Imagine se o seu tempo na Terra fosse “cronometrado”. Você nasce já sabendo até quantos anos você vai viver e o dia exato de sua morte. Essa é a premissa de Clair Obscur: Expedition 33, um jogo desenvolvido pelo estúdio francês Sandfall Interactive e publicado pela Kepler Interactive.
Desde o seu anúncio, o jogo pegou toda a comunidade de surpresa. Com visuais belíssimos, fortemente pautados na Belle Époque, um elenco de voz de peso, que conta com nomes como Charlie Cox e Ben Star, uma trilha sonora que arrepia, composta por Lorien Testard e um sistema de combate que promete ser a revitalização necessária para o sistema de turnos, é difícil não cultivar interesse pelo jogo.
Felizmente, eu tive a oportunidade de jogar o projeto da Sandfall Interactive de maneira antecipada, e, graças a isso, posso trazer pra vocês esse review de Clair Obscur: Expedition 33. Caso você tenha preguiça e não queira ler o texto por completo, já deixo cravado – é um dos melhores jogos que eu já joguei e facilmente um dos melhores RPGs já criados.
São os teimosos que mudam o mundo
Como eu mencionei acima, o mundo de Clair Obscur é marcado pela tragédia. Todo ano, uma entidade conhecida como a Artífice pinta um número numa pedra gigantesca chamada de Monólito. Todas as pessoas que possuem a idade pintada no Monólito desaparecem. Sim, no maior estilo Thanos. A diferença é que aqui não é com o estalar dos dedos e sim uma pincelada.
Diante desse contexto, a humanidade criou as Expedições, grupos formados por militares e cientistas que partem numa jornada para derrotar a Artífice. As Expedições começaram no número 0, indo depois para a 99 e a atual, a que serve como protagonista da história, é a Expedição 33.

Uma coisa que eu apreciei bastante é que o jogo é sobre lutar pelas pessoas que ainda estão vivas e também pelas que já se foram. A esperança e a melancolia andam de mãos dadas e esse aspecto me lembrou de uma série fantástica que gosto muito – The Leftovers. A premissa é bem similar.
A missão das Expedições, considerada basicamente uma missão suicida, é repleta de perigos. A Artífice tem um exército de monstros chamados de Nevrons, o que dificultou o progresso das expedições. Eu não darei mais detalhes da história para que você desfrute dela por completo.
O que irei dizer é que ela é cheia de reviravoltas, momentos emocionantes e diálogos super inteligentes e reais que confere a cada um dos personagens uma personalidade que perpassa a barreira do virtual.
O suprassumo de um RPG, ao menos pra mim, é entregar personagens que são tão vivos, reais, multifacetados e inesquecíveis que, loucamente, acabam se tornando parte de nós. Mesmo que de forma comedida, naquelas poucas dezenas de horas que dedicamos ao jogo em questão. E, eu fico muito feliz em dizer, Clair Obscur: Expedition 33 acerta em cheio nisso.

Todos os membros da “Expedição Desastre” foram escritos de maneira divinamente bem. Até os Nevrons, que não são humanos, possuem tanta personalidade, aspirações e vida que é difícil não ser cativado por eles.
A relação dos humanos com os Nevrons e os Gestrais, como Noco, Esquie e Monoco, me lembrou uma outra jornada escrita por um francês. A obra em questão? Um pequeno grande livro chamado O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry.
Em um mercado com jogos cada vez mais inflados e com um conteúdo sem valor, é raro e precioso achar um jogo longo mas que é tão bom e tão bem escrito que nos deixa com uma sensação de vazio e tristeza após terminá-lo.
A tremenda qualidade de Clair Obscur: Expedition 33 pode ser parcialmente explicada pela paixão e as inspirações do time. O diretor, Guillaume Broche, é um grande fã de JRPGs e temos inspirações claras em várias obras consideradas clássicas do gênero. Os Gestrais por exemplo me lembraram muito os Kupos, uma das figuras mais emblemáticas da franquia Final Fantasy da Square Enix.
A narrativa do jogo da Sandfall é densa. Ela vai te fazer rir, chorar, sentir raiva, brincar com sua percepção e, o mais importante de tudo, deixar um apetite enorme por mais. A lore criada pelo estúdio francês é fantástica e abre espaço para mais!
Clair Obscur: Expedition 33 exige entre 25 a 30 horas para concluir a campanha na dificuldade Normal. O 100%, sem um guia, deve levar em torno de 60 horas.
Nós Persistimos
O combate de Clair Obscur: Expedition 33 é uma bela surpresa. Principalmente pra mim que não sou um fã de jogos de turno. O chamariz de Clair Obscur, a revitalização do combate em turnos, foi um dos principais atrativos que me fizeram criar interesse pelo jogo e a Sandfall entregou isso de maneira sublime.
Ao usar habilidades, um prompt aparece na tela e, caso a gente aperte o botão que aparece no momento certo, o ataque é amplificado. Esse sistema já existia antes, contudo, o estúdio foi além, inserindo ele nos sistemas de defesa.
Podemos pressionar o botão um pouco antes de receber um ataque para aparar ele. Boa parte dos inimigos acionam cadeias de ataque, o que transforma o combate quase que em um jogo rítmico caso você queira.

