PlayStation agora é fazer o raio cair duas vezes no mesmo lugar. O próximo “tiro” da companhia deve ser Concord, um shooter que segue uma proposta bem diferente de Helldivers. Caso o jogo replique um sucesso similar ao de Helldivers 2, ele vai gerar uma ótima receita recorrente que vai aproximar a PlayStation de seu objetivo de se tornar mais lucrativa no longo prazo.
O futuro é promissor e não um caos como apontam
Ao abrir diversos sites de games e o Twitter/X, você vai acabar sendo bombardeado de várias informações sem sentido como: a indústria de consoles está morrendo, a geração está uma merda e sem jogos e por aí vai.
Com um mínimo de entendimento e, bom, observação e comparação, é nítido que essas afirmações não fazem o menor sentido. Todo mercado é composto por ciclos de alta e ciclos de baixa. Mesmo que tudo pareça estar ruindo, as companhias ainda estão gerando bilhões e bilhões de dólares anualmente e as principais IPs continuam recebendo jogos.
Pegando 2024 por exemplo. Muitos “gamers” afirmam que é um ano fraco mas teremos um novo EA Sports FC, Call of Duty, Assassin’s Creed, Star Wars, expansão de Elden Ring e tudo indica que até um Dragon Age inédito será lançado. Até no campo dos indies temos visto grandes nomes como Hades 2, V Rising, o sucesso estrondoso de Manor Lords e o extremamente aguardado Silksong também deve chegar no segundo semestre.
Ao olhar para 2025, temos GTA 6, um possível Kingdom Hearts 4, Ghost of Tsushima 2, Wolverine, Death Stranding 2, um novo Battlefield, a chegada de um novo Switch e sabe-se mais o que nos aguarda.
Pode-se argumentar que a indústria de consoles esteja estagnada, afinal, foram vários anos de muito crescimento em sequência e a pandemia causou um boost sem precedentes no setor, logo, é normal que o setor acabe encontrando “freios” em seu caminho nesse momento.
No geral, a chegada do PS5 Pro, Nintendo Switch 2 e GTA 6 devem ser o suficiente para reabastecer o combustível e incendiar o hype – e as vendas – novamente.
2 Comentários
Ótimo post, Ruan!
Como sempre, as análises financeiras são sempre muito bem feitas nas suas mãos.
Digo que a RepublicaDG vem há um tempo sendo uma ótima referência de notícias e análises de games na minha rotina.
Grande abraço!
Muito obrigado pelas palavras Bruno! São feedbacks como esse que nos impulsiona a seguir firme nessa caminhada. Abraço