A intolerância contra grupos minoritários é algo que ocorre há muito tempo, tendo escalonado em diversos momentos da história humana. Estas chagas também estão presentes em tempos mais modernos. No Reino Unido, por exemplo, tivemos o caso de Alan Turing, homem homossexual que quebrou códigos nazistas, ajudou a mudar o rumo da Segunda Guerra Mundial e é considerado o pai da computação. Turing foi acusado por “indecência” nos anos 50, tendo sua sexualidade criminalizada. Embora tenha se tornado mais progressista com o passar dos anos, o Reino Unido conheceria diversas ondas conservadoras. Uma delas foi encabeçada por Margaret Thatcher, a chamada Dama de Ferro. A época na qual Thatcher governou é abordada em Blue Jean, sem perder de vista porém os desdobramentos que impactam a vida das pessoas até os dias de hoje.
Jean é uma professora de ensino médio, dando aulas de educação física. Ela é introspectiva e reservada, não sendo muito próxima aos colegas. Em seu tempo livre, ela frequenta um bar homossexual com sua namorada Viv e amigas. O relacionamento não é público, uma vez que há muito preconceito não só das pessoas, mas também projetos do próprio governo que visam atacar minorias. Um deles, a Seção 28, visa impedir qualquer tipo de promoção da homossexualidade em território britânico. O fato de Jean revelar ser lésbica poderia implicar na perda de seu emprego.
Esta dinâmica acaba gerando uma tensão entre Jean e Viv. A parceira não quer mais ser um segredo, enquanto Jean teme pelo trabalho. Outros tipos de tensão permeiam o relacionamento. Por exemplo, Jean é procurada por sua irmã para cuidar do sobrinho. Ela tenta, entretanto, não contar o seu namoro para a família, preocupada com possíveis danos.
Ainda há a trama que ocorre na própria escola de Jean e envolve duas de suas alunas. Lois, também lésbica, sofre bullying por parte de suas colegas, especialmente de uma garota chamada Siobhan. Jean acaba se colocando em uma posição na qual pode defender Lois, mas continua temendo que possam ocorrer danos para ela própria. No meio de escolhas difíceis, Jean pode até mesmo fazer parte da estrutura opressiva que a cerca, mesmo sendo também uma vítima.
O clima é asfixiante e opressivo em muitas cenas, com Jean precisando por muitas vezes interpretar um personagem, um papel no mundo exterior que não a aceita como ela realmente é. Há uma vigilância sólida e presente, não com muitas câmeras e o rosto do Grande Irmão, mas sim com um clima hostil e pessoas que mantém o preconceito em primeiro lugar. Há, porém, momentos de maior tranquilidade e liberdade.
O filme busca questionar uma linha de pensamento preconceituosa na qual crianças seriam sexualizadas caso os homossexuais e outras minorias conseguissem garantir direitos. Este tipo de ilação não é verdade e constantemente utilizada como espantalho. O roteiro, bem construído, nos faz pensar em diversos paralelos. Nos dias contemporâneos, no Brasil, temos a todo momento de lidar com os ataques a professores, uma das classes menos valorizadas e mais vítima de injustiças no país. As apreensões de Jean são um espelho do que muitos docentes passam, havendo até mesmo punições aos que ensinem tudo o que for considerado fora de um padrão. Há de se lembrar das patrulhas ideológicas que por vezes são realizadas e se mantêm em evidência nos últimos tempos. É triste, mas real. Em um país no qual a educação sexual ainda é tratada como tabu, ainda é muito difícil avançar em uma estrutura engessada.
Todas as personagens estão muito bem em cena. O trio principal, formado por Jean, Viv e Lois possuem boas interações e conflitos bem explorados. Elas não são tratadas como personagens unidimensionais, possuindo cada qual seus desafios e também erros. O final é agridoce, mas realista e condizente com as ações das personagens. A direção é bem executada e demonstra de maneira fidedigna os tempos estranhos durante o governo Thatcher e como isto impactou as pessoas.
Por fim, a Inglaterra apresentada no filme pode, no futuro, ser o exemplo de uma triste distopia. Entretanto, infelizmente, é um retrato fiel de nosso passado e presente. Blue Jean é um ótimo retrato de como as pessoas reagem às opressões vividas e como se organizam em meio a cenários catastróficos. Vale a pena assistir!
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Blue Jean é um filme sensível que aborda questões importantes em um ambiente opressivo e fica como alerta para a contemporaneidade.
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