Para além dos sustos, o gênero de terror sempre teve uma pegada experimental. São décadas explorando o medo e o subconsciente das pessoas das mais diversas formas, seja por meio de artifícios implícitos ou explícitos.
Na verdade, esse estilo nem sempre é tão óbvio. Há uma liberdade criativa inerente que o permite ir além, mesmo que muitas vezes pontas soltas sejam deixadas pelo caminho. E é nesse meio, mas ainda mais profundo, que nasce Sleep Awake.
O novo projeto da Blumhouse Games, desenvolvido pelo estúdio Eyes Out, é um passeio surreal ao inconsciente humano. Do início ao fim, o título aborda temas bastante sensíveis, questionáveis e pouco compreendidos, à medida que busca encaixar uma narrativa bastante, mas bastante nebulosa.
Não durma
A Terra mudou. Um evento misterioso, conhecido como Adormecer, colocou quase toda a humanidade em estado de sono eterno. Aqueles que ainda resistem ao fenômeno acabaram caindo em uma insônia perigosa, pois quanto mais eles evitam o descanso, mais sua mente é corroída.
Quem dorme, desaparece de vez e deixa apenas uma sombra para trás. Dessa forma, instaurou-se uma crise de pânico sem precedentes, fazendo que algumas pessoas criassem cultos violentos e depravados e enlouquecessem completamente.

Nesse contexto, Katja, uma jovem que aparentemente conhece bastante do Adormecer, precisa fazer o máximo para se manter acordada: nem que, para isso, arrisque sua vida incontáveis vezes e parta para uma jornada perigosa em busca de respostas. Será possível reverter esse evento?
Sleep Awake é um jogo de terror psicodélico baseado em narrativa. Ao longo da campanha, que dura de 4h a 6h para ser concluída, os jogadores atravessam diversos cenários surreais e distópicos, explorando mapas lineares e descobrindo itens de lore.

O título é liderado por Cory Davis, do TPS cult Spec Ops: The Line, e segue mais ou menos a mesma linha do game. As diferenças conceituais são gritantes, mas há uma forte abordagem psicológica, com destaque para o contraste entre o que é real e imaginário.
Fãs de terror psicodélicos curtirão bastante não apenas a estética de Sleep Awake, mas seu ritmo. Há claras inspirações nos filtros visuais de Gaspar Noé, enquanto a pegada cósmica age por meio de inúmeros elementos de ficção científica. Já jumpscares são quase inexistentes.

Com tudo isso em mente, não há como negar que o título é um projeto muito de nicho. A pegada experimental é forte, enquanto a margem para interpretação deixada pelos capítulos e pela grande quantidade de informações na tela é constante, especialmente no final da campanha.
Não é um filme, mas parece
Para as novas gerações de jogadores, Sleep Awake poderia ser facilmente considerado um filme interativo. Porém, assim como houve com títulos recentes, como Still Wakes the Deep e Nobody Wants to Die, o gameplay é bem mais rico do que aparenta.
Há uma forte linearidade e todos os objetivos são intuitivos, mas a história é muito interessante, enquanto a dublagem adiciona camadas de drama que deixam tudo mais convincente. E se você não for convencido por isso, espere para ver os gráficos.

Sleep Wake tem gráficos absurdos, tanto em áreas fechadas quanto abertas. Os cenários são riquíssimos em detalhes e têm composição fotorrealistas, com efeitos de partículas, sombras, reflexos e iluminação de primeira qualidade.
Além disso, o jogo possui um bom senso de colisão, com passagens bem definidas, limites de mapas honestos e justificativas para os bloqueios, pois boa parte do jogo se passa na mente da protagonista.

Não há sistema de escolhas nem nada e a campanha é mais longa que o normal. Sleep Awake também capricha muito na trilha sonora, que funciona muito bem com a atmosfera de suspense e com a produção no geral, integrando emoção e medo.
O título também possui diálogos profundos e maduros. A relação de Katja com entes próximos é extremamente madura, enquanto suas interações com NPCs e com eventos do mundo transitam entre a inocência e a culpa.
Jogue tranquilo, mesmo se você for medroso
O terror em Sleep Awake é bem leve. Ele vem por meio de flashes psicodélicos que nem de longe se comparam com os de Alan Wake 2. Além disso, há algumas sequências de perseguição que pecam por não serem tão caprichadas.
O título possui uma mecânica simples de prender a respiração, mas apenas para passar de nuvens tóxicas. Enquanto isso, há cover entre objetos que impede oponentes de te encontrarem, mas não vá confiando muito nisso (para o bem).

Os inimigos são bem mais rápidos que você e são letais caso te acertem, mas aí está a mão na roda: eles são muito burros. O campo de visão deles é limitadíssimo e há como andar agachado quase na sua frente, que você será ignorado.
Há outro tipo de inimigo que possui uma mecânica mais diferente, desafiadora e legal. Mas não falaremos por aqui para evitar bons spoilers. Mas já adiantamos novamente que, de fato, é bem legal.

A construção atmosférica de Sleep Awake também traz mais camadas ao terror, especialmente se você jogar de headset. O design de áudio é excelente, enquanto as coisas que acontecem no mapa (e você não vê) causam estranhamento e senso de perigo. Mas nada que você não dê conta.
Sleep Awake é um projeto de qualidade Blumhouse
Antes de dar um veredito, afirmamos que Sleep Awake é muito “ame ou odeie”. Sua pegada interpretativa e experimental pode afastar quem busca aventuras mais objetivas e claras, enquanto o ritmo confuso impede respostas sobre diversos eventos in-game, inclusive o Adormecer.
Mas para quem curte essa subjetividade, o projeto da Eyes Out é uma referência. A história é instigante e muito bem contextualizada, a dublagem é excelente e a trilha sonora contribui bastante do começo ao fim.
Sleep Awake também é um primor técnico. Os gráficos são absurdos de lindos, o áudio é consistente e o desempenho no PS5 está sem maiores problemas de otimização. Ah, e há suporte aos recursos do DualSense, em especial ao microfone embutido.
O game pode não ser para você, mas quando falamos sobre o nicho com o qual ele conversa, será simplesmente impossível se decepcionar. Disclaimer: corrijam a IA dos inimigos, por favor.
Sleep Awake é um terror experimental que pode parecer confuso em muitas partes, mas sem deixar de surpreender com seus visuais de primeira, eventos bem contextualizados e ótima condução narrativa.
- História
- Desempenho
- Visuais
- Som
- Diversão
- Jogabilidade