Durante a Brasil Game Show (BGS) de 2023 tivemos o prazer de entrevistar Fabiano Vassao, diretor de UI de Assassin’s Creed Mirage. Confira como foi a entrevista:
República DG: Eu queria que você falasse um pouquinho sobre o seu trabalho também e se você pode falar um pouco sobre o seu primeiro contato com os games. Como é que foi chegar na Ubisoft? Como é que foi essa experiência?
Vassao: Vou começar com como é que foi chegar ali, né, o primeiro contato. Eu acho que… Vamos ver se eu lembro. Mas acho que em 2019 ali… Não, um pouquinho antes, no final de 2018 eu estava numa produtora, eu era head de arte numa produtora, então a gente fazia muitas coisas relacionadas a design gráfico, à direção de arte em geral. Eram desde concepts até direção de arte de próprio filme mesmo. Com relação à animação também, enfim, em geral o produto final mais ou menos era sempre relacionado a vídeo. E a gente teve uma oportunidade para trabalhar num projeto para a Netflix, que uma ação na internet para transformar o jogo Operação Fronteira num videogame. Então, assim, era uma ação que dois influenciadores fariam um suposto gameplay. E esse gameplay seria mostrando um pouco ali como se fosse um jogo, né, esse é um jogo Operação Fronteira, um jogo de FPS e tal. E no final você descobriria que não era um jogo, que era um filme e o influenciador chamaria o público para assistir o filme. E como eles eram dois influenciadores que faziam muito gameplay essa transformação tinha que ser muito fiel. Eu que encabecei esse projeto na produtora, então eu já tinha o meu passado, meu passado já é longo, eu tenho 20 anos aí de design e direção de arte. Como eu tinha bastante já afinidade com design de web e interface, eu criei umas interfaces como se fosse um jogo de RPG baseado na IP, e qual que era a IP? Era o filme. Então o filme tem uma marca, o filme tem uma fotografia, eu preciso criar uma UI que combine com aquilo e pareça uma UI de verdade de um jogo. Eu recriei aquilo, animamos aquilo, então foi um projeto ali que durou ali uns dois meses, se não me engano, culminou num carnaval, então eu comecei a perceber que eu estava trabalhando muito e gostando do que eu fazia, porque eu sempre fui gamer, sempre fui apaixonado por game.
No começo eu não comecei com design, comecei com programação e ciência da computação. Quando eu descobri o gaming, o design foi a minha primeira paixão e eu sempre fui gamer. Então vi que a junção das duas paixões ali… “Cara, eu preciso fazer mais coisas de game”. Então acho que a Elik foi o meu primeiro contato, não por um game especificamente, era uma ação, e aí eu comecei a fazer algumas coisas relacionadas. Então eu comecei a trabalhar mais, sair dessa empresa, desse produtor, a fim de fazer mais freelance e consegui ampliar minha ação ali para outros projetos e ir buscando os jogos, porque eu tinha sido super legal de fazer o projeto. Entrei num estúdio que já fazia cinemática para League of Legends, fazia cinemática para Valorant, então eu consegui fazer algo em direção de arte. Na verdade era o aniversário do primeiro ano do Valorant no Brasil, com uma cinemática. Eu fiz a direção de arte, fiz muitos assets 2Ds ali, fiz UI, fiz uma direção de motion, acabei fazendo bastante coisa no projeto, comecei a abastecer meu portfólio com essas coisas, fiz uns outros projetos para a League of Legends menores também através desse estúdio.
Juntando com as outras coisas que eu já tinha feito de outros grandes players relacionados a design e identidade visual, comecei a mandar meus projetos para algumas empresas e recentemente, na verdade um ano depois mais ou menos, perto disso, eu tive meu primeiro contato com a Ubisoft e o Jean-Luc me chamou para trabalhar no time dele, e cara, desde então eu estou super feliz e foi minha primeira AAA, foi massa demais. Esse foi o caminho.
República DG: E você tem um currículo com experiências bem diversas, indo desde a Abril Media, até a HBO e finalmente a Ubisoft. Já fiz a pergunta, mas como foi esse processo, toda essa longa jornada?
Vassao: Essa jornada tem a ver muito com design em si, porque depois que eu descobri o design, acho que é muito do que o Jean-Luc falou para você, de você descobrir o que te move, qual que é a sua paixão, o que você gosta mesmo. Quando eu descobri que eu gostava muito de design, comecei a estudar e vi que design era uma coisa generalista, porque tem um dia que você está criando uma coisa para uma marca de criança, outro dia você está criando para high fashion, outro dia para mulher, outro dia para homem, enfim, você precisa ser um cara generalista. E para você conseguir fazer isso, você precisa estudar, você precisa fazer um monte de coisa diferente. Então eu fiquei com esse mindset de já trabalhar em um monte de lugares diferentes para estimular isso dentro de mim. Aí eu trabalhei na Abril mesmo, trabalhei na Avon, fiz projetos ali para Globo, fiz projetos para Sony, comecei a fazer coisas diferentes não só com relação a graphic design ou a web design, mas em animação, porque cara, no final das contas é design. O princípio é o mesmo, sabe? Então se você domina, você começa a entender que cara, o difícil é você ter esse jogo de cintura de permear nos mundos. Quando você consegue fazer isso, você vê que você tem uma afinidade com isso, putz cara… Acho que você pode… Você amplia, né? Eu acho que isso dá mais prazer no final das contas. Então meio que, cara, 20 anos trabalhando, tentando ampliar para depois focar, entendeu? Então o meu conselho até para todo mundo é, cara, você acha que você gosta, mas não fecha, deixa ampliado, principalmente quando você é novo, se for design, que o design tem essa característica, né? Então eu estou falando meio que pela minha trajetória. Acho que direção de arte é bem parecida com isso também.