Ao aparar todos os ataques, o personagem ou o grupo inteiro (quando disponível) aciona um contra-ataque poderoso que ajuda e muito nas batalhas. Caso você queira jogar no seguro, o game também apresenta um sistema de esquiva robusto.
Em suma, essa presença quase que constante de QTEs faz com que o jogador preste mais atenção nas lutas e afaste aquele marasmo que JRPGs acabam causando. As inspirações em Final Fantasy e em Dark Souls são bem claras aqui, principalmente nos embates contra os chefes.
As lutas contra os chefes principais acontecem em arenas surreais, com uma trilha sonora que ao meu ver é uma das melhores dos últimos 5 anos. Eles possuem um leque de ataques e habilidades bem amplo e visuais que certamente vão ajudar a fixar seus nomes na memória dos fãs.
A progressão e o sistema de loot são bem simplificados e eu gostei dessa decisão por parte da equipe. Pode não parecer, mas Clair Obscur: Expedition 33 é um AA feito por um estúdio com 30 desenvolvedores fixos. Tornar o loot e o sistema de equipamentos mais complexo certamente faria com que o jogo tropeçasse nesse sentido.
Podemos equipar armas e três Pictos. Os Pictos são equipamentos com atributos diversos e um efeito passivo. Os atributos vão desde à aumento de HP até agilidade, que faz com que um personagem tenha seu turno mais rápido na luta.

Um elemento interessante é que cada Picto tem um efeito passivo. Um deles por exemplo concede +1 Ponto de Ação, recurso usado para acionar habilidades, toda vez que um personagem faz uma esquiva perfeita. Ao vencer 4 lutas com um Picto equipado, o efeito passivo é masterizado e pode ser equipado em qualquer membro do grupo mesmo sem o Picto estar equipado.
Para servir como um nivelador da progressão, existe um limite para quantidade de efeitos de Pictos que podemos ativar. Cada efeito desse tem um valor de Lumina pré-determinado. A quantidade de Lumina que cada jogador possui pode ser aumentada através de Tomos de Lumina e ao subir de nível. Esses Pontos de Lumina podem ser encontrados ao explorar, ao derrotar chefes secundários e principais e comprando com mercadores.

Eu tenho alguns personagens com mais de 300 pontos de Lumina e ainda não cheguei no limite máximo. Quanto maior sua capacidade de Lumina, maior a quantidade de buffs equipados e, acredite, os personagens ficam extremamente poderosos. Explicando talvez pareça um pouco complexo mas tudo funciona de maneira super intuitiva e o jogo entrega um senso de escala de poder fantástico. Você sente que seu grupo está evoluindo e ficando poderoso.
As opções de builds também são diversas. Cada um dos personagens jogáveis apresenta um leque bem amplo de habilidades com variados efeitos. Temos magias de cura, de fogo, de raio, de gelo, de terra, de luz, de trevas e por aí vai.
A Sandfall abraçou o conceito de menos é mais e eles não poderiam ter acertado mais nesse sentido!
Respeito ao jogador
Uma das coisas que mais me incomoda nos jogos mainstream recentes é o fato deles terem conteúdo inflado puramente para render mais. Colecionáveis sem sentido e que não adicionam nada para a lore, atividades secundárias pensadas sem carinho, exploração que não recompensa e por aí vai..
Fico feliz em dizer que Clair Obscur: Expedition 33 segue um caminho contrário a tudo isso. Cada detalhe do jogo existe nele com propósito. Os colecionáveis, chamados aqui de Diários de Expedição, expandem a lore fantástica criada pelo estúdio.

