Acho que uma das palavras que melhor define Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é “inusitado”. Desde o seu primeiro teaser, que envolveu a misteriosa e macabra figura de um homem com um saco de papel na cabeça, até a revelação de que essa seria uma nova continuação em uma série da Nintendo que não via um jogo novo desde 1989, Emio – The Smiling Man carrega diversas características que fazem com que ele se pareça quase que uma anomalia diante do que costumamos ver no mercado de games de 2024.
Para efeitos de contexto, a série Famicom Detective Club consiste em dois jogos do gênero visual novel (um estilo de jogos tipicamente japonês, geralmente com pouco gameplay, onde o jogador passa a maior parte do tempo acompanhando uma narrativa por meio de diálogos). Embora lançados inicialmente para o Super Famicom apenas no Japão, os dois títulos originais da série ganharam um remake para o Nintendo Switch em 2021. Mesmo assim, acho que não é exagero afirmar que Famicom Detective Club continua sendo uma das séries mais nichadas da Nintendo.
Quão inusitado não foi quando a Nintendo anunciou um título inteiramente inédito nessa série, dessa vez, envolvendo um caso bizarro, onde o jogador é desafiado a desvendar um mistério sobre um assassino serial que coloca sacos de papel com um sorriso macabro na cabeça de suas vítimas. Misturando lendas urbanas, belos visuais num estilo anime, e uma estrutura de história de detetive, Emio – The Smiling Man é um jogo não apenas inusitado, mas também surpreendente. Contudo, essa surpresa fica escondida por trás de uma estrutura que com certeza pode afastar muitas pessoas.
Um pouco de visual, muito de novel
De modo geral, jogos no estilo visual novel costumam se focar muito na sua narrativa, e Emio – The Smiling Man não é diferente. Esse é um jogo com muita leitura, onde você vai passar a maior parte do tempo acompanhando os protagonistas enquanto eles visitam locais ligados aos crimes, investigam possíveis pistas, e interrogam pessoas que possam ajudar em suas investigações. Aqui, vale destacar um ponto bastante negativo para nós brasileiros: infelizmente, Emio – The Smiling Man não está localizado em nossa língua.
Por si só, esse aspecto já deve afastar diversos jogadores, visto que é virtualmente impossível aproveitar o que há de melhor em Emio – The Smiling Man sem conseguir ler seus textos em inglês. Embora a Nintendo tenha confirmado localização BR para títulos vindouros como The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom e Mario & Luigi: Brothership, infelizmente, esse é um aspecto em que ela ainda continua transitando entre erros e acertos.
Caso a barreira linguística não seja um problema para você, saiba que Emio – The Smiling Man apresenta uma narrativa bastante instigante, que não deixa nada a desejar quando comparada a algumas das melhores histórias detetivescas presentes no mundo dos videogames. Embora os visuais remetam bastante a um estilo anime, Emio não cai em erros ou arquétipos típicos dos animes. Isso significa que os personagens são bastante realistas e críveis, apresentando reações condizentes com as diversas situações apresentadas pelo game, bem como personalidades bastante carismáticas e pé no chão.
Por meio desse rol de personagens interessantes, Emio – The Smiling Man constrói uma narrativa que consegue flertar com diversos sentimentos distintos. Ao envolver um serial killer ligado a uma lenda urbana macabra, o plot principal do jogo consegue assumir alguns tons extremamente dark, criando momentos impactantes e surpreendentes. Ele também mistura uma boa dose de drama, mas sem cair em um melodrama barato, muito menos naquele tipo de drama barato de anime. O jogo também apresenta aqui e acolá umas pitadas de momentos engraçados, mas nada que fuja demais do principal foco do jogo: a narrativa e o mistério em torno do “homem sorridente”.
Investigação no modo analógico
Embora Emio – The Smiling Man seja um jogo do gênero visual novel, isso não significa que ele seja totalmente desprovido de mecânicas. Na verdade, Emio incorpora alguns elementos típicos dos saudosos jogos adventure (como os clássicos jogos point and click da Lucas Art), no sentido em que você tem acesso a uma série de verbos diferentes que devem ser utilizados nas mais diversas situações para que você consiga avançar em cada momento da sua investigação.
Em termos mecânicos, isso é traduzido por meio de um menu que está situado no canto superior esquerdo da tela, por onde você consegue acessar as várias opções disponíveis a cada momento. Alguns elementos desse menu são contextuais, pois existem verbos que só aparecerão em determinados momentos, quando a situação pedir. Mesmo assim, de modo geral, você tem acesso a quase todo momento a diversas opções como “chamar” algum personagem, “perguntar/escutar”, “olhar/examinar”, “pensar”, “usar o celular”, ou ainda abrir o seu bloco de anotações para consultar as informações que você encontrou até então.