República DG: O que exatamente o diretor de UI faz? Como é seu dia a dia em um trabalho remoto?
Vassao: Eu estou trabalhando remoto, né? Mas eu já trabalhei muito remoto com UI. Mas o que o UI faz? O UI é a interface de usuário. Ela é o primeiro contato em relação ao game, por exemplo, mas isso é para a aplicação, é para a internet, o website, enfim. No caso do jogo, ela é a ponte entre o jogador e o jogo. E essa ponte precisa ser mais intuitiva possível. Ela precisa transportar o jogador para aquele universo de uma forma não só intuitiva, mas lúdica também muitas vezes, porque você está começando a contar uma história, está fazendo um mundo mágico. Essa ponte não pode ser uma ponte genérica. Ela é super, sei lá, minimalista, ela não chama muita atenção, ela é coesa no sentido de que ela tem as mesmas características. Todos esses são atributos de uma boa UI, mas ela não pode ser genérica. Ela tem que ter o aspecto, ela tem que representar a marca, ela tem que representar o tema. Por que eu estou falando isso? Porque você vê, não só em jogo, mas em aplicações, muitas vezes as pessoas vão no básico e colocam lá uma UI super clean, que é super vetorial. Meio que funciona muito bem, mas ela não tem uma ligação com a direção de arte do produto. Então assim, você está perdendo uma oportunidade de elevar aquilo para uma coisa muito melhor, muito maior, onde você ajuda a direção de arte, constrói junto e aquilo se transforma em uma coisa só. Então muitas vezes ela não precisa ser minimalista para ela ser coesa e para não atrapalhar a imersão. Se ela fizer parte do universo, da direção de arte do universo, ela já está mesclada com aquilo e ela ela não fica te atrapalhando. Ela te leva, começa a te ensinar o que é o jogo, não só com os painéis e tudo, mas também um pouco com o visual dela. Eu acho que o UI é isso, essa grande ponte e esse facilitador da conexão entre o jogador e o jogo. E ela é muito boa, você vê que ela é muito boa quando ela trabalha a imersão, te chama para o jogo, te convida para o jogo de um jeito mais natural, sabe? Então, acho que isso é o que o UI Artist faz, acho que é o objetivo final.
República DG: E como que é o processo de criação de uma UI? Pro Mirage, por exemplo, vocês precisam seguir diretrizes gerais ou vocês ficam livres para criar elementos condizentes com o jogo?
Vassao: Acho que é uma mistura das duas coisas. A gente tem elementos gerais, é aí que o UI trabalha muito com UX, que é a experiência. Então, muitas vezes o UI ali, ele tem que trabalhar diretamente com o UX para ver se… Muitas vezes você sugere alguma coisa que ela não está lá em linha com a experiência, ela atrapalha mais o que ajuda, ela é muito bonita, você tem uma ideia muito boa, mas na hora de jogar, na hora de testar, ela não funciona. Então, a gente trabalha com parceria com o UX, com pessoas que testam o jogo… Trabalham 4, 6 mãos que está sempre em progresso, sempre é um work in progress. Até o finalzinho é sempre polimento. Claro que você tem estruturas básicas que você tem que seguir, mas em UI especificamente, o que eu acho que são as regras principais é, uma boa UI não pode atrapalhar a imersão. Como eu disse, ela tem que refletir o tema do jogo e ela tem que refletir a IP do jogo. Então, por exemplo, como é que ela reflete o tema do jogo? A UI boa que reflete isso, você vê um pedaço dela e você fala, pum, isso é desse jogo. Por quê? Porque cara, ela tem as características do jogo, ela é… Sabe, ela respira aquilo e ela apoia… E quando é o sucesso é quando ela é exatamente o jogo, é aquele jogo e aquela franquia. Putz, lindo. E aí ela também tem que ser uma coisa que ajuda, que seja fluída, que ela não crie mais etapas para… Ela tem que cortar distâncias, né? Então, por isso você tem que trabalhar junto com a experiência.
