A The Game Kitchen surpreendeu os jogadores em 2019 com um metroidvania bem ousado em sua proposta: Blasphemous. Com um pano de fundo religioso com diversas semelhanças com o catolicismo, o jogo espanhol se apoiou na arte barroca e no simbolismo para construir uma aventura que se tornou um clássico quase que de maneira instantânea.
Agora, 4 anos depois, a pergunta é: Blasphemous 2 vale a pena? Vem comigo em mais um review do República!
O Penitente retorna!
A construção narrativa em Blasphemous 2 continua seguindo os passos fincados no primeiro jogo. Temos uma jornada que se apoia bastante na força de símbolos religiosos e em diálogos que beiram a subjetividade. Não é necessário jogar o primeiro pra compreender o básico da lore aqui, contudo, certamente você vai perder alguns detalhes adicionais sem o conhecimento do game anterior.
Beirando o elitismo, não espere entender o que se passa no mundo do jogo de maneira fácil. A linguagem é pomposa e toda a parte semiótica demanda um conhecimento avançado sobre religião. Esse detalhe causa um choque interessante no jogo.
A jogabilidade como um todo está muito mais acessível do que o jogo anterior. Como a Mea Culpa, espada que servia como o armamento do primeiro jogo, foi destruída, agora temos três armas inéditas que facilitam bastante os embates contra adversários. Contudo, o estúdio facilitou no combate mas manteve o jeito de lidar com a história inalterado. Eu entendo a intenção, mas ao meu ver a história de Blasphemous 2 é importante demais pro entendimento da nossa espiritualidade como um todo, portanto, penso que a compreensão da lore deveria ser facilitada.
A arte barroca funciona como um elemento narrativo poderoso e mesmo seguindo o estilo de pixel art que nem o game antecessor, os upgrades visuais são visíveis. Durante a minha primeira jogada, a duração de Blasphemous 2 ficou em 19 horas, com 99% do mapa completo e 96% do jogo concluído. Algumas orações ficaram pra trás e não consegui concluir três missões secundárias.
Cavaleiro errante
Além da história principal, Blasphemous 2 conta com missões secundárias misteriosas que ajudam a extender sua duração. A estrutura aqui segue o molde do jogo anterior: precisamos coletar itens de missão e entregar eles para NPCs específicos.
O problema é que boa parte das missões não são nada intuitivas e o jogador pode facilmente concluir o game sem nem ao menos encontrar os NPCs chaves em questão. Pra se ter ideia, eu zerei o jogo com 99% do mapa explorado, peguei todos os upgrades de vida, mana e abri todas as habilidades de armas e mesmo assim fiquei sem completar 4 missões secundárias. Ah, ainda obtive o final alternativo do jogo.
É compreensível a Game Kitchen seguir o padrão estabelecido pela FromSoftware e demais jogos do gênero onde não existem marcadores e os jogadores são lançados no universo sem muito auxílio, porém, nos games citados, os caminhos e as quests são intuitivas e podem ser facilmente concluídas ao prestar atenção e ao ler a descrição dos itens. Infelizmente esse não é o caso de Blasphemous 2. Em muitas missões secundárias eu descobri o que fazer por pura sorte e na base da tentativa e erro. Talvez o sistema tenha sido pensado de maneira proposital pra fazer o player rejogar múltiplas vezes mas não é uma solução que me agrada.
E é aí que entra em cena os colecionáveis e as paredes invisíveis. Similar às missões secundárias, as paredes ocultas na maior parte das vezes não possuem qualquer indicação visual ou sonora. Na metade pro final do jogo eu simplesmente saia golpeando todas as paredes até dar a sorte de encontrar alguma secreta. Tratando-se de colecionáveis, o número diminuiu consideravelmente em relação ao game anterior.
Agora temos Benesses, “santinhos” que garantem bônus passivos. Eles podem ser obtidos via missões e baús. Um sistema interessante das Benesses é que os “Santos” são divididos em categorias e, quando combinados da maneira correta, garantem bônus passivos poderosos. As Contas de Rosário retornam, assim como os frascos vazios de vida. As magias do Penitente são chamadas de Orações e apresentam dois subtipos: Versos e Cântico. Com efeitos diversos, algumas delas são bem desequilibradas e possibilitam que os chefes sejam mortos em segundos com pouquíssimo esforço por parte do jogador. O destaque aqui é o verso chamado de Milagre Carmesim. Um disco que retorna ao usuário e custa uma quantidade baixíssima de Fervor, permitindo que o jogador “exploda” os chefes.
Outro “colecionável” retornando são os querubins aprisionados em jaulas. Ao serem libertados eles concedem recompensas ao visitar a sala do NPC relacionado à missão. Boa parte dos anjinhos estão no caminho principal da história, contudo, uma pequena quantidade deles foram muito bem escondidos e vão dar trabalho para serem encontrados!