As atividades secundárias consistem em concluir missões para os nevrons, participar de jogos gestrais, recuperar crianças gestrais (os seres que lembram os Kupos) e concluir masmorras, sendo boa parte delas claramente esculpidas para serem o conteúdo endgame do jogo. Temos até duas delas que são quase um easteregg das Weapons de Final Fantasy, demandando um nível altíssimo e uma build muito bem montada para conseguir vencer.
Os minigames, apresentados aqui nas praias gestrais, são divertidos e inusitados. Podemos até disputar partidas de vôlei contra eles (!!!). Os desafios de plataforma a lá Fall Guys também se fazem presentes.

Minhas duas únicas reclamações em relação à exploração vão pra dois fatos conectados entre si: a ausência de minimapas dentro das dungeons e não existir uma indicação visual clara para as dungeons que já completamos.
No começo, não ter um minimapa chega a incomodar um pouco, contudo, do meio pro final eles acabam se mostrando desnecessários graças à estrutura semilinear dos mapas. Uma das partes mais divertidas de explorar em Clair Obscur é usar Esquie, o nosso aliado gestral gigantesco, para andar pelo mapa do mundo.

Se você se considera fãs de JRPGs, você vai se esbaldar aqui.
Uma bela pintura
É inacreditável que a Sandfall, com menos de 50 pessoas no estúdio, conseguiu entregar Clair Obscur: Expedition 33. Isso mostra um trabalho quase que natural por parte do produtor do jogo. Os visuais não ficam devendo em nada para muitos AAAs recentes, isso sem falar na qualidade do roteiro e da trilha sonora.
Por se passar na Belle Époque, podemos ver várias construções baseadas na época e as vestes seguem o padrão do fim da Era Vitoriana, ajudando na imersão do game e concedendo a ele uma identidade visual própria.
Durante minhas 30 horas com o jogo no PS5 Pro, não tive nenhum problema de crash ou bugs, apenas quedas de frames pontuais nas cutscenes. No começo, fiquei um pouco em dúvida sobre o bloom effect nos cenários, mas com o tempo você entende que é uma decisão artística para dar um aspecto onírico ao jogo.

A direção de cutscenes brilha muito e, somando isso a um elenco de voz que conta com nomes estelares, é difícil não ficar rendido pela história de Clair Obscur. O ritmo é intenso, as consequências são severas e as descargas de adrenalina são constantes. Como mencionei lá no começo do texto, a narrativa do jogo tem um pouquinho de cada sentimento e tudo é disposto de maneira bem dosada e com um timing perfeito.
Por falar em perfeição, os setpieces são absurdos e quando fundidos com a trilha sonora, uma das melhores que eu já escutei em um jogo, se torna impossível não ficar impressionado com Clair Obscur. Chega a ser engraçado. Praticamente em cada dungeon nova que eu entrava, eu repetia pra mim mesmo: “é impossível que esse estúdio só tem 30 devs”. E esse é um sentimento que descreve lindamente a experiência de jogar Clair Obscur.
Review de Clair Obscur: Expedtion 33 – Obrigatório!
Clair Obscur: Expedition 33 é um daqueles poucos jogos que ecoam em nossa alma. A história é inteligente e inesperada, os personagens cativam, o combate vicia, a exploração e progressão respeitam o jogador.
Cada detalhe do jogo, do menor ao maior, exala a paixão avassaladora que a equipe da Sandfall Interactive teve pelo projeto.
Agora, tudo que me resta, ou melhor, nos resta, é isso. Esperar pela próxima expedição do estúdio e torcer para que ela não demore. Até lá, nós persistimos.
Clair Obscur: Expedition 33 é um daqueles jogos especiais que são uma raridade no mercado. Cada pixel do jogo exala a paixão gigantesca do estúdio pelo projeto. Vai ser difícil jogar RPGs de turnos após ele. O padrão de qualidade subiu muito!
Pontos Positivos
- História surpreendente
- Revitalização do combate por turnos
- Personagens cativantes
- Trilha sonora sublime
- Conteúdo secundário respeita o jogador
Pontos Negativos
- Ausência de uma indicação visual das dungeons completadas
- História
- Jogabilidade
- Desempenho
- Visuais
- Som