Eu ainda me lembro do dia em que eu joguei Assassin’s Creed Origins pela primeira vez. O jogo era altamente esperado por trazer uma repaginação completa na franquia, aproximando-a mais do gênero RPG. A jornada Bayek foi fantástica e, logo após isso, mergulhamos nas histórias de Alexios/Cassandra e, após isso, na de Eivor.
7 anos depois do lançamento de Assassin’s Creed Valhalla, Shadows chega com uma missão duríssima pela frente: revitalizar uma fórmula que dá claros sinais de envelhecimento e, como se já não bastasse, garantir um futuro para a Ubisoft.
Será que o time liderado por Jonathan Dumont conseguiu? É isso que você vai descobrir neste review de Assassin’s Creed Shadows!
Um sonho de longa data
Faz alguns bons anos que os fãs de Assassin’s Creed pedem uma coisa: um jogo ambientado no Japão Feudal. Foi uma longa jornada até aqui e finalmente esse momento chegou. Como pano de fundo para a história, controlamos Naoe e Yasuke, a dupla de protagonistas que inaugura um estilo narrativo na franquia. Falarei um pouco mais sobre essa estrutura narrativa inédita em breve.
A história é ambientada em 1579, época em que o período Sengoku, um dos mais conturbados da história do Japão, estava perto de terminar. Nós podemos sentir como era o período ao jogar.
Vilarejos completamente destruídos, bandidos se aproveitando dos mais fracos, forças militares fragmentadas, pessoas crucificadas queimadas. Era um período duro para se morar no Japão.

Com dois protagonistas com personalidades, estilos de combate e missões específicas distintas, esse é o Assassin’s Creed mais rico narrativamente falando. O estúdio fez um trabalho impecável nesse departamento.
Os diálogos estão impecáveis, as expressões faciais melhoraram muito e agora conseguirmos nos conectar emocionalmente em um nível mais profundo, passando a se importar com os personagens e seus dilemas. O desenvolvimento dos personagens é muito bem feito e no final, o sentimento é de desejar uma sequência com eles.

Yasuke, personagem que acabou gerando várias polêmicas no período de pré-lançamento, se tornou meu personagem predileto em toda a franquia. Sua linha de missões, tanto principais quanto secundárias, são algumas das melhores coisas já criadas na saga.
Além disso, é prazeroso ver o vínculo de amizade que vai sendo formado entre os dois. Todo mundo sabe que a Ubisoft é mestre em ambientação visual, contudo, em Shadows, a equipe se superou e conseguiu complementar os elementos visuais e auditivos com a escrita. Eu joguei no modo imersivo, com os diálogos em japonês e a experiência é fantástica.
Toda a lore do Japão Feudal, se é que podemos chamar assim, está presente. O código de honra dos samurais, as batalhas entre clãs, o desejo por unificação, o medo da ameaça exterior representada pelos portugueses e a presença constante do xintoísmo e budismo.. É difícil não ficar imerso no mundo de Shadows.
E por falar em elementos visuais, as cutscenes lembram demais os filmes do lendário Kurosawa e suas influências são evidentes, principalmente quando usamos certas aptidões (habilidades especiais) e a tela fica em preto e branco e somente o sangue com cor.

Diferente dos jogos antecessores que seguem essa linha RPG, Shadows se apoia pouco na mitologia e apresenta um mundo visceral e cruel, onde os seres humanos são piores do que yokais. O jogo inclusive brinca com essa dualidade em uma das missões secundárias, não deixe de conferir!
É claro que nem tudo é perfeito. Eu já vinha sentindo que a subtrama do Animus está sendo cada vez mais deixada de lado e Shadows praticamente confirmou isso. Outro ponto é que várias perguntas da trama acabam ficando sem respostas, indicando DLCs ou quem sabe uma sequência!
Por fim e não menos importante, tenho sentimentos conflitantes com a estrutura das missões. Em Shadows, temos um quadro que fica cheio de Objetivos que precisam ser concluídos. Eu gosto dessa ferramenta para visualizar as missões que estão disponíveis, contudo, senti que o Mural carece de uma definição melhor do que é uma missão principal e o que é uma missão secundária.

