Quando comparamos jogos de um mesmo gênero, às vezes chega a ser impressionante notar como um mesmo conceito pode ser executado em níveis de qualidade tão díspares. No final das contas, dois jogos diferentes podem abordar as mesmas ideias, os mesmos sistemas de gameplay, e até mesmo os mesmos personagens, e ainda assim talvez entreguem experiências totalmente diferentes.
Quando eu fiz a análise de Agatha Christie – Hercule Poirot: The London Case em setembro, me deparei com um jogo bastante inconsistente. Embora ele tivesse uma narrativa de mistério até que interessante, a sua execução deixava muito a desejar, impactando a experiência como um todo. Qual foi a minha surpresa ao jogar Agatha Christie – Murder on the Orient Express e encontrar um jogo muito superior. Alguns dos mesmos temas e ideias se repetem aqui, mas as diferenças entre os dois faz parecer que estamos comparando água e vinho.
Um caso para o famoso detetive Poirot
Colocando o jogador novamente na pele do famoso detetive Hercule Poirot, Murder on the Orient Express adapta para os videogames um dos livros mais icônicos de Agatha Christie, no qual o detetive precisa desvendar um assassinato misteterioso que ocorreu em um trem preso em uma nevasca. Nesse sentido, quando eu falo em adaptar, deve-se entender o conceito em seu sentido mais amplo, já que existem diversas pequenas mudanças que podem surpreender os fãs do romance original.
Aqueles que leram ao Assassinato no Expresso do Oriente (ou assistiram a adaptação cinematográfica) encontrarão o plot principal da obra majoritariamente intacto. Os pontos principais da trama — incluindo a grande e bombástica revelação final — são basicamente os mesmos, mas o jogo Murder on the Orient Express adiciona diversos pequenos adendos espalhados por toda a campanha, incluindo até mesmo capítulos novos protagonizados pela detetive Joanna Locke, que funcionam como um tipo de prequel à trama principal.
Embora apresente similaridades à The London Case (incluindo o sistema do mapa mental), Murder on the Orient Express faz algumas modificações básicas ao sistema de movimentação e jogabilidade, tornando a experiência muito mais proveitosa. Ao invés de uma câmera fixa, o novo jogo da Microids apresenta um ponto de vista mais cinematográfico, com uma câmera posicionada sobre o ombro de Hercule Poirot. Com isso, o jogo te coloca ainda mais na ação, permitindo que você explore os ambientes do Expresso do Oriente de maneira mais ativa e interessante.
Colocando as células cinzentas para funcionar
Como mencionado anteriormente, Murder on the Orient Express traz de volta a mecânica do mapa mental. Em linhas gerais, esse é um sistema que serve ao jogador como um guia para as investigações feitas por Poirot. É um mapa que funciona como uma rede de informações, na qual é possível consultar, analisar e desbloquear novos conhecimentos a partir de análises de pistas, de interrogatórios, ou ainda por meio de comparações de evidências e testemunhos.
O mapa mental é, sem sombra de dúvidas, a parte mais única e interessante dos jogos da série Agatha Christie, já que eles funcionam muito bem como um guia que vai permear todo o seu progresso no jogo. Diferente do que você possa imaginar, esse mapa mental não tira a agência do jogador, oferecendo as respostas de mão beijada. Muito pelo contrário. Na verdade, para desbloquear novos nódulos e progredir com as investigações, o jogador precisa realmente se colocar no papel de Poirot, recriando linhas do tempo, encontrando contradições em testemunhos, ou ainda correlacionando informações de modo a entender o todo das investigações.
Além de ser um conceito interessante por si só, Murder on the Orient Express melhora as mecânicas do mapa mental enormemente, transformando cada momento em mini-puzzles muito mais interessantes do que os vistos em The London Case. Ao invés de simplesmente ligar nós quase que aleatoriamente, como acontecia em The London Case, Murder on the Orient Express organiza todas as informações de forma muito mais coerente e amigável, mas sem deixar a experiência mais fácil ou desinteressante.
