Quando vamos jogar a sequência direta de algum jogo de videogame que conhecemos, na maior parte das vezes, nós já sabemos exatamente o que esperar. E não estou querendo trazer nenhuma crítica à indústria com isso — esse tipo de situação acaba sendo um reflexo natural de como a indústria dos jogos funciona.
Afinal, na maior parte dos casos, uma sequência direta possivelmente vai utilizar boa parte das mecânicas e estruturas vistas no jogo anterior, provavelmente expandindo a narrativa em novas direções, ao mesmo tempo em que introduz alguns elementos novos àquela experiência já conhecida.
Darkest Dungeon 2 não é bem assim.
Não me entendam mal, Darkest Dungeon 2 é sim a sequência do primeiro Darkest Dungeon, lançado inicialmente em 2016 para Steam, e, desde o estilo artístico sombrio até o combate profundo e extremamente punitivo, ele mantém muito do DNA que estava presente no primeiro jogo. Porém, ao mesmo tempo, Darkest Dungeon 2 modifica sua estrutura de jogo de uma maneira tão fundamental, que em certos aspectos ele parece um jogo inteiramente novo.
Todavia, embora alguns fãs de longa data tenham achado essas mudanças bastante negativas, minha opinião geral é que DD2 é um jogo tão bom quanto o primeiro, mas por motivos muito diferentes.
Rumo ao abraço da escuridão
A mudança mais radical entre o primeiro e segundo jogo está na sua estrutura de campanha. Em linhas gerais, o modo história de Darkest Dungeon 1 funcionava como uma longa e singular campanha de RPG, onde você recrutava um grupo expansivo de heróis, explorava diversas dungeons com níveis de dificuldade ascendentes, até eventualmente chegar à titular “masmorra mais escura”, onde você poderia tentar derrotar a entidade que estava trazendo todo o mal para aquela região.
Com um sistema de morte permanente de heróis, e inimigos e situações extremamente punitivas, o desafio era dominar todas as mecânicas e conseguir treinar seus heróis durante as mais de 50 horas que você levaria até chegar ao final do jogo.
Darkest Dungeon II subverte toda essa estrutura ao adotar ainda mais elementos de jogos roguelike. Agora, ao invés de uma cidade cercada por masmorras diferentes, o seu grupo de heróis partem em uma carroça, atravessando diversas regiões perigosas até eventualmente chegar à montanha que abarca os maiores agouros da região.
Diferente do primeiro jogo, esse trajeto todo não costuma durar mais do que uma hora, mesmo em uma run bem-sucedida. Na maior parte das vezes, contudo, você acabará perecendo no meio do caminho e terá que recomeçar a jornada do zero.
Graças a essa mudança, Darkest Dungeon II lembra, em termos de estrutura, algo muito mais próximo de um Slay the Spire, incluindo até mesmo o modo como o caminho até a montanha é apresentado. Isso significa que cada uma das diferentes regiões do jogo estarão divididas em caminhos distintos, que podem se bifurcar e se reconectar de diferentes maneiras.
Embora você não tenha um controle totalmente livre da sua carroça (você pode no máximo movê-la ligeiramente para a direita e esquerda em uma estrada linear, evadindo-se de obstáculos), ao chegar em uma dessas bifurcações, você pode optar por caminhos distintos, que podem variar enormemente. Encontros com inimigos, lojas, hospitais, templos para reflexão… Escolher o caminho ideal é muito importante para o sucesso de cada tentativa.
Uma proposta arriscada
Embora eu gostasse muito da longa campanha presente em Darkest Dungeon, a minha opinião sobre a nova estrutura presente nesse segundo jogo foi bastante positiva. Com runs mais curtas, Darkest Dungeon II é um jogo que incentiva mais o jogador a tentar formações diferentes entre os diversos personagens.
Além disso, como você encontrará coisas únicas em cada run (incluindo novos itens, além da possibilidade de desbloquear novas habilidades para cada herói), o jogo está constantemente apresentando algo novo. Vale ressaltar também que a morte permanente é bem menos punitiva agora. No primeiro jogo, perder um herói nível máximo depois de 30 horas de jogo era um baque absurdo. Agora, o impacto fica limitado àquela run em específico.
Mesmo com essa estrutura de runs mais curtas estilo roguelike, Darkest Dungeon II ainda oferece diversos sistemas de progressão, com inúmeros upgrades permanentes que podem ser desbloqueados no início de cada partida. Basicamente, funciona da seguinte maneira: as ações mais importantes de cada campanha (como derrotar um subchefe, ou completar objetivos específicos de cada herói) são recompensadas com velas, um tipo especial de “moeda” dentro do jogo.
Ao término de cada run, você pode utilizar essas velas em diversos tipos de upgrades, que incluem melhorias específicas para sua carroça, upgrades para os seus heróis, ou ainda o desbloqueio de novos itens que podem começar a aparecer em campanhas subsequentes. No início, até mesmo os outros heróis precisam ser liberados para aumentar as suas opções ao iniciar cada run.
Como consequência desse sistema, Darkest Dungeon II consegue prender o jogador por dezenas de horas, durante as quais você vai melhorando os seus times progressivamente, aumentando assim as chances de chegar ao final da campanha. Além disso, o jogo é dividido em cinco atos distintos, com campanhas que vão ficando progressivamente mais desafiadoras, com novos tipos de inimigos (e outros desafios) aparecendo quanto mais você avança.