O jogo meio que trata todas as missões como se fossem principais e as vezes isso gera confusão e pode deixar o jogador empacado. O quadro de missões é gigantesco e a cada momento surge uma nova para ser feita.
Seja água
Sem saber, o lendário Bruce Lee deu uma dica fundamental para mandar bem no combate de Assassin’s Creed Shadows: seja água! O loop de gameplay consiste em aparar/esquivar de golpes e deixar os inimigos vulneráveis para despachá-los rapidamente.
Naoe, com foco em agilidade e furtividade, pode usar uma Katana, um Tanto ou uma Kusarigama, além, claro, da Lâmina Oculta. Yasuke, meu preferido, oferece uma experiência similar à jogar com Optimus Prime no Japão Feudal.

Corpulento e brutal, ele usa armas pesadas como a Katana Longa para despedaçar os inimigos e atropelar tudo que estiver pela frente (literalmente). Sua corrida é tão forte que ele é capaz de destruir portas de madeiras trancadas.
Essa dualidade entre os protagonistas foi explorada com perfeição no combate e temos amplas possibilidades de builds. Você pode focar no combate à distância, no combate corpo a corpo, em construir builds focadas em aplicar efeitos como veneno, atordoamento ou sangramento e por aí vai. Existem árvores de habilidades gerais para cada um dos personagens e cada tipo de arma conta com uma árvore própria, o que ajuda a destacar a enorme variedade de builds presentes.
Um ponto positivo é que podemos resetar esses skills a qualquer momento, incentivando a experimentação.

O combate está extremamente prazeroso, responsivo e sangrento. O jogo conta com vários ataques finalizadores à la Ryse: Son of Rome que vão deixar os amantes do gênero ação bem satisfeitos. O problema é que o sistema é uma faca de dois gumes. Como a equipe gravou poucas animações para as finalizações, elas começam a se repetir com poucas horas de jogo e, após dezenas de horas, você já vai estar de saco cheio.
Outro problema, esse originado por se afastar dos elementos mitólogicos, são as batalhas contra chefes. Temos apenas duas ou três que são memoráveis e o resto se assemelha a enfrentar um inimigo qualquer mas com uma barra de vida maior. A trilha sonora é fantástica, mas mecanicamente os chefes são bem pobres e representam pouca ameaça.
Por fim, mas não menos importante, pra mim o maior problema do combate: o sistema de loot. Podemos adquirir equipamentos ao concluir castelos, ao abrir baús e ao comprar com mercadores. Os itens tem níveis diferentes de raridade e segue uma cartilha similar a Diablo, indo de comum até lendário.
E aí já é o primeiro problema. É muito mais fácil conseguir itens lendários no jogo do que épicos que, na prática, são de um nível de raridade menor. Outro ponto é a frequência. Pegamos tantos equipamentos que eles se tornam inúteis rapidamente e no late game o ideal é montar uma build, logo, você vai se manter com os mesmos equipamentos.

Só que o jogo não foi feito para suportar o próprio sistema de loot. Não existe um sistema para selecionar vários equipamentos e vender por exemplo. Você tem que segurar X por dois segundos em cada item. Caso você goste de uma arma e obtenha ela no nível 20 e fique usando ela até o nível 40 por exemplo, você vai gastar uma quantidade absurda de recursos para fazer isso.
Faltou um planejamento melhor do time em relação aos equipamentos. E isso acaba afetando profundamente um outro setor que comentarei a seguir – o conteúdo secundário.
Uma maratona na terra do Sol
Explorar em Assassin’s Creed Shadows é como correr em uma maratona. É um grande exercício de checklist mental e isso, ao meu ver, é o maior defeito do jogo.
Após Assassin’s Creed Valhalla, esperava-se que eles corrigissem várias falhas graves do antecessor, contudo, boa parte dos sistemas que incomodaram milhões de jogadores se fazem presentes aqui.
Temos atividades secundárias legais mas que graças a pouca variedade de tipos, elas se tornam repetitivas extremamente rápido. Temos Kunfus que são tumbas a lá Indiana Jones, Desafios de Parkour chamados de Caminhos, desafios de arquearia e mais um punhado delas.

