Imagine que em um dia qualquer, você acaba morrendo. De repente, você acorda, sua vida está de volta. Só que as coisas mudaram. Você está conectado a outras seis pessoas, todas entrelaçadas pelo destino.
Essa é a exata proposta de Deathbound, que, na tradução livre, indica a premissa – unidos pela morte. O jogo se trata de um soulslike brasileiro desenvolvido pelo Trialforge Studio e publicado pela Tate Multimedia.
Essa premissa única, que reúne 7 personagens jogáveis, é o principal diferencial de Deathbound. O jogo se autoentitula como o primeiro “partysouls” da história. Se aconchegue e vem descobrir se o game vale a pena nesse review de Deathbound!
Explicando Deathbound
Diferente de boa parte de seus “irmãos”, Deathbound é um soulslike que tem uma forte veia narrativa. A história é explicada através de cutscenes, colecionáveis chamados de Ecos e por meio de diálogos entre as Essências.
A qualidade do roteiro é excelente e a história reserva bons plot twists que me deixaram maravilhado com a conclusão da trama. O jogo tem dois finais e ambos não deixam pontas soltas. Ao todo, levei 18 horas para platinar o jogo, zerando duas vezes. Uma duração satisfatória para um AA.
Um ponto importante é que a identidade brasileira do estúdio está presente através do elenco de personagens. Apesar do jogo se passar em um universo fictício, podemos ver claramente que existe um povo inspirado nos europeus e outro que faz alusão aos africanos.
Tratando-se da lore, o estúdio conseguiu mesclar bem o conflito entre nobreza e clero, entregando um mundo bem imersivo. Essa disputa remonta a milênios, onde duas Deusas, irmãs, acabaram alterando o curso do destino e dando origem ao que conhecemos por humanidade.
Com o passar dos anos, duas facções se formaram: o Culto à Vida e a Igreja da Morte. Essa dualidade de ideias explora um dos temas mais recorrentes do entretenimento: a imortalidade. Mas em Deathbound, a temática é abordada de maneira crua e visceral.
Os Essenciamantes, manipuladores da Essência que buscam replicar a imortalidade, não medem esforços para conquistar seus objetivos e, através de flashbacks, chamados no jogo de Ecos, podemos entender melhor a motivação deles.
Um elemento louvável é que não existe certo ou errado. Cada lado atua em uma zona “cinzenta” de interesses e cabe ao jogador decidir com qual “justificativa” ele se identifica mais.
Outro aspecto digno de nota é que a história de Deathbound é direta ao ponto na medida certa. Temos cutscenes e diálogos que deixam claro o objetivo da campanha, mas temos várias informações espalhadas na descrição de itens, colecionáveis e documentos que enriquecem a experiência.
O primeiro partysouls
Inovar em um soulslike nos dias atuais é uma missão quase impossível, mas o Trialforge Studio conseguiu isso com louvor.
Apesar de seguir a estrutura imortalizada pela FromSoftware, temos vários sistemas completamente inéditos que concedem originalidade à Deathbound, tornando a experiência bem diferente dos demais games do gênero.
O jogo é, surpreendentemente, o primeiro partysouls da história. Ao longo da nossa jornada, absorvemos Essências, guerreiros caídos com talentos e um estilo de jogo completamente diferente entre os demais.
Por exemplo, Therone, o primeiro guerreiro que comandamos, funciona como uma espécie de templário com espada e escudo. Agheros, um comandante impiedoso, usa um martelo de duas mãos para causar dano massivo. Anna, uma ladra furtiva, usa uma adaga e uma besta para atirar flechas nos inimigos.
Apoiando-se na lore, todos os 7 personagens estão conectados e alguns deles até se conhecem. Mas é aí que a genialidade da equipe entra em cena. Alguns personagens seguem as doutrinas do Culto à Vida, já outros são defensores da Igreja da Morte.
Esses choques e sinergias geram bônus passivos que demandam que o jogador tenha uma certa estratégia ao compor o time. Podemos equipar 4 essências de maneira simultânea. E a posição delas na roda de Essências pode gerar buffs positivos ou negativos.
Graças a esse sistema, as armas de cada personagem são fixas. Só temos 3 slots de equipamento: um artefato e dois anéis. Cada equipamento tem dois tipos de bônus passivo – um conectado à Vida e outro à Morte.
O jogo apresenta 15 anéis diferentes e 9 artefatos, quantidade que acaba sendo mais do que o suficiente para montar builds efetivas.
O sistema não é nada complexo, mas acabou sendo uma solução inteligente para entregar variedade na jogabilidade mesmo estando com um orçamento restrito.
O loop de Deathbound
Graças a esse sistema de party, a jogabilidade de Deathbound é completamente diferente de todos os outros souslikes que eu já joguei. Isso inclui Mortal Shell, outro souls que segue uma ideia levemente parecida com a de Deathbound.
Ao golpear os inimigos, ganhamos Sync. Esse recurso preenche uma barra de sincronia que permite que o jogador acione os Morphstrikes – golpes de transformação.
Esses golpes funcionam assim: você aperta para atacar com Therone, o templário que eu citei. Mas durante a animação de ataque, você assume o controle de outro personagem. Caso você tenha uma barra de Sync, o Morphstrike será acionado, causando uma boa quantidade de dano.
Usar esse golpe constantemente é um dos pilares fundamentais do loop do jogo, afinal, durante um Morphstrike o jogador ganha alguns iframes, o que aumenta as chances de sobrevivência nos embates.
Caso você encha a barra por completo, um Ultimate Morphstrike é acionado, causando uma quantidade devastadora de dano. Além desse sistema, temos a tradicional esquiva e o parry, que infelizmente não é nada responsivo.
