Eu confesso que não me interessei de imediato por Guerra Civil quando soube de sua existência. Ainda alheio à produção e ao diretor do longa, acreditei que pudesse se tratar de um filme genérico, enlatado ou pasteurizado. Aos poucos, porém, esta percepção foi diluída e ao assisti-lo me deparei com uma das melhores experiências cinematográficas que tive nos últimos tempos: visceral, empolgante e oportuna. Mas por que o filme consegue ser tão bom?
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Estados não mais Unidos
Guerra Civil é produzido pela A24 (responsável por obras como Midsommar, O Farol e A Baleia) e dirigido por Alex Garland (Extermínio, Ex Machina). Aqui somos apresentados a uma realidade na qual vemos o alvorecer de uma distopia: os Estados Unidos estão em uma guerra sui generis: não contra um inimigo externo, mas sim contra eles próprios. O filme se inicia com as tentativas do presidente de ler um discurso no qual exalta uma vitória das forças leais e aponta para o enfraquecimento dos adversários, os secessionistas. Na realidade, entretanto, o cenário no front é muito diferente com os separatistas ganhando cada vez mais território e organizados em várias facções, como as Forças Ocidentais e a Aliança da Flórida.
Nesse meio somos apresentados a Lee (Kirsten Dunst), uma renomada e experiente jornalista que já cobriu diversos conflitos e agora se vê com o fardo de realizar este trabalho em seu próprio país. A ela se soma Joe (Wagner Moura), parceiro na jornada e, em diversas vezes, um alívio cômico. Ambos se preparam para uma ousada missão: entrevistar o presidente (Nick Offerman) usando de um repertório incisivo que aponta a responsabilidade do mandatário em atos cruéis e sanguinários contra os próprios cidadãos. Junto à dupla temos Jessie (Cailee Spaeny), uma jovem que pretende seguir os passos de Lee, e Sammy (Stephen McKinley), um velho veterano que é amigo de Lee e Joe.
O grupo parte em uma viagem de carro com a determinação de cruzar boa parte do país e encontrar o presidente para conseguir uma matéria em primeira mão antes que outros jornalistas o façam ou antes que o mandatário seja morto. A jornada é realizada com as preocupações de todos pairando no ambiente: o desgaste emocional de Lee, o medo de Jessie, a euforia de Joe e a frustração de Sammy são combustível para uma espiral explosiva.
Um filme que não se abstém de incomodar
O filme não se poupa em mostrar cenas gráficas. Garland traz um desconforto ácido ao espectador, com a câmera sempre buscando mostrar algo que nos incomode. Mortes gratuitas, sangue, corpos, tudo isso surge à tela com uma naturalidade à qual não estamos acostumados. Garland nos coloca na pele dos fotojornalistas realizando registros de atos de crueldade, carnificinas e a implosão dos mais básicos direitos. Isto fica ainda mais evidente com a mixagem de som, ponto altíssimo no filme. Saímos de silêncios amistosos para tiroteios ensurdecedores e batalhas recheadas de caos e confusão. Granadas, rasantes de jatos, helicópteros e disparos são ouvidos a todo momento ao nosso redor, nos dragando para a guerra. Não costumo me impressionar com mortes em tela, mas um momento específico me fez arregalar os olhos por ser uma cena crua com um som brutal de tiro. Todos estes elementos são potencializados em uma sessão IMAX e eu recomendo bastante que este seja o seu contato com a obra no cinema.
O filme gera incômodo não só por suas cenas gráficas e pelo som intimidador, mas também pelo fato de levar um conflito destas dimensões aos Estados Unidos. Não vemos o ar de um futuro distante, uma tecnologia diferenciada ou um elemento por demais fantasioso – é tudo muito mais próximo da realidade. Se para mim, brasileiro, já foi de certa forma estranho ver a implosão dos EUA nesta guerra civil, para os cidadãos estadunidenses o filme deve tocar na pele como um espinho, um ferrão. Não é para menos: é ano eleitoral e as tensões entre democratas e republicanos crescem com uma separação de ideias e visões de mundo que pode levar a atos de violência. Guerra Civil serve como um alerta, não exatamente premonitório, mas um aviso de que não há muitos degraus de onde estamos atualmente para onde o filme se encontra.
