Anos atrás, os jogos focados puramente em narrativa brilhavam no inusitado formato episódico. Essa era ajudou a construir o legado e solidificar o impacto de estúdios como a Telltale Games na indústria.
Com o passar do tempo, mutações no mercado aconteceram e os jogos desse formato acabaram desaparecendo, dando a entender que o público não tinha mais apetite para o mesmo. É diante desse contexto que surge a AdHoc Studios, equipe formada por veteranos da Telltale e sua primeira IP – Dispatch.
Em uma bravata corajosa, a equipe não só decidiu explorar um formato esquecido, como optou por seguir uma das temáticas mais fadigadas do entretenimento – os super heróis. Será que essa coragem compensou? É isso que você vai descobrir em nosso review de Dispatch.
O que é ser um herói?
Antes de continuarmos, deixo claro que o review não contém spoilers da história. Falarei apenas dos minutos iniciais do episódio um com o intuito de contextualizar um pouco o começo da jornada. Nosso protagonista é Robert, um herdeiro de um legado custoso.
Nascido sem poderes, Robert usa o traje da família – o Mecha Man, para combater o crime e manter a cidade segura. Contudo, em um conflito que dá errado, o traje acaba sendo destruído e Robert precisa lidar com a impotência de viver sem o seu traje.
Sem perspectiva, Robert recebe um convite da SDN, uma empresa que atua como central de despachos de heróis. O objetivo dele na empresa? Ser o despachante do Equipe Z, um time de vilões em reabilitação.

Esse breve contexto de Dispatch já entrega dois aspectos geniais pensados pelo estúdio – os conflitos internos dos personagens e a surpresa em abordar vilões em reabilitação, fugindo do clichê esperado para uma temática como essa.
Os personagens em Dispatch são… humanizados, mesmo sendo seres monstruosos como um Golem e um morcego. Eles possuem objetivos, sonhos, medos e uma bússola que guia suas ações. Somado à escrita impecável dos personagens, temos um elenco de voz que rivaliza com Hollywood, apresentando nomes como Aaron Paul, Laura Bailey, Jeffrey Wright, Travis Willingham entre outros.
A AdHoc não poupou dinheiro e esforços para entregar um storytelling premium e cada minuto dos episódios reforça isso. Mas nem tudo são flores. Apesar da história mudar bastante mediante nossas escolhas centrais, eu senti que em certos momentos o jogo acaba pecando pelo excesso.
Eles apresentam várias subtramas, como a do Fenomeman/Aquaboy (vai depender da sua escolha em certa parte da trama), que acabam sendo deixadas de lado pelo senso de urgência da história principal.

Alguns episódios também são curtos, variando entre 45 a 60 minutos, o que dificulta explorar certos personagens de uma maneira mais aprofundada. Tirando esse ponto, o roteiro de Dispatch beira a perfeição, com decisões e consequências bem amarradas e diálogos que perpassam o mundo virtual, garantindo um ar realista para os personagens e o mundo do jogo. Temos várias piadas de tom mais maduro, referências à cultura pop, xingamentos e por aí vai. Nenhum diálogo parece engessado, até os de tom romântico.
Um SAC poderoso
Dispatch leva ao pé da letra o título do jogo. Robert, sem sua armadura, acaba atuando como uma espécie de atendente do SAC, coordenando a Equipe Z nos chamados pela cidade. No começo eu fiquei meio receoso com o sistema, contudo, após alguns minutos, o loop me pegou e fiquei vidrado na proposta.
Funcionando como uma espécie de card game, cada herói possui afinidades, seja agilidade, força, intelecto, carisma, agilidade e coisas do tipo. Existem chamados por exemplo que vão exigir que você resgate rapidamente pessoas de um ônibus, logo, o ideal é enviar personagens com o atributo de agilidade maior.

Esse senso de estratégia é crucial na progressão da equipe, visto que os chamados podem falhar, machucando seus heróis e não concedendo nenhuma experiência. O XP é fundamental para fazer com que os heróis mudem de nível e aprimorem seus atributos.
Ao longo dos capítulos, o sistema vai se tornando mais complexo, com minigames de hackeamentos, chamados mais difíceis e a necessidade de contornar os próprios desejos dos membros da equipe. Em certos casos, eles podem se enfurecer e se recusarem a atender um chamado. Essas variáveis tornam o loop ainda mais interessante.

Uma coisa que me incomodou é que senti que em alguns episódios, a dosagem entre momentos de chamados e as cutscenes da história ficaram numa proporção ruim, muito pela curta duração de certos episódios. Outro ponto digno de nota é que as cutscenes, principalmente as que envolvem batalhas, poderiam ser mais interativas, colocando o jogador um pouco mais na ação através de QTEs ou coisas do tipo.
Fenomenal
Eu já comentei mais acima que o estúdio não poupou esforços para reunir um elenco de peso para dublar os personagens de Dispatch. Surpreendentemente, a perseguição pela maior qualidade possível não ficou contida na parte sonora do jogo.
As animações estão belíssimas, fluídas e casam bem com a proposta de ação de heróis x vilões do jogo. Outro aspecto digno de nota é a qualidade do roteiro que, funcionando como uma espécie de Atlas, serve como força motriz do projeto.

Eu confesso que minha única decepção em termos técnicos é que o projeto não conta com cutscenes com vários QTEs como os antigos jogos do gênero. Se elas fossem mais interativas, a experiência seria ainda melhor. Ou quem sabe se o estúdio brincasse com outros gêneros, transformando o jogo em um fighting game em trechos específicos da trama. Fica a ideia para uma segunda “temporada” caso aconteça.
Review de Dispatch: A maior surpresa de 2025
Pode parecer ousadia cravar Dispatch como a maior surpresa de 2025, contudo, eu explico. Títulos como Kingdom Come: Deliverance 2 e Clair Obscur: Expedition 33 já chegaram com uma certa pompa e expectativas de serem ótimos, o que não foi o caso de Dispatch.
Sem fazer alarde, a AdHoc Studio reuniu toda sua coragem e apostou em um formato de jogo desaparecido em uma das janelas mais concorridas da indústria em muito tempo. Como um ato heroico, a equipe fincou sua bandeira e provou que ainda existe espaço – e apetite – por histórias bem contadas e personagens bem construídos.
Se você gosta de uma boa narrativa, nem pense muito, os despachos te esperam!
Dispatch prova que sempre vai existir espaço para ótimas histórias contadas do jeito certo dentro da indústria dos jogos. Com personagens cativantes, uma jogabilidade fora da caixa e um elenco de peso, o jogo é obrigatório para quem adora boas narrativas.
Pontos Positivos
- Elenco estelar
- Personagens bem escritos
- Conseguiram inovar em um tema batido
- Animações fantásticas
Pontos Negativos
- Alguns episódios são curtos demais
- Cenas poderiam ser mais interativas
- Algumas subtramas são deixadas de lado
- História
- Jogabilidade
- Visuais
- Desempenho
- Som