Ela é um projeto que, sim, tem que respeitar as regras básicas do design gráfico, as regras básicas de UI, existem regras básicas de leitura, posição na tela, por exemplo, tem posições da tela que são mais importantes que outras… Então você tem um elemento, um componente que é muito importante. Ele precisa estar numa certa posição, claro que não fixa, mas numa certa parte da área, normalmente no centro ótico, que não é o centro geométrico, não é bem no meio, é um pouco acima. Normalmente quando você olha para uma tela, nós, todos nós, a gente não olha no meio da tela, a gente olha um pouquinho para cima, isso aí é o centro ótico. Então essa área é uma área muito importante para o jogo, ali tem que ter uma informação muito relevante, então se você tem alguma coisa para falar, importante, você coloca lá. Um erro comum é de você ter uma informação que não é importante de estar ali, por exemplo, é um erro básico, mas que muitas vezes tem. Então isso atrapalha a imersão.
“Por que eu estou vendo isso?” A primeira coisa que eu olhei é o negócio ali, para tirar a atenção de outras coisas que estão acontecendo no jogo, e de repente você acha “esse jogo não é legal” não é fluido, por quê? Porque tem coisas que estão atrapalhando. Então assim, existem várias regras, aí por isso que é legal. Quem quiser estudar, vai estudar bastante coisa, além do design tem essas coisas, tem as regras básicas do design, leitura, contraste, harmonia, enfim, várias coisas, depois tem as regras do UI específicas, depois você precisa conversar com o UX, que também tem suas regras. Então assim, por um lado ele é artístico e por outro ele é bem técnico também.
República DG: A acessibilidade é uma pauta cada vez mais importante nos games. Como que a UI pode contribuir para tornar esse jogo mais acessível?
Vassao: O nosso jogo é um dos mais acessíveis, da franquia é o mais acessível. Eu acredito que a Ubisoft mesmo já transforma tudo isso em jogos bem acessíveis. É uma preocupação nossa isso realmente, e isso é interessante que isso vai sempre evoluir. Então você pode falar, pô, eu não achei que é tão acessível tal jogo, tal… Cara, isso é uma evolução. Cada vez mais a gente vai buscando novas tecnologias e novos jeitos de melhorar tanto a experiência do usuário, enfim. A gente tem algumas coisas, a gente tem uma série de filtros de daltonismo no jogo, a gente tem presets de tamanho, a gente tem um preset para colocar painéis atrás para melhorar a leitura caso você não enxergue muito bem, a gente tem um cuidado para tomar cuidado com quantos elementos estão com mais contraste… Temos tanto as closed captions, as subtitles normais, as subtitles com closed captions… Eu tenho control remapping de trocar os botões, então tem várias coisas que passam pela UX, passam pelo UI também, que a gente está sempre preocupando e sempre buscando evoluir isso conforme for evoluindo, enfim, essa matéria a gente consegue estar sempre ali aplicando nos nossos jogos.
República DG: E para finalizar, o sonho de muitos brasileiros é trabalhar nessa indústria de games, . Você tem, além daquelas dicas, mais alguma para quem pretende entrar nessa área, para quem pretende trabalhar com isso?
Vassao: Acho que o Jean-Luc falou muito bem, acho que ao trabalhar no jogo você pode fazer uma série de coisas, muitas coisas diferentes, e é muito legal que dá para entender que tem muita coisa que é diferente do nome, mas que é muito parecida com o que eu já fazia, então, cara, eu acho assim: ache realmente o que você gosta, vai a fundo, se você for muito jovem e estiver começando, não fique preocupado de “eu quero me especializar nisso”, não é o momento. Essa é a minha dica pessoal, talvez alguém discorde de mim, mas eu acho que no momento quando você é jovem, a não ser que você ache alguma coisa que você goste muito e é super apaixonado mesmo (aí acho que você tem que ir fundo mesmo), mas no geral, cara, experimenta bastante coisa, ache uma coisa que você gosta e com certeza tem, e tenta ver as aplicações em game. Com certeza tem, na Ubisoft até historiadora a gente tem.
E para ir para fora, é mais difícil você ir no começo sem nenhuma experiência, é mais difícil, é possível, mas é mais difícil, eu acho que tem que ficar no local e fazer muito, fazer um portfólio legal. Tem uma coisa que muita gente não faz sendo designer, ou começando com arte, artista júnior ainda, um pouco mais júnior que as pessoas não fazem é atualizar o portfólio. Normalmente as pessoas pensam: não dá para atualizar agora, todo mundo está fazendo um freela, não sei o quê…, Cara, guarda um tempo para você, para você fazer o seu portfólio e montar ele, não coloca um monte de coisa no portfólio, não coloca, putz, eu já fiz um monte de coisa, não coloca 15 coisas, pega essas 15 e coloca 5 mais legais. Mostra para um monte de gente, porque cara, se eu for lá no portfólio, se eu olho as 15, eu vou olhar tipo 3 legais, aí eu vou ver que tem 4 mais ou menos e o resto está ruim. Isso já quebrou, entendeu? Se você coloca ali putz, cara, legais, melhores, foca no que você está bom, foca no que você consegue fazer, pelo menos para mostrar, e aí depois você foca no que você está bom para aprender, no que não está bom para você, para você aprender e evoluir mais. Acho que é isso.
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