Mais belo, mas não perfeito
No Nintendo Switch, a experiência de jogar The London Case ficava extremamente comprometida devido aos seus aspectos técnicos que deixavam muito a desejar. De modo geral, o jogo tinha visuais bastante simplórios e loadings muito longos no console híbrido. Comparativamente, Murder on the Orient Express apresenta uma experiência muito mais redondinha.
Visualmente, o jogo apresenta cenários bastante bonitos, mesmo que ainda não chegue aos níveis de um jogo AAA. O Expresso do Oriente, por exemplo, é um trem luxuoso, no qual podemos perceber um acabamento de madeira refinado que está presente em corredores e quartos, refletindo as luzes das lâmpadas e das janelas de maneira agradável. O design de personagens, por sua vez, é muito mais coeso e interessante, já que os modelos são menos realistas e mais estilizados, lembrando a direção de arte vista em um jogo como Dishonored.
Infelizmente, nem tudo é perfeito, já que o jogador ainda precisa lidar com algumas arestas presentes aqui e ali. Em alguns momentos, quando você tenta mudar de cenário ou iniciar um diálogo com algum personagem, o jogo “congela” por alguns instantes enquanto o próximo evento é carregado. É algo que acontece com uma frequência muito menor do que em The London Case, e não chega a atrapalhar muito a experiência; porém, é um detalhe a se considerar.
Anacronia e localização
Quando comparado ao romance original, uma das maiores mudanças presentes em Murder on the Orient Express está no fato de a Microids Studio Lyon ter decidido atualizar o período no qual o jogo ocorre. Ao invés de 1934, a história agora se passa em 2023, o que traz uma anacronia um tanto quanto curiosa.
Por um lado, essa mudança permite, por exemplo, que Poirot possa utilizar seu celular para tirar fotos de itens importantes e utilizá-lo para confrontar possíveis suspeitos. Contudo, isso me causou um estranhamento e alguns questionamentos que estiveram presentes em toda a campanha do jogo: porque o Expresso do Oriente não possui nenhuma câmera, nem maneiras de contactar ajuda? Porque todos os personagens ainda falam e agem de maneira extremamente antiquada? Às vezes, parece que mudaram o ano só por mudar, sem atualizar outros aspectos fundamentais à trama.
Considerando o grande foco narrativo de Murder on the Orient Express, vale destacar que o jogo possui legendas localizadas em português do Brasil. Contudo, tal qual The London Case, a tradução possui alguns probleminhas pontuais, incluindo personagens com o gênero trocado, ou ainda algumas frases traduzidas erroneamente. Esses erros não estão presentes em toda a campanha, mas podem causar algum estranhamento para aqueles que não conseguem entender as dublagens em inglês.
Review de Agatha Christie – Murder on the Orient Express: ótimo para os fãs do gênero
Dentre os jogos de Agatha Christie que eu tive o prazer (ou desprazer) de testar, Agatha Christie – Murder on the Orient Express é, definitivamente, a melhor opção disponível no Nintendo Switch. Afinal, além de adaptar de maneira muito satisfatória uma das melhores histórias da célebre escritora inglesa, Murder on the Orient Express ainda transforma em mecânicas todo o processo investigativo de Poirot.
Embora ainda possua alguns pequenos problemas aqui e acolá (que, talvez, possam ser resolvidos em futuros patches), a experiência de jogar Murder on the Orient Express é surpreendentemente interessante. É um jogo que eu consigo facilmente indicar para todos os fãs de Agatha Christie, e também para aqueles curiosos por uma narrativa detetivesca.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Microids
Ao melhorar quase todos os elementos presentes da série Agatha Christie, Murder on the Orient Express entrega uma experiência muito mais redondinha, capaz de agradar muito aos amantes de histórias de detetive.
- Narrativa
- Gameplay
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos)
- Desempenho