Durante o curso da pandemia um sentimento tomou parte das pessoas: o de que sairíamos melhores deste evento histórico. Este avanço teria a ver com um crescimento moral, empático, coletivo e, para alguns, até mesmo espiritual. No momento em que este texto está sendo publicado, a pandemia arrefeceu e já podemos ver sinais que indicam seu fim, embora o vírus da Covid-19 continue a circular conosco. Entretanto, engana-se quem pensa que houve uma guinada altruísta e positiva do ser humano após anos enfrentando a doença. Está certo que, em muitos casos, laços foram criados, aproximações realizadas e o bem celebrado. Mas, por outro lado, também vimos em algumas regiões a aparição de novos conflitos armados e o crescimento do isolacionismo, do egoísmo e também do extremismo. Não houve momento catártico para o ser humano, até mesmo porque a noção de ligar um trauma a um crescimento acaba sendo um pensamento incorreto. Ainda que não tenha terminado, já discutimos o “depois” da pandemia. É nesse contexto que surge Death Stranding 2, jogo de Hideo Kojima que faz uma incômoda pergunta: deveríamos ter nos conectado?
Fragile e Lou em Death Stranding 2
Kojima é um diretor talentoso e original, isto é um fato. Suas narrativas, por vezes, se aproveitam da autorreferência, que é um recurso que faz a obra aludir a outro de seus trabalhos. Foi algo que aconteceu na construção da franquia Metal Gear e surge agora. A sequência que mostra Fragile e Lou em uma instalação fugindo de homens armados faz um completo paralelo de Cliff fugindo com Sam no trailer de lançamento. A música tocada também é a mesma, o BB’s Theme, com a diferença de que no segundo jogo sua versão muda e ela é interpretada por Troy Baker.
Tanto para Cliff e Sam quanto para Fragile e Lou a fuga é infrutífera. Em algum momento eles são encurralados e, se o que o segundo trailer indica for correto, alvejados. Não é possível saber o destino de Fragile e Lou após esta cena, com os dois sendo vistos em um lugar que pode ser o Hades. Fragile é usuária de DOOMs (uma conexão com o mundo dos mortos que a dá poderes), tendo entre outras capacidades o teletransporte. Isto poderia auxiliar em sua cura? E, muito importante: por que ela não usou seus poderes para fugir com Lou?
Lou é um bebê repatriado?
Durante o primeiro jogo somos introduzidos ao conceito de repatriado, que é o ser humano que possui a habilidade de voltar dos mortos após um encontro fatal com uma Entidade da Praia (Beached Thing). O único repatriado confirmado é Sam e a causa disto foi seu retorno à vida por Amelie após sua contraparte, Bridget, matá-lo acidentalmente. Desde então Sam sofre de alucinações e pesadelos, mas também pode retornar dos mortos fazendo sua alma reencontrar o próprio corpo em um limbo.
Lou aparentemente também morreu no final de Death Stranding, tendo em seguida retornado por uma força que o game sugere ser Amelie. Uma vez que Lou e Sam morreram em circunstâncias parecidas (como Bridge Babies) é de se pensar que a criança agora possui poderes de repatriado. Assim, ainda que seu destino fosse trágico na sequência apresentada no trailer de Death Stranding 2, ela poderia voltar à vida.
O que fica em mistério é o papel de Lou na sequência. Seu pod é ocupado agora por criaturas estranhas, como o que parece ser uma EP ou um polvo.
A Timefall em Death Stranding 2
Outro conceito presente em Death Stranding é a Timefall, uma chuva que envelhece tudo o que toca. Com isto em mente, é interessante notar que Fragile aparece no trailer com a pele rejuvenescida. No primeiro Death Stranding, Higgs a fez caminhar debaixo da Timefall com nada além de suas roupas íntimas e um saco na cabeça, envelhecendo a maior parte de sua pele. Os efeitos da chuva temporal foram revertidos? Se sim, como?
Outra coisa que podemos notar é que Sam está visivelmente envelhecido, com marcas na pele e cabelos brancos. Ele foi atingido pela Timefall? Se foi, em quais circunstâncias? Se Fragile conseguiu reverter os seus efeitos, por que Sam não o fez também?
No trailer aparentemente temos uma nova organização: a Drawbridge (Ponte Levadiça em tradução livre). Ela possui como logo duas pontes levantadas e o slogan “Corda e bastão, para proteger e conectar. Juntos, pelo amanhã”. Para quem não se lembra, corda e bastão são elementos que são introduzidos logo no início de Death Stranding, sendo referenciados como as ferramentas mais antigas da humanidade e usadas em conjunto como elementos necessários à sociedade.
A Drawbridge aparenta ser a nova organização criada por Fragile, possuindo um aparato tecnológico robusto. Podemos ver, em parte do trailer, uma enorme engenhoca saindo das águas ao estilo das naves do Atreides partindo de Caladan em Duna. É quase como se Death Stranding 2 tivesse agora o seu próprio Metal Gear. Para que este veículo será usado? Fragile diz que Sam terá uma nova jornada pela frente. Seria vingança? Conexão? Ou algo mais?
Outro detalhe é que a identidade visual da Drawbridge remete a algo um pouco menos pacífico e passivo do que o apresentado no jogo anterior. As pontes levadiças eram construídas na Idade Média sobre fossos com o propósito de serem levantadas em caso de ataque inimigo, dificultando a chegada dos agressores. Seria esta uma referência a termos mais ação no segundo game?
