Terminar The Last of Us: Part II nos deixa com sentimentos conflitantes. Por um lado, há a sensação de triunfo por conta de termos enfrentado todos os desafios possíveis que o jogo tem a oferecer. Por outro, uma tristeza e amargor pelas perdas de todos os personagens torna impossível que não ocorram reflexões sobre a jornada que a franquia nos apresentou nestes anos. E tudo isso com um fio da meada muito curioso: o ciclo do ódio.
O enredo é uma verdadeira montanha-russa emocional e, desde sempre, se mostra muito corajoso. Isto por ele ignorar um elemento que não é incomum em muitas histórias: criar personagens especificamente para serem mortos. E é este o caminho que o jogo poderia seguir, mas não o fez.
Como foi estabelecido desde o começo, The Last of Us: Part II seria uma história de vingança que levaria Ellie de Jackson até Seattle. E, com os primeiros trailers, especulou-se que a namorada de Ellie, Dina, seria o motivo desta missão da protagonista. Matar um personagem recém-introduzido seria chocante. Afinal, estamos falando do interesse amoroso da protagonista, o que já seria razão suficiente para Ellie arrumar suas coisas e caçar os Lobos. Entretanto, esta escolha poderia debilitar o enredo.
Embora Ellie conheça Dina há tempos, nós só teríamos contato com a personagem durante um curto período de tempo. Isto acabaria fazendo os jogadores muito provavelmente não estarem no mesmo compasso da história de vingança da protagonista, o que poderia prejudicar a visão que a Naughty Dog pretendia passar: uma completa imersão no enredo. Os produtores do jogo realmente levaram a sério o mantra “se sentir na pele da própria Ellie”. Portanto, a escolha óbvia para despertar a ira da protagonista era a morte de Joel, protagonista do primeiro jogo. Conhecemos Joel em 2013 e a relação de carinho entre os fãs e o personagem extrapolou os anos. Quando o vemos morrer da forma que aconteceu, é como se uma mola nos impulsionasse e entrássemos de vez em todo o ódio, ressentimento e raiva que levam o jogo para Seattle. É essa imersão que tempera a história com um sabor especial e inesquecível, capaz de arrancar lágrimas do jogador e fazê-lo até sentir-se mal com o rumo que as coisas tomam.
O ódio é corrosivo. Ele vai alterando não só Ellie, como também o ambiente para que se possa reconhecer melhor essa mudança. Exemplo: Ellie e Dina chegam em Seattle de dia e aos poucos o cenário se torna mais escuro, turvo e chuvoso. Da mesma forma, a violência vai crescendo a níveis inimagináveis. Os inimigos terem nomes não é algo aleatório: mostra que Ellie está matando pessoas que possuem famílias, sentimentos e histórias. Ainda assim, as mortes possuem um grau de violência absurdo. Nada disso é gratuito: demonstra o declínio de Ellie enquanto uma sombra domina sua mente. Gradativamente, o nível de insanidade aumenta a ponto da garota torturar Nora e matar Mel, que estava grávida. Muito longe de acabar com os problemas, as ações de Ellie alimentam o ciclo do ódio. Isto provoca o efeito rebote de Abby e Lev, fazendo-os realizar uma emboscada no teatro na metade do jogo.
A partir daí, um incrível paralelo é criado para com Abby, uma vez que percebemos que o ciclo do ódio a consumiu também. Isto faz com que desarmemos (ou não) nossas defesas e criemos empatia pela jovem. O ódio a levou a matar Joel. Em consequência, Owen, o mais perto de uma família que Abby tinha, foi assassinado. É um ciclo interminável, como podemos ver. Este ciclo só é quebrado graças a Lev, que é uma semente de esperança em um mundo caótico e sangrento. É por causa de Lev que Abby não mata Dina, o que estava disposta a fazer mesmo sabendo de sua gravidez. Lev é um recomeço para Abby e vemos isso de maneira quase catártica quando ela grita “você é a minha gente!”.
Depois, Ellie desiste da vingança quando entende que aquilo não lhe daria um benefício real. O estresse pós-traumático gerado pela morte do Joel não iria sumir em um passo de mágica. Muito provavelmente, caso Ellie matasse Abby em Santa Barbara, o ciclo continuaria: Lev iria vingar a amiga e caçá-la ou, pior, atingir Dina e o filho do casal, JJ.
Por fim, Ellie retorna para casa. As consequências de sua busca são pesadas: sua família a abandonou e é triste perceber que ela mal consegue tocar o violão por conta da perda de dois dedos. Você pode renunciar ao ciclo do ódio, mas não consegue renegar tudo o que já aconteceu e as marcas por ele deixadas.
O ódio não é tema único de Ellie e Abby. Isaac e a Profetisa, por exemplo, não souberam conviver juntos. Isto radicalizou a seita dos Serafitas e levou a uma guerra sangrenta entre estes e os Lobos. Tal situação culminou em um verdadeiro inferno com a batalha para a tomada da ilha dos Cicatrizes. Tommy também é vítima do ciclo do ódio: na tentativa de vingar seu irmão, ele fica manco e perde um olho.
Todo esse ódio é vivido pelo jogador de uma maneira que pode até mesmo se tornar incômoda, culminando em um final emocionante onde Ellie e Joel conversam pela última vez. Percebemos o quanto é inválido o ciclo do ódio e o quanto suas consequências acabam frustrando as expectativas da pessoa que quer se vingar. Não só isso, atrai problemas e implica em pesadas consequências.
O roteiro, de maneira muito inteligente, utiliza todo o ódio gerado de maneira a fazer um estudo crítico sobre suas implicações e desenlaces. Seu realismo em tratar os sentimentos humanos com o peso que merecem acaba tornando-o um dos grandes trunfos do jogo e uma das razões pelas quais o título foi amplamente premiado. É uma jornada que eleva os sentidos e se traduz em uma odisseia dolorosa que deveria ser, ao menos uma vez, experimentada.
The Last of Us: Part II está disponível para PlayStation 4 e PlayStation 5.
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