Todos os heróis são humanos (e falhos)
Para além de sua estrutura, um dos pontos mais altos de Darkest Dungeon II está em como o combate é estruturado de modo a explorar cada uma das habilidades únicas dos vários heróis disponíveis. Nesse aspecto, o jogo mantém diversos elementos de seu predecessor, já que os combates ocorrem por meio de um sistema de turnos, onde tanto o seu time quanto o time inimigo são dispostos em uma linha na qual o posicionamento é de fundamental importância para o uso de habilidades específicas.
Isso significa que cada time pode ter até quatro membros, que estarão situados em quatro posições distintas. Heróis que utilizam ataques corpo-a-corpo geralmente precisam estar posicionados na frente do time para conseguir utilizar essas habilidades. Personagens que atacam a distância, por sua vez, devem ficar na retaguarda. A mesma lógica é aplicada para todos os inimigos. A grande sacada de Darkest Dungeon II está em como ele utiliza essa base simples para criar um sistema de batalha extremamente profundo e punitivo, mas igualmente recompensador quando dominado.
Isso acontece, pois as habilidades vão ficando cada vez mais específicas conforme você começa a entender melhor esses sistemas. Um herói curandeiro, por exemplo, pode ter em seu arsenal diversas magias e habilidades que só podem ser utilizadas quando estiver na quarta ou terceira posição. Inimigos podem utilizar isso como vantagem, usando habilidades que puxem o curandeiro para a frente do time, desabilitando-o.
Por outro lado, o mesmo pode ser feito pelo jogador. Balancear o posicionamento e as habilidades ideais para cada situação se torna a base fundamental para a estratégia a ser implementada em cada rodada.
Outro aspecto que transforma o combate de Darkest Dungeon II em algo extremamente único é o seu sistema de estresse. Além da sua típica barra de HP, os heróis possuem também essa barra de estresse. Determinados ataques ou situações podem influenciar essa barra positiva ou negativamente, e quando ela chega ao máximo, a sanidade do herói é colocada em jogo.
Nessas situações, os heróis podem adquirir comportamentos extremamente nocivos — ou, caso você tenha sorte, podem tornar-se confiantes e resolutos. De toda forma, é uma mecânica que adiciona uma camada extra de complexidade, tornando toda a experiência ainda mais interessante (e muitas vezes angustiante).
Há uma certa beleza na escuridão
Toda a experiência de Darkest Dungeon II é apresentada com uma direção de arte extremamente única e impressionante. Aqui, parte do estilo artístico repleto de sombras e hachuras presentes no primeiro jogo foi brilhantemente transportado para cenas e ambientes 3D, onde elementos do cenário e personagens mesclam-se brilhantemente em um estilo artístico coeso e chamativo. Tudo isso é acompanhado por uma trilha sonora sinistra e marcante, que faz um ótimo trabalho de acompanhar o momento a momento da sua jornada sombria até a montanha.
Embora Darkest Dungeon II englobe mais elementos narrativos do que o seu predecessor (incluindo segmentos onde você consegue conhecer o passado de cada um dos diversos heróis), jogadores mais interessados em uma narrativa coesa e linear poderão ficar decepcionados, já que o jogo está mais interessado em mencionar pedaços de lore desse universo do que necessariamente apresentar uma história grandiosa. Contudo, vale ressaltar que o jogo todo está localizado em português do Brasil, o que certamente colabora com a imersão nesse universo.
Diferente de alguns outros indies lançados no Switch em 2024, Darkest Dungeon II roda perfeitamente no híbrido da Nintendo, e eu não tive quaisquer problemas durante as dezenas de horas que joguei. A maior reclamação que eu poderia realizar em relação a versão “de console” do jogo está no fato de seus menus serem bastante convolutos e algumas vezes difíceis de se acessar com o controle. Verificar informações específicas sobre habilidades ou inimigos pode parecer um desafio próprio às vezes, com menus que abrem em cima de menus. Ao menos, a natureza de turnos do jogo faz com que esse problema não atrapalhe diretamente na jogabilidade.
Review de Darkest Dungeon 2 – diferentemente excepcional
No final das contas, Darkest Dungeon II pode parecer uma experiência bastante distinta quando comparada ao primeiro jogo, mas suas diferenças trazem diversos aspectos interessantes para transformar essa sequência em um jogo profundo e divertido. Em termos de desafio, Darkest Dungeon 2 continua apresentando uma experiência brutal, onde você provavelmente falhará inúmeras vezes. Todavia, graças a sua nova estrutura, essas falhas passam a fazer parte de uma longa jornada de aprendizado e descoberta.
Se você é fã do primeiro jogo, eu sugiro que você comece Darkest Dungeon 2 com a mente aberta para receber uma experiência bastante diferente. Em todo o caso, seja você um fã de longa data ou alguém que está interessado em uma experiência mais desafiadora, saiba que você estará embarcando em uma jornada bastante divertida. Isso é, se você ousar explorar a “masmorra mais escura”.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pelo Red Hook Studios.
Darkest Dungeon II é um jogo com uma estrutura muito diferente do seu predecessor, porém igualmente desafiador e interessante. Com runs mais curtas, esse RPG em turnos exige muita estratégia com o seu sistema de combate único e bastante profundo.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Progressão
- Desempenho
- Visuais
- Trilha Sonora