Algumas são bem sem lógica, como a de coletar páginas perdidas em templos sem valor algum no quesito lore, minigames ritímicos super rudimentares que poderiam render momentos excelentes de “quebra” mas são frustrantes, castelos com generais a serem eliminados que não fazem o menor sentido e por aí vai.
Falando especificamente sobre os castelos, eles são basicamente bases inimigas com generais que precisam ser mortos. Após eliminar os generais, temos acesso a um baú lendário que fica sempre no mesmo lugar. O layout da torre dos castelos não muda.
Bom, eu sei que se trata de um jogo eletrônico mas esses elementos ilógicos me incomodam muito. Não coletamos nem uma chave do último general para fazer um pouco mais de sentido. Por que não simplesmente permitir entrar com Naoe, roubar o baú e sair?
Outro ponto é que se você matar todos os inimigos do castelo, após um tempo, eles aparecem no mesmo lugar (com exceção dos generais). Seria legal ver um sistema de conquista de bases e territórios no maior estilo War. Uma baita oportunidade perdida. O jogo até flerta levemente com isso através dos batedores.
Nesse sistema, podemos usar batedores numa área específica de uma missão e gastar “um uso” para descobrir onde o alvo da missão se encontra. Além disso, podemos marcar caixotes com suprimentos para que eles roubem e levem ao esconderijo. Infelizmente é tudo muito superficial.
A cereja do bolo nisso tudo é o terrível senso de recompensa. Lembra que eu falei mais acima sobre o sistema de loot? Pois é. Muitas vezes você abre o baú e vem um item cosmético inútil para decorar o Esconderijo ou materiais para aprimorar certos cômodos no Esconderijo como a Forja.
O problema é que tudo é tão desinteressante, básico e desnecessário que você pode platinar o jogo tranquilamente sem ligar pra nada disso. Até o sistema de Aliados é super básico e não faz jus a qualidade dos personagens. Os diálogos e missões deles são incríveis mas em 48 horas eu só acionei um aliado duas vezes por que o jogo é incrivelmente fácil.
E piora… A navegação com o cavalo em Assassin’s Creed Shadows é péssima, uma das piores que eu já vi. Ele não sobe montanhas, se ele triscar em um bambu por exemplo ele para e as vezes até rodopia e vai para a direção contrária.

Além disso, não podemos atacar enquanto estamos montados no cavalo, o que é meio bizarro para um jogo de 2025. O mais hilário é que o jogo tem um sistema de auto-route e ao mesmo tempo não tem. Ao segurar o botão, um caminho até o marcador aparece no chão, contudo, o cavalo não vai automaticamente até o ponto como em outros jogos da franquia.
Mas nem tudo é negativo. O sistema de parkour foi absurdamente aprimorado, com a inserção de um arpéu mais ágil e funcional e as melhores animações de parkour em toda a franquia. Sério, as acrobacias de Naoe estão absurdas. Para quem gosta de jogar fazendo roleplay como Assassino, as possibilidades verticais aqui estão insanas!
Outra novidade, vindo direto de Ghost Recon, é a possibilidade de deitar e se movimentar estando deitado. Isso abre um novo leque de possibilidades furtivas e, claro, de métodos de assassinatos.
Felizmente, somente as atividades secundárias estão sem sal. As missões secundárias, apresentadas no Mural, estão excelentes. Apesar de não existir uma variação de objetivos, afinal, na maior parte delas precisamos eliminar alvos, a lore dessas missões está ótima.
Sair andando pelo mundo também é fantástico e, como tudo acontece de maneira orgânica, inclusive as missões, você pode simplesmente se deparar com um chefe de uma missão secundária, matar ele e seguir normalmente. A interatividade do mapa é bem grande.