Como não controlamos um único personagem, o jeito que Deathbound gerencia o HP também é diferente. Cada guerreiro tem um HP próprio e essa vida é recarregada a cada golpe dado enquanto a essência não está em uso.
Esse sistema é genial por que ele incentiva ao máximo que o jogador use todas as quatro essências equipadas e não fique apenas com a sua favorita ativada. Outro ponto digno de nota é que não temos os Frascos de Estus tradicionais dos Souls.
Ao usar uma poção de vida com uma Essência, ela recupera o HP da Essência ativada e remove um pouco de vida das outras três. Logo, o estúdio conseguiu matar dois coelhos com uma única cajadada.
Além de incentivar a troca constante entre Essências, essa ideia tornou o jogo mais agressivo, afinal, você vai precisar atacar para recuperar HP dos outros guerreiros equipados.
No quesito progressão, ganhamos XP ao eliminar os inimigos, permitindo que a gente aprenda habilidades na árvore compartilhada. A progressão também acontece na forma de Talentos, poderosos buffs passivos.
Os talentos só são desbloqueados ao encontrar relíquias específicas dos personagens ou ao interagir com os já mencionados Ecos. E sim, temos muitos talentos que facilitam e muito o jogo.
A exploração é um ponto alto de Deathbound, muito por conta do seu level design brilhante. Os atalhos de cada área são muito bem posicionados e a exploração sempre recompensa o jogador. Existem atalhos que vão arrancar boas risadas e fazer você pensar: “não é possível que essa porta dá aqui”.
O posicionamento de inimigos e das armadilhas é brutal, praticamente servindo como uma carta de amor ao masoquismo de Dark Souls 2. Prepare-se para xingar e MUITO!
Temos salas apertadas com 6 arqueiros, inimigos escondidos em quinas que pulam em você ao chegar perto, armadilhas escondidas em corredores, arqueiros com um alcance absurdo posicionados propositalmente para acabar com sua vida..
Explorar em Deathbound é como participar de um filme de Indiana Jones. Prepare-se para muita adrenalina e armadilhas constantes.
Por falar em adrenalina, o jogo é um dos soulslikes mais difíceis que eu já experimentei. E olha que eu já platinei praticamente todos os AAs e AAAs. Os picos de dificuldade do jogo são absurdos e, em vários chefes, me vi obrigado a montar builds apelativas para conseguir progredir.
O design dos chefes está aceitável e boa parte deles apresenta um moveset satisfatório. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito dos inimigos comuns e elite. A variedade é baixíssima e esse aspecto chega a incomodar, mesmo com o jogo durando 12 horas para ser zerado.
A parte técnica de Deathbound
Falando sobre sua parte técnica, precisamos levar em consideração dois fatores que casam entre si e servem como justificativa para esse setor.
Deathbound é um jogo 3D feito no Brasil. Isso por si só já representa um desafio imenso. Nossa moeda é fraca e o governo não apoia esse tipo de iniciativa. Temos vários exemplos de jogos brasileiros, mas quase todos seguem uma estrutura 2D.
Curiosamente, a última tentativa de destaque em nosso país para um jogo 3D foi Dolmen, também estruturado como um soulslike. Dito isso, o Trialforge Studio fez um ótimo trabalho para quem tinha um orçamento bem compacto em mãos.
Jogando no PS5, tive quedas de frames em alguns momentos, mas eles não são frequentes e não chegam a incomodar tanto. Tive um crash, mas os glitches visuais ocorreram algumas vezes. Felizmente, esse problema causa mais riso do que fúria. Por exemplo, muitas vezes eu quebrava caixotes e os destroços ficavam grudados no personagem por alguns minutos.
Todo o trabalho sonoro é fantástico, principalmente no que diz respeito ao voiceover dos personagens. Cada um dos 7 personagens jogáveis tem vozes que combinam e muito com sua personalidade. A qualidade do roteiro também é de altíssimo nível e não deve nada para AAAs.
O calcanhar de aquiles do jogo são seus visuais que não estão feios mas são nitidamente defasados para a geração atual. É claro que, considerando o orçamento diminuto, conseguimos entender os motivos, porém, talvez tivesse sido mais inteligente tornar a jornada mais compacta para alocar mais recursos nesse departamento.
Alguns mapas acabam tendo a navegação prejudicada por conta da falta de polimento das texturas do chão e paredes, gerando aquela sensação de “eu já estive aqui?”. Felizmente, o problema é atenuado após sair do primeiro mapa e, graças ao level design brilhante, os outros mapas surpreendem e incentivam a exploração.
Todo estúdio tem forças e fraquezas e, caso a Trialforge Studio persiga um novo projeto futuramente, seria incrível ver uma evolução nesse departamento.
Review de Deathbound: Vale a pena!
O Brasil é conhecido por vários símbolos mundo afora. Futebol, samba, alegria, culinária. Um emaranhado de coisas que não envolvem tecnologia. Com Deathbound, o cenário de desenvolvimento de jogos em nosso país dá um passo importante rumo ao Sol, deixando claro que o país pode ser um polo importante de desenvolvedores de jogos.
Com mais investimento e suporte, o céu não vai ser o limite para as mentes criativas de nosso país. Se você é um apreciador do gênero Souls, um dos mais cultuados atualmente, vale demais dar uma chance ao projeto da Trialforge.
Pontos Positivos
- História interessante
- Jogabilidade viciante
- Muitas ideias originais
- Nível de desafio elevado
Pontos Negativos
- Leves quedas de frame
- Bugs de colisão
- Texturas do chão e paredes deixam a desejar
- Pouca variedade de inimigos
- Narrativa
- Jogabilidade
- Desempenho
- Visuais
- Som