A inteligência artificial vem ganhando cada vez mais holofotes. Este tipo de ferramenta acabou se popularizando com a OpenIA, empresa responsável por desenvolver o ChatGPT, e vem causando debates importantes para o futuro da humanidade. Não é de fato uma inteligência, mas uma forma de apresentar e organizar dados a uma maneira extremamente veloz. Os impactos da IA são discerníveis em diversas áreas, entre elas os jogos. Qual a importância da IA para a indústria dos videogames e quais as perspectivas para o futuro?
Nos últimos anos temos visto a ampliação do tempo de desenvolvimento de jogos principalmente no que se refere ao mundo dos triple A, isto é, jogos com grandes orçamento e marketing envolvidos. O prazo para que um game chegue às mãos do desenvolvedor desde a sua concepção é de cinco a seis anos. O custo envolvido também vem aumentando, com documentos recentes do julgamento do caso FTC v. Microsoft revelando que games como The Last of Us: Part II custam mais de 200 milhões de dólares para serem criados, um valor que corresponde a boa parte dos filmes da atualidade, para se ter uma ideia.
Muitos destes custos envolvem a complexidade destes projetos. Fazer captura de movimentos, construir cenários, propor e concretizar a criação de designs de personagens… Tudo se reflete em gastos para a empresa que vai criar os jogos.
Desenvolvedores independentes também podem encontrar dificuldades no tempo no qual dispõem para levar um jogo de sua autoria ver a luz do dia. A Inteligência Artificial já é usada por alguns destes criadores, os quais as usam para criar cenários inteiros como cidades, florestas e outros. Além disso, podem ajustar comportamentos de pessoas, inimigos e do ambiente em si.
Vamos abordar um uso mais específico: falas de personagens. Sabemos que NPCs de games não podem imitar o comportamento humano por razões óbvias. Um exemplo é que há um número de vezes nas quais podemos interagir com um personagem até que ele deixe de dar respostas (uma solução melhor) ou simplesmente comece a dizer a última frase dita repetidamente. Esta questão surge também em jogos de mundo aberto, nos quais há centenas (ou milhares) de personagens. Em tese, a IA poderia servir para desenvolver linhas de diálogos completamente novas e que não precisassem da intervenção humana.
Este tipo de solução pode ser empregado em vários outros campos como na construção de cenários, missões, personagens e no roteiro do jogo. Em tese, poderia haver uma sensível diminuição no tempo a ser utilizado para criar seções de um game e, portanto, maior rapidez para que ele chegasse ao mercado.
Contudo, o uso da Inteligência Artificial esbarra em diversas questões éticas, legais e até mesmo filosóficas. Um grande motivo é que a Inteligência Artificial que está em alta no momento é do tipo generativa. Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, ela não é “inteligente” no sentido mais próprio da palavra. Pelo contrário, a IA é treinada para criar conteúdo a partir de bases de dados já existentes. Isto implica em possíveis violações de direitos autorais que podem ser uma dor de cabeça para o produto final. Em IAs que geram imagens, esta discussão já ocorre.
Outro problema tem a ver com o mercado de trabalho envolvendo games. Para poder se chegar a um produto final são contratados roteiristas, artistas, programadores, dubladores e diversas pessoas com técnica e experiência que possam entregar um produto de qualidade. A Inteligência Artificial poderia ser contratada por empresas a fim de diminuir custos e substituir algumas destas funções. Este é um perigo real e que não deve ser desprezado, sendo um efeito negativo.
A precarização do trabalho a partir de uma possível facilidade de conteúdo também pode acabar não trazendo os benefícios que as empresas que desenvolvam os games queiram. Isto pode ocorrer de diversas maneiras. Por exemplo, pode acontecer a pasteurização de experiências através de criações “sem alma” e com pouco poder de atrair os jogadores. A IA também pode alucinar e desenvolver situações que não possuam enquadramento na lore de um jogo, distorcendo a personalidade de um personagem ou trazendo à tona cenários que não poderiam existir. Ainda há o problema da IA alterar a mensagem original a ser passada por um game, incutindo no projeto temas sensíveis de maneira ruim ou até mesmo refletindo preconceitos. Em suma, os humanos ainda são a melhor opção quando falamos de desenvolvimento dos jogos.
Um futuro otimista seria o uso responsável da Inteligência Artificial de forma que ela se tornasse uma ferramenta, mas de maneira alguma tomasse o lugar dos humanos envolvidos no desenvolvimento de um game. Ou seja, seria um elemento de suporte e um facilitador, mas nunca um substituto. Por exemplo, seria possível pedir para a IA criar elementos textuais que seriam refinados ou revisados, ou um conceito de mapa que seria melhor trabalhado etc. Todas as soluções envolvendo IA nos games, porém, deveriam observar a valorização de profissionais no mercado – assim como em outras áreas.
Embora seja uma área ainda nebulosa, a Inteligência Artificial já está sendo usada em vários games de diversos escopos. Um exemplo de uso vem da Ubisoft, que está usando a IA para criar linhas de diálogos e também roteiros para seus próximos jogos. Desenvolvedores independentes estão facilitando a criação de seus jogos com esta nova ferramenta e progredindo em seus projetos. Não se sabe como serão os jogos em um futuro no qual a tecnologia é cada vez mais disruptiva, mas é preciso ter em mente que, ao final das contas, o ser humano ainda desempenha e desempenhará um papel central na indústria dos videogames.
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Fontes: IGN, VGC e Folha de São Paulo