Faz uns dias que eu tenho pensado na Square Enix. A publisher japonesa é lar de diversas franquias que me moldaram como jogador. Final Fantasy, Kingdom Hearts, Star Ocean, Dragon Quest, Mana…
Por ser um fã de carteirinha, é triste ver o buraco profundo que a Square cavou pra si mesma. Fruto de uma má gestão, que era completamente permissiva, a Square passou bastante tempo sendo uma “empresa de amigos”.
Vendo de fora, parece que bastava ser amigo das pessoas certas na companhia para que sua ideia tivesse aprovação, mesmo sem nenhuma chance de gerar lucro e/ou agradar a comunidade. O resultado disso acabou sendo flops garantidos que, apesar de alguns serem conceitualmente bons, acabaram pecando na execução, queimando todo o dinheiro investido.
Uma sucessão de erros
Ao meu ver, o primeiro grande erro da Square Enix foi permitir que praticamente qualquer projeto sugerido fosse para produção.
Essa filosofia acabou gerando uma série de desastres como Babylon’s Fall, Foamstars, Valkyrie Elysium, Forspoken, Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin e tantos outros títulos.
Nosso trabalho é literalmente cobrir a indústria e até pra gente é difícil acompanhar tudo que a Square lançou de 2017 pra cá, imagina um consumidor comum que não está tão antenado.
Os dois maiores fracassos, ao menos em termos midiáticos, foram Marvel’s Avengers e Forspoken. Dois jogos que, conceitualmente falando, soavam bem no papel, mas, graças à uma execução falha e desconexa com o público, acabaram gerando prejuízos massivos.
No caso do jogo dos Vingadores, a Square Enix ficou tão desgostosa que acabou vendendo sua operação no Ocidente para a Embracer Group. Essa medida provavelmente foi tomada visando facilitar uma aquisição e é bem comum em M&As.
O segundo grande erro da companhia foi ter queimado bilhões de dólares nesses projetos sem futuro e não ter investido em tecnologia. Boa parte dos projetos citados acima lembram títulos do PS3.
Mesmo que a parte visual possa ser debatida, a filosofia de game design desses jogos seguem à risca projetos de 2010, o que gerou e gera bastante revolta nos gamers. Não dá pra pagar U$60-U$70 em um jogo que já lança com uma roupagem técnica de 5-6 anos atrás.
Mas nem tudo foi um erro. Preciso elogiar a postura da empresa de, mesmo insistindo em projetos ruins, permitir que os fãs testassem eles antes do lançamento. Quase todos os títulos recentes receberam uma demonstração e isso é um passo importante para estabelecer confiança.
Então, recapitulando, temos o primeiro erro: aprovar muitos projetos. O segundo erro: queimar dinheiro e não investir em tecnologia. Agora o terceiro e penúltimo erro, relacionado ao primeiro: querer abraçar o mundo.
Menos é mais
A Square Enix é praticamente um sinônimo de bons RPGs. E bons é até um eufemismo. Muitos dos melhores exemplares do gênero foram publicados pela companhia. Mas com o passar dos anos, a empresa adotou uma postura de desespero, apostando em vários gêneros fora da sua alçada.
Cardgames, GaaS de hack’n slash, GaaS de arena, Soulslikes… até sua franquia principal, Final Fantasy, abriu mão de diversos componentes que estabeleciam sua identidade pra ficar mais voltada para a ação. O resultado foi que Final Fantasy 16 não atingiu as expectativas de vendas.
E o problema não é só de gênero. Após múltiplos anos fiscais ruins, é óbvio que a empresa deveria reduzir seus custos e, uma forma de fazer isso, é segurar um pouco as alças no desenvolvimento de seus jogos.
Final Fantasy 16 não precisava durar 60-70 horas. Final Fantasy 7 Rebirth não precisava durar 130-150 horas pro 100%. Dá pra entregar obras épicas mas bem mais compactas e condizentes com o mercado atual.
Os jogadores atuais não cresceram na era de ouro dos JRPGs e estão acostumados com jogos narrativos cinematográficos de 30 horas. Essa desconexão tremenda da Square Enix com o público que ela busca atingir precisa ser corrigida o quanto antes.
