Muitas vezes, na terceira idade, há um sentimento de inquietude e solidão que se encastela no coração das pessoas. Este tipo de sensação ocorre em um plano externo, no qual a idade e a aparência física possuem uma insensata idolatria, e no plano interno, onde famílias, vizinhos e conhecidos podem ver a pessoa de outra forma. Esta angústia não é rara de ser encontrada e provavelmente cause ao leitor uma sensação mais familiar do que deveria, exatamente pelo fato de ser uma coisa experienciada por inúmeros idosos pelo mundo. É com um pouco deste verniz que se apresenta Meu Vizinho Adolf, filme de Leonid Prudovsky.
O longa se passa nos anos 60, na Colômbia. Nosso protagonista é Marek Polsky (David Hayman), um homem de idade que perdeu sua família no Holocausto e agora vive recluso, distante, ranzinza e mau humorado. Um dia uma mulher que atende por Frau Kaultenbrunner (Olivia Silhavy) o indaga a respeito do terreno ao lado. Marek não reage bem ao ocorrido e, à revelia, vê obras tomarem conta de sua vizinhança. Elas são para receber Herman Herzog (Udo Kier), um também senhor idoso que passa a viver no local.
A dinâmica de ter um vizinho irrita profundamente Polsky, que passa a entrar em conflito com Herzog. De súbito, Polsky percebe que Herman possui os olhos de Adolf Hitler, o qual o próprio Polsky havia encontrado em um campeonato de xadrez em 1934. Munido desta suspeita, Polsky decide dedicar os dias seguintes a levar o que ele pensa ser o líder nazista à justiça.
O filme se desenrola de maneira ágil, com um dinamismo muito interessante. O que temos aqui é uma comédia ácida que cria algumas situações bem-humoradas e outras um tanto embaraçosas. A maneira que a narrativa usa para estabelecer uma espécie de jogo de gato e rato entre os personagens principais é muito criativa. Curiosa também é a ambiguidade sobre Herzog ser Hitler ou não. Além das sugestivas iniciais de seu nome, diversos detalhes dúbios vão interrogando o espectador sobre a real identidade do homem.
Saber se Herzog é ou não Hitler não é a única questão que o filme levanta, tendo ele também um grandioso subtexto que pode levar a várias interpretações de quem estiver assistindo. Marek e Herman precisam interagir para que a história avance, mas como fazer isso? É a perda, a frustração, a sensação de que as coisas não estão resolvidas que movem, justificadamente, o protagonista. Mas é desse cenário que também florescem temas como a amizade, a descoberta e perspectivas inéditas na terceira idade. Nestes dois pontos há de se destacar que o filme é muito sensível e traz uma abordagem intimista. Há de se mencionar o xadrez, citado anteriormente como elemento importante para Polsky, que aparece muito no filme e é um grande elemento da trama ao cingir a relação entre os dois principais personagens.
Gostaria de destacar, porém, que este filme possui uma reviravolta que acredito ser desnecessária para o enredo e que envolve a morte de um cão. Embora a cena tenha apenas me atordoado durante a exibição, compreendo que há pessoas com diferentes graus de sensibilidade em relação ao tema e que é algo importante para se pontuar.
Apesar deste detalhe, há de se elogiar o filme por sua direção e o tom lúgubre que encima as cenas e se desvela com humor ácido e drama. Conhecer todos os lados de Marek e sua relação com Herman são processos tão bem desenvolvidos que será difícil não sentir diferentes emoções borbulhando ao fim da jornada. É um filme simples, onde não há abertura para grandes sequências estrondosas. Há apenas o mais cru e preciso drama que puxa uma cadeira, se apresenta e nos entretêm por uma hora e meia. Vale a pena assistir!
Obs: Esta resenha foi feita a partir de uma cópia cedida pela A2 Filmes, a quem agradecemos.
Leia também:
Entre nos grupos da República DG
Meu Vizinho Adolf é uma comédia dramática que põe o espectador em dúvida enquanto apresenta uma trama bem desenvolvida.
- História7
- Personagens8
- Figurino e ambientação7