O arsenal do Penitente
A maior novidade de Blasphemous 2 e, claro, o maior ponto de evolução em relação ao primeiro: as armas. A espada Mea Culpa foi quebrada numa expansão do primeiro game e três novos armamentos entraram em cena nesse novo capítulo: O sabre Sarmiento e Centella, a espada Ruego Al Alba e o mangual Veredicto.
As armas concedem uma versatilidade muito bem vinda no combate, permitindo que os jogadores flertem com um sistema básico de “builds”. Quer focar em dano massivo, sacrificando velocidade de ataque? É possível. Quer jogar como se fosse um ninja, usando o sabre pra atacar rapidamente e dar desengage nos inimigos? Agora dá pra fazer isso!
Cada arma apresenta uma árvore de habilidades divididas em três níveis, combos específicos e, como se já não bastasse, foram completamente integradas na exploração do jogo, sendo usadas para resolver puzzles espalhados pelo mapa. O sabre permite que o protagonista seja lançado em direção à espelhos, a maça é usada pra golpear sinos e fazer com que plataformas apareçam de maneira temporária, já Ruego Al Alba pode destruir vinhas quando o jogador usa um golpe de pulo.
Além da integração com a exploração, a movimentação foi aprimorada em níveis absurdos. Os controles estão bem mais responsivos e o Penitente possui diversas habilidades de travessia como o dash no ar, pulo duplo, a capacidade de se pendurar em anjos e muito mais. Essas habilidades são obtidas ao coletar Relíquias de Contrição e aqui voltamos pro problema da falta de intuitividade. Em dados momentos da história, vamos precisar de uma habilidade específica de travessia pra avançar na história. O problema é que, graças à ausência de marcadores, muitos jogadores devem ficar empacados por que algumas dessas relíquias estão em lugares bem difíceis de serem encontrados.
A estrutura metroidvania demanda o backtracking, algo normal pro gênero, porém, o teletransporte entre os altares só é desbloqueado quase que no final da aventura, o que não ajuda nem um pouco no quesito incentivo de exploração. Até lá, ficamos reféns das salas de teletransporte. Cada seção do mapa apresenta uma delas, contudo, algumas estão “trancadas” demandando habilidades de travessia específicas. Como contraponto, a quantidade de altares (que servem como checkpoints) está muito maior do que no jogo anterior, o que colabora pra diminuição do nível de dificuldade do game como um todo. Tratando-se de dificuldade, Blasphemous 2 é muito mais acessível que o título anterior, o que reflete as mudanças aplicadas no gênero nesses últimos 4 anos.
Chefes e inimigos comuns
Falando em dificuldade, os chefes de Blasphemous 2 me fizeram sorrir em diversos momentos. O design desses adversários únicos está impecável, tornando-os inesquecíveis. O projeto segue usando o Pixel Art, propiciando um charme maravilhoso que usa elementos do barroco pra se destacar perante os demais games do gênero.
Num caminho contrário ao dos chefes, os inimigos comuns são uma decepção. Boa parte veio reciclada do primeiro jogo e os inéditos não apresentam um design tão expressivo quanto os monstros de Blasphemous 1. Essa falta de variedade chega a incomodar um pouco mas não chega a ser um problema grave pela duração do game.
Glória aos Devs!
Do ponto de vista técnico, Blasphemous 2 beira a perfeição. Não tive nenhuma queda de frame, bugs ou crashes, o que era de se esperar visto que o jogo não exige tanto do console. A Game Kitchen chega a flertar com o DualSense, apesar de não ter explorado nem metade do potencial sensorial que o controle oferece. Os loadings também são ultra-rápidos, favorecendo o loop de gameplay. Morreu? O recomeço é quase que instantâneo.
Apesar da boa execução técnica, é na parte artística que o estúdio se destaca. Os visuais em Pixel Art impressionam pelo nível de detalhes e, claro, as inspirações barrocas que foram inseridas nos cenários, objetos e personagens. A parte literária do jogo, apesar de dificultar o entendimento da história, também reforça o quanto a equipe se esforçou com a finalidade de entregar uma experiência autêntica e imersiva ao máximo. Por fim, mas não menos importante, toda a parte sonora, contando trilha e efeitos, é digno de nota, reforçando o “mergulho” nesse universo fantástico construído pelos devs.
Review de Blasphemous 2: Vale MUITO a pena!
Apesar de não ser perfeito, Blasphemous 2 é um exemplar bem acima da média e deve ser jogado por qualquer pessoa que se entitule fã de metroidvanias ou soulslikes. Se você gostou do primeiro jogo, diria que a sequência chega a ser obrigatória, visto que ela melhora quase todos os aspectos do antecessor. A Game Kitchen está em um caminho certeiro e não tenho dúvidas de que seu próximo trabalho será sua magnum opus!
Blasphemous 2 é uma sequência feita do jeito certo. O estúdio aprimorou todos os aspectos que já eram bons e reforçou as partes mais fracas do jogo anterior. Apesar de não ser perfeito, é uma experiência bem acima da média no gênero metroidvania.
- Narrativa e Lore
- Gameplay
- Conteúdo Secundário
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos)
- Desempenho