Garland também parece querer incomodar o público norte-americano com a lembrança de que as cenas do filme estão ocorrendo em outras partes do mundo. Ele o faz de maneira esperta, mostrando lugares que a guerra não tocou e onde as pessoas simplesmente buscam se sentir alheias à situação. Em um mundo volúvel e com conflitos na Europa e no Oriente Médio (para citar alguns exemplos), a mensagem surge para fazer refletir e compreender que as cenas indigestas do filme estão acontecendo em outros países e territórios.
Garland omite propositalmente algumas informações do espectador. Isto ocorre muito provavelmente porque estamos em uma jornada com os jornalistas e, na opinião ao menos de Lee, o jornalista registra e outras pessoas realizam seu julgamento. É interessante ver como o filme aborda a ética da profissão. Vale tudo para registrar o momento? É a pergunta que fica no ar não só ao final como também ao longo do filme, como quando Jessie questiona, em um tom talvez não tão brincalhão, se Lee a fotografaria caso ela fosse baleada.
Atuações de ponta e ótimo roteiro
Guerra Civil é um filme muito tenso, daqueles de roer as unhas e sequer ver a hora passar. Estamos falando de uma road trip cujo destino final é Washington, cidade visada pelos separatistas. As leis se desintegraram e não é incomum ver pessoas atentando contra a vida de quem quer que seja. Civis torturados, valas coletivas e corpos espalhados são uma realidade no filme, tudo sob o olhar das lentes dos nossos protagonistas. Mesmo sendo profissionais da imprensa, além de arriscar-se no fogo cruzado eles também se põem em perigo a cada centímetro que avançam na direção de Washington, com soldados hostis e contrários à presença de jornalistas. Inclusive, nesta seara, gostaria de destacar a atuação de Jesse Plemons. Seu personagem está excepcional e lembra outro de seus grandes papéis: Todd em Breaking Bad. Sua presença é um dos pontos altos do filme! Esta participação se insere em um roteiro consistente e firme que sabe onde quer chegar e não se perde. Ponto para Garland, que também escreveu o filme.
A bem da verdade, todos os atores estão muito bem com seus personagens expondo cicatrizes, traumas e reações a um mundo que está se decompondo à sua frente. Kirsten Dunst está fenomenal, interpretando uma mulher endurecida que mostra um visível cansaço com o rumo que tomou na profissão. Já Wagner Moura absorve o conflito se regozijando na adrenalina causada pela guerra. Esta questão, inclusive, poderia ter sido mais abordada. Ainda sobre o personagem de Joe, acredito que por vezes seu papel de alívio cômico foge do tom do filme e acaba não contribuindo para o seguimento da trama. Não é de forma alguma uma crítica à atuação de Moura – excepcional como sempre, mas à maneira como seu personagem é direcionado.
Guerra Civil é brilhante!
Guerra Civil é um excelente filme. Buscando nos colocar lado a lado com jornalistas cobrindo uma guerra, é uma experiência sensorial poderosa e brutal. Trata-se de um longa com uma narrativa bem amarrada e empolgante, sendo também oportuno em uma época de cisões, abismos e dissonâncias. Guerra Civil retrata um império que já passou de seu apogeu e que se deteriora em progressão geométrica, ecoando sem nenhuma sutileza o alarme de um mundo instável e perigoso. Vale a pena assistir!
Guerra Civil estreia em 18 de abril nos cinemas brasileiros.
Obs: Esta crítica foi feita a partir de uma sessão de cabine de imprensa na qual fomos convidados pela Diamond Films, a quem agradecemos.
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