Todos os ovos em uma única cesta
O quarto e último problema que eu enxergo na Square Enix é apostar todas suas fichas em um único lugar. Diferente de outras companhias do segmento, a empresa busca seu lugar ao céu somente com vendas diretas e isso é praticamente ficar parado esperando a morte.
Final Fantasy é uma IP fortíssima, por que não levar ela pro espaço de filmes e séries? Star Ocean a mesma coisa, ainda mais com o gênero sci-fi em alta.
A grande sorte da Square é que Final Fantasy 14 continua bombando e gera uma receita recorrente formidável, caso contrário, a situação estaria pior. Mas já está mais do que nítido que a companhia precisa emplacar outro GaaS.
Até a filosofia de investimento em jogos está problemática. Nos moldes atuais, a Square só despeja a grana em Final Fantasy e outras franquias promissoras – como Star Ocean e Dragon Quest – acabam recebendo um orçamento menor e não atingem o status de mainstream no Ocidente.
Recapitulando os quatro erros:
• Não selecionar melhor os jogos a serem desenvolvidos
• Não investir em tecnologia e aprimoramento de engines
• Não ter foco nos investimentos, apostando em praticamente toda e qualquer trend
• Não diversificar suas fontes de receita
Qual a saída?
O primeiro passo, que eles já adotaram, é diminuir a pipeline. Não adianta desenvolver 20-30 jogos, sendo que 29 são ruins e ninguém vai querer jogar. Ciente disso, o novo chefão da marca já cancelou vários projetos e disse que o foco agora é qualidade.
Mas diminuir a pipeline é apenas o primeiro caminho pra reestruturar a filosofia de desenvolvimento de produto da empresa. É necessário um investimento massivo em tecnologia, permitindo que os jogos saiam com uma roupagem moderna. E isso daqui nem significa necessariamente visuais realistas, mas sim novas mecânicas de jogabilidade.
Com a pipeline reduzida e novas tecnologias sendo implementadas, a Square deve focar no que faz de melhor: RPGs atemporais. É necessário escutar mais as comunidades e entregar o que elas almejam na medida do possível.
Um novo Final Fantasy da linha principal que seja de fato um RPG, remakes robustos de projetos amados como Chrono Cross, um Star Ocean com orçamento de AAA e escopo ambicioso. Com suas principais franquias em movimento, basta explorar elas fora do espaço de games.
Quem não gostaria de ver uma série sobre o grupo Avalanche? Um filme focado em Vincent? Uma série de Star Ocean nos moldes de Star Trek?
O futuro
Muitos debatiam e pediam para que a Square Enix se tornasse uma publisher multiplataforma e, bom, a partir de agora esse desejo será atendido.
Eu particularmente acredito que ter alguns de seus jogos em parceria com a PlayStation não era um problema. Pelo contrário, foi um fator que ajudou o rombo a não ser maior, visto que a PlayStation ajudou à financiar certos projetos.
Não tem milagre que salve um produto ruim e, lançar pra 10 mil pessoas ou pra 1 milhão não vai fazer muita diferença. Entre os passos já tomados pela companhia, sinto que a nova liderança pode reverter a situação.
Segundo os rumores e alguns dados oficiais, esses são alguns dos projetos em andamento na empresa:
• Visions of Mana (já anunciado)
• Kingdom Hearts 4 (já anunciado)
• Dragon Quest 12 (já anunciado)
• Final Fantasy 7: Parte 3 (já anunciado)
• Final Fantasy 9 Remake (rumor)
• Final Fantasy Tactics Remastered (rumor)
O pipeline é promissor e condiz com o DNA da Square Enix. Kingdom Hearts 4 tem tudo para ser um produto de grande sucesso comercial, levando ao começo da recuperação. O anterior vendeu quase 7 milhões de unidades em 4 anos. Por envolver as IPs da Disney, uma nova entrada na franquia pode trazer milhões de novos jogadores para o universo da Square Enix.
1 comentário
Realmente é triste ver como a Square está atualmente, mas tudo é fruto de uma direção errática, como o artigo descreveu.
Hoje a Square se resume a Final Fantasies (Que são muito bons e adoro), mas mesmo assim fez muitos jogos ruins e esquecíveis.
Acredito que a lista dos próximos lançamentos pode mesmo reforçar a companhia, até porque faz um bom tempo que a Square não faz um RPG (que seja RPG mesmo!) de respeito.