Higgs e Amelie
Existem suspeitas de que Higgs possa, de alguma forma, retornar em Death Stranding 2. A primeira delas é que o game contará com o retorno de Troy Baker, seu intérprete. Baker, no entanto, é conhecido por sua versatilidade, tendo emprestado sua voz para o Batman, Coringa, Jason Todd, Simon Krieger, Magni, Revolver Ocelot e Joel Miller, entre tantos outros papéis. A voz no trailer realmente se parece com a de Higgs, mas Baker poderia encarnar outros trejeitos e mudanças que o desvinculassem do vilão. Não seria a primeira vez que ele interpreta dois papéis em uma mesma obra.
O que mais pesa contra seu retorno é que o personagem de Baker é visualmente muito diferente de Higgs, adquirindo cores avermelhadas e cabelos loiros. Nos fatores que pioram a incógnita há o fato de que o personagem usa máscara e há dúvidas sobre se ele realmente está vivo, no literal sentido da palavra, dada à sua estética transparente. O que este personagem e seus asseclas procuram? Ainda é algo obscuro.
Death Stranding possui várias interpretações, entre elas algumas que exploram o que poderia ser um subtexto bíblico. Em uma de suas “entrevistas”, Deadman comenta a respeito da obra Virgem do Fuso, de Leonardo da Vinci, que mostra Maria e Jesus diante de um fuso que se assemelha a uma cruz. Deadman aponta que, na obra, Maria pode estar com um olhar um tanto perturbado pelo que viu. Ele se pergunta se Ela poderia salvar Jesus, caso conhecesse o futuro fardo de seu filho. Seria uma referência a Amelie salvar Sam? A ela própria decidir não atuar para destruir a humanidade no Last Stranding? Não obstante, temos também Amelie como uma entidade divina que criou a si própria, uma vez que ela e Bridget são a mesma pessoa. É como uma alusão à passagem “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” Podemos também pensar que tanto o Death Stranding quanto o Last Stranding são eventos que podem ter paralelos com cataclismos como o Dilúvio e o Juízo Final.
O fanatismo religioso é um problema que transcende a história e muitas vezes se manifesta de maneira violenta com a interpretação de uma vontade pertencente a uma força superior. O papel da Amelie em Death Stranding 2 é desconhecido mas, considerando o final de seu arco no primeiro game, é de se imaginar que ela não retorne em DS 2. No início do trailer há a imagem de uma “santa” venerada por pessoas de vermelho. Seria Amelie? E por que este novo personagem tem o cabelo semelhante ao dela e usa uma máscara que lembra seus traços? Sabemos que Amelie não era exatamente tão boa quanto a UCA a fez parecer após o final do game. Mas, considerando que a personagem era também a líder dos Homo Demens e que aparentemente suas conexões foram cortadas, é de se pensar que eles possam se reestruturar e tentar interpretar suas ações à sua própria forma: fanatizada, destrutiva e cruel.
Gameplay em Death Stranding 2
A gameplay de Death Stranding é controversa até os dias de hoje, com Hideo Kojima subvertendo o conceito de “missão de entrega” (onde temos que levar um objeto de um ponto do mapa a outro). Hideo Kojima já mencionou que Death Stranding não será uma sequência tradicional, e o aparato da Dawnbridige sugere que a gameplay agora poderá ser muito mais variada.
Hideo é conhecido por ser desde sempre inovador em seus jogos, utilizando mecânicas que brincam com o jogador e o surpreendem. Em Death Stranding houve o Socia Strand System, no qual usuários poderiam ajudar uns aos outros com cargas, veículos e construções a depender da área. É algo que pode ser expandido, também.
Death Stranding 2 muito provavelmente será um título exclusivo para a nova geração, proporcionando melhores mecânicas que dinamizem mais a gameplay e as entregas. Elementos como o combate e a exploração podem ter novas abordagens. Tudo pode mudar.
Sam aparenta ter envelhecido bastante, e isto talvez traga adições à gameplay no carregamento das cargas, por exemplo. Não é a primeira vez que Kojima trabalha com um protagonista idoso: Solid Snake se tornou o Old Snake em Metal Gear Solid 4, possuindo mecânicas próprias. É curioso pensar que são casos semelhantes, onde dois homens no auge de suas formas físicas passaram por algum acontecimento e envelheceram rapidamente.
Trailers enganam…
Se tem algo que Hideo Kojima ensina é também a não confiar em tudo o que é mostrado no material promocional de suas obras. O maior exemplo disso é Metal Gear Solid 2, que deixou muitos fãs furiosos ao colocar Raiden (e não Solid Snake), um personagem novo, como protagonista. Uma reviravolta deste tipo não seria completamente inédita, portanto. Devemos confiar “desconfiando” do que Kojima apresenta: nem tudo é o que parece.
Conectar ou não conectar pessoas?
Muito além das grandes experiências e dos memes (Nanomachines, son!), Metal Gear foi responsável por debater temas muito importantes para a humanidade, alguns até antecipados pela franquia: bioética, manipulação das massas, inteligência artificial e exércitos privados, entre outros. Death Stranding traz reflexões sobre vida em sociedade, o processo de luto e a própria morte. O game também faz alusões a um mundo pandêmico, ainda que a Covid-19 tenha surgido meses após o seu lançamento. Uma sociedade dividida, um grande perigo à espreita e a tentativa de reestabelecer laços são elementos comuns a este período e ao game.
Em Death Stranding 2, mudanças substanciais no roteiro do jogo ocorreram por conta da pandemia, de acordo com o próprio Kojima. A pergunta “deveríamos ter nos conectado?” faz sentido não só no universo do jogo, mas na própria realidade que enfrentamos. É claro que, eventualmente, a resposta deve ser positiva, e com razão: as pessoas vão mais longe quando estão juntas. No entanto, é de se esperar que Death Stranding 2 crie conflitos e dúvidas que abalem nossas convicções até conduzir o jogador a uma eventual conclusão animadora: sim, deveríamos ter nos conectado.