Quando Nobody Wants To Die foi anunciado, eu quase soltei fogos. Fã da temática noir e, provavelmente assim como você que está lendo – órfão de L.A Noire.
Todos os materiais promocionais do jogo entregavam o que parecia ser uma obra bem robusta, com visuais de saltar os olhos e uma história de altíssima qualidade.
Resumindo, minhas expectativas estavam bem altas. Mal sabia eu que o estúdio Critical Hit Games, juntamente da Plaion, iria superar todas as minhas expectativas. Minha experiência foi sublime e eu te explicarei em detalhes nesse review de Nobody Wants To Die.
A tecnologia como o Santo Graal
Para um pouco de contextualização, Nobody Wants to Die se passa numa Terra futurista onde os seres humanos – ou parte deles – vivem pra sempre.
Como? Eles trocam de cascas (os corpos) e transferem sua consciência/alma para o novo recipiente usando uma tecnologia chamada de Icorita.
Esse conceito não é original e já vimos isso em outras obras sci-fi, mas o charme de Nobody Wants to Die está presente nos degraus a mais que o estúdio construiu pra entregar uma atmosfera única, com uma lore altamente imersiva.
O estúdio é localizado em Breslávia, na Polônia e podemos ver o quanto a cultura e os problemas do país serviram como fonte de inspiração para os desenvolvedores. A descrença e o cinismo de James, o protagonista, com o próprio sistema que ele trabalha e defende é notável.
Por não ser um jogo longo, a equipe conseguiu amarrar diversos detalhes da lore, entregando pedaços de histórias das construções, das instituições e até da legislação soberana no universo do jogo.
Todo e qualquer cidadão é obrigado a ter uma assinatura corporal assim que completar 21 anos. Ao trocar de casca, você precisa pagar por ela e, caso sua dívida não seja paga, seu corpo é leiloado.
As leis são implacáveis, assim como o abuso e corrupção dos ricos. Como o preço dos corpos de classe C e D sobem constantemente, podemos avistar vários extratos sociais que sofrem com a desigualdade.
Nobody Wants to Die é um jogo ácido, mas sua acidez é inteligente. Tudo bem que poloneses escreveram o roteiro como uma forma de reação às suas próprias vidas, mas ele é facilmente aplicável ao contexto atual do Brasil.
Somos meras marionetes nas mãos das pessoas que detém o poder. A construção do universo foi feita de maneira tão impecável pelo estúdio que chega dá gosto interagir com todos os documentos espalhados pelo cenário.
A qualidade do texto é altíssima e cada objeto cumpre bem seu papel de imersão.
Uma missão digna de Homero
Nobody Wants to Die é protagonizado por James, um detetive atormentado pela perda de sua esposa e pelo processo de dessincronização (quando a mente não se adapta bem ao novo corpo).
Logo no início da trama, podemos observar que James sofre várias dores em um episódio psicótico e isso é explicado gradativamente ao longo da história.
Afastado da polícia após um acidente, James acaba assumindo um novo caso com uma parceira que não confia nele – Sara. A relação entre ambos e o desenvolvimento da mesma é um dos pontos altos do jogo.
O ponto de partida da história é o assassinato de um figurão da política que praticamente manda e desmanda na cidade. Não irei detalhar os eventos, afinal, se trata de um jogo narrativo, mas a história é muito bem escrita e mantém o jogador engajado até o final. E, sim, é uma obra noir, logo, os plottwists existem.
Na medida que vamos desvendando o que se passa na cidade, podemos ver o quanto a garra da corrupção é implacável e os desenvolvedores usaram isso como um veículo para gerar reflexões no jogador. Mas, para a minha feliz surpresa, as discussões que Nobody Wants to Die se propõe a fazer não residem apenas no espectro moral.
As ambições pessoais, a perda de alguém que amamos, a necessidade de seguir em frente mesmo sob condições brutais. Os seres humanos foram feitos para serem finitos e, de maneira engenhosa, o estúdio flerta com a ideia de como seria o mundo se isso mudasse.
Para alguns, a duração de 5-6 horas vai ser considerada como curta, mas, ao meu ver, o título tem uma duração perfeita, muito bem balanceada, conseguindo capturar a atenção do jogador e afastar a sensação de repetitividade que ele teria se fosse mais longo.
Inspetor Bugiganga
Nobody Wants to Die é um jogo completamente focado na narrativa e tem vários elementos cinematográficos, portanto, podemos dizer que ele é bem “light” no que se trata de gameplay.
Ao longo da história, investigamos 3 cenas de crimes com vários aparatos visando a reconstrução dos eventos e a coleta das pistas.
O cuidado enorme do estúdio com o jogo pode ser visto nesses aparatos. Ao acionar cada um deles, como o Reconstrutor, uma animação muito bem feita surge na tela, dando um ar de realismo aos objetos.
Além do Reconstrutor, temos a tradicional câmera e uma espécie de lâmpada de luz UV que ajuda James a encontrar vestígios. Após cada caso, precisamos ligar as pistas para formar hipóteses e achar a solução.
O processo é bem intuitivo e os casos são inteligentes e muito bem interligados, dando uma sensação de continuidade na história. O sistema é simples e não chega a ter o mesmo grau de complexidade do que outros jogos similares, mas isso é apoiado pela proposta do game. A ideia é oferecer uma experiência cinematográfica e o estúdio entrega isso com louvor!
Nobody Wants to Die não chega a ser um walking simulator mas não espere altos níveis de interatividade dele. É um jogo de investigação linear em primeira pessoa.
AAAs, aprendam!
Nobody Wants to Die não fica devendo nada para produções AAAs com orçamentos gigantescos. Os visuais estão fantásticos, passando uma sensação de realismo e ajudando na imersão.
A qualidade do roteiro e consequentemente dos diálogos é altíssima, acompanhado de atuações excelentes que concedem um ar rebuscado aos personagens, dando a eles várias camadas de complexidade. Phillip Sacramento, responsável por dar vida a James e Keaton Tamadge, atriz de voz de Sara, dão um show! Não poderia deixar de mencionar Jonny Loquasto, que, apenas com sua voz, consegue imprimir uma presença marcante no papel do serial killer.
Os cenários, a estética das construções, dos carros e dos equipamentos da polícia, cada canto de Nobody Wants to Die entrega um trabalho gigantesco de pesquisa sobre a temática e, claro, destaca o quanto o estúdio é criativo e talentoso.
Nobody Wants to Die: Vale muito a pena!
Nobody Wants to Die é a maior surpresa positiva de 2024 e dificilmente ele vai perder esse posto. Eu me esforcei bastante para encontrar aspectos negativos do jogo mas eles simplesmente não existem. É uma obra perfeita dentro de sua proposta.
O roteiro é engenhoso e não deixa praticamente nenhuma brecha após a conclusão da história. O mundo esculpido pelo estúdio ajuda a tornar a identidade dos personagens mais complexa, com multicamadas, fugindo das personificações caricatas que marcam as obras noir.
Com Nobody Wants to Die, a mensagem é clara: a Polônia está se tornando um destaque global na produção de histórias memoráveis e de experiências audiovisuais atemporais.
Se você gosta da temática, deixo minha recomendação máxima. Nobody Wants to Die dificilmente vai te decepcionar.
Nobody Wants to Die é um jogo engenhoso que injeta criatividade e identidade em uma indústria que desesperadamente precisa de ambos.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Visuais
- Som
- Desempenho