Um ponto positivo das atividades secundárias é o enorme respeito com a cultura do Japão. Algumas envolvem a cerimônia do chá, outras envolvem realizar katas com armas, outras envolvem rezar em santuários. O jogo acaba servindo como uma boa forma de contato com essa cultura milenar fantástica.
Uma aula magna em ambientação
A Ubisoft, ao meu ver, é a melhor empresa no que diz respeito à ambientação. E Assassin’s Creed Shadows comprova isso em cada canto do mapa. O ar de mistério e vislumbre das construções xintoístas, as florestas super densas e riquíssimas em fauna e flora, as cidades em pleno desenvolvimento como Quioto, os montes íngremes com vistas de tirar o fôlego.
O jogo faz jus ao Japão Feudal e entrega toda a beleza e pavor do período. Andando pelo mapa podemos encontrar um tenuki brincando e, logo em seguida, um corpo carbonizado crucificado.
Toda a parte visual fica ainda mais charmosa graças à um ambicioso sistema de estações do ano dinâmicas que causam um impacto tanto na beleza dos mapas quanto na jogabilidade. No inverno, várias áreas do mapa ficam cheias de neve, tornando a movimentação mais truncada. No outono, temos uma explosão de cores e árvores cheios de vida.

Servindo como suporte para os visuais belíssimos, temos um trabalho sonoro sublime, ajudando na imersão da época. Podemos perceber o som de diversos instrumentos, como a Biwa, o Shamisen, o Taiko e o Hyoshigi. Até o som das espadas chocando-se uma nas outras ficou muito bem feito.
Além da trilha e dos efeitos sonoros, a dublagem japonesa está impecável e, a brasileira continua sendo o padrão da Ubi, pra mim uma das melhores empresas na localização dos jogos. Apesar de ter acertado em cheio na sua parte estética e sonora, o jogo apresenta alguns problemas técnicos que incomodam.

Primeiro, em relação ao som. Às vezes ele “estoura” e apenas os efeitos como o balançar das espadas é emitido. Todos os outros sons ficam abafados. Esse bug aconteceu comigo 4 vezes ao longo das 48 horas jogadas. No Esconderijo, o FPS cai pra 20-25, mesmo jogando no modo Desempenho no PS5 Pro, tornando a navegação no local péssima.
E, como menciono no nosso guia de platina, alguns troféus estão bugados e podem gerar problemas em seu caminho até o 100%. Vale mencionar que estou escrevendo esse review no dia 14 de março, logo, um patch Day One pode resolver quase todos ou até mesmo todos os problemas citados.
Review de Assassin’s Creed Shadows – Vale a Pena?
Sim, Assassin’s Creed Shadows vale muito a pena! Após 48 horas e a platina, o sentimento é de felicidade e de esperança. O mundo construído pela Ubisoft e seus personagens são tão bons que uma sequência não faria nem um pouco mal para a franquia.
Apesar dos percalços técnicos e escolhas duvidosas para o conteúdo secundário, o jogo apresenta uma quantidade enorme de atualizações formidáveis que ajudam a cumprir a missão que citei lá no começo do texto.
Ele revitaliza uma fórmula que já havia dando sinais de desgaste e começa a trilhar um caminho promissor, mostrando que a franquia ainda tem muita lenha para ser queimada.
Com personagens muito bem desenvolvidos, uma ambientação perfeita e o setting dos sonhos dos fãs, Assassin’s Creed Shadows é um grande passo na direção certa. Recomendo!
- História
- Jogabilidade
- Conteúdo Secundário
- Visuais
- Desempenho
- Som