Graças a essa lista de verbos, o progresso em Emio – The Smiling Man vai além de uma visual novel comum, onde você deve apesar ler os diálogos de maneira linear. Dependendo da situação, você precisa perguntar coisas diferentes, parar para pensar nas pistas que você encontrou, ou ainda mostrar provas para as pessoas que você está interrogando. Isso cria uma quebra bastante interessante na estrutura de jogo, já que você precisa pensar ativamente no que fazer a cada momento para avançar na investigação.
Em algumas situações, por exemplo, uma testemunha pode ficar receosa de passar uma informação enquanto ela estiver acompanhada de sua amiga. Você precisa utilizar as as opções certas para fazer com que essa amiga saia do local. Somente assim, você consegue interrogar a testemunha e adquirir a informação necessária. Esse é só um exemplo dos diversos tipos de situação que o jogo apresenta.
Essa estrutura, contudo, pode criar alguns momentos levemente frustrantes, onde não fica claro qual verbo exatamente você precisa utilizar para resolver aquela situação. Isso pode criar alguns momentos de tentativa e falha que podem comprometer levemente o ritmo da narrativa. Pelo menos, esses momentos são pontuais e, no geral, muito breves. Os benefícios de se ter essa estrutura diferenciada ainda compensa esses possíveis contratempos leves.
Um final de explodir cabeças com sacos de papel
Além dessa estrutura de verbos, preciso destacar a qualidade existente na apresentação de Emio – The Smiling Man. Em certos aspectos, fica muito evidente que esse é um jogo com um orçamento menor do que quaisquer jogos AAAs da Nintendo, mas o time de desenvolvimento de Emio fez um bom trabalho em entregar muito com os poucos recursos disponíveis – além, é claro, das possíveis limitações existentes no gênero de visual novel em si.
O que eu quero dizer com isso é que os visuais e trilha sonora de Emio – The Smiling Man são bastante chamativos e agradáveis. A trilha sonora casa perfeitamente com cada situação, pontuando os momentos mais dramáticos ou mais macabros da sua trama. Além disso, visualmente, o jogo é todo apresentado com um estilo gráfico que remete um pouco aos animes japoneses, mas que se foca na apresentação de cenários de fundo muito detalhados e personagens bastante carismáticos e expressivos.
As limitações típicas do gênero de visual novel ainda estão presentes em Emio – The Smiling Man, principalmente quando você para para analisar as animações presentes do jogo. Na maior parte dos momentos, os personagens apresentam animações muito pequenas e sutis, geralmente apenas o suficiente para demonstrar que eles estão reagindo a cada situação. Existem, sim, alguns momentos mais elaborados, condizentes com as situações mais tensas da trama, mas no geral, as animações são simples e sutis.
Como eu disse, o time de Emio fez bastante com pouco, e os visuais e animações do jogo são mais do que suficiente para reforçar o que há de melhor nele: sua narrativa. Nesse sentido, preciso mencionar que o jogo possui um final extremamente impactante e surpreendente, no qual todas as pontas-soltas da trama são amarradas ao término da investigação. Não vou entrar em detalhes, mas é um daqueles finais que faz você ficar com vontade de conversar com outras pessoas que tenham jogado o jogo, compartilhando suas opiniões e impressões sobre a verdade por trás do “homem sorridente”.
Review de Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club – narrativa surpreendente, presa em barreiras
Similar aos outros títulos da série Famicom Detective Club, Emio – The Smiling Man dificilmente conseguirá furar as bolhas do seu gênero – menos ainda as barreiras impostas pela ausência de uma tradução em português do Brasil. Todavia, pessoas fluentes em inglês encontrarão aqui uma narrativa muito poderosa, diferente de tudo o que a Nintendo tem apresentado em seus jogos durante as últimas décadas. Caso nunca tenha jogado um jogo da série Famicom Detective Club, não se preocupe, Emio conta uma história autocontida, e não exige que o jogador tenha jogado os títulos anteriores.
Com cerca de 13 horas de campanha, Emio é um jogo bastante adulto (um chamativo, comparado com parte dos títulos da Nintendo), com uma narrativa macabra e impactante, que não tem receio em abordar temas bastante complexos e até mesmo controversos. Infelizmente, a maior parte dessas qualidades (incluindo também sua bela apresentação) acabam ficando limitadas por trás de barreiras existentes para diversos jogadores. Eu sei que muitas pessoas já podem perder o interesse em Emio simplesmente ao descobrir que esse jogo é uma visual novel.
No final das contas, caso jogos nesse gênero te interessem, e você queira uma experiência bastante única no Nintendo Switch, Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club pode ser um título que te apresentará uma aventura única de mistério. Basta ter o necessário para lidar com as barreiras existentes.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Nintendo.
Com uma proposta única e bastante inusitada, Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é uma visual novel bastante competente, que apresenta uma história de mistério surpreendentemente instigante e impactante. Para aproveitá-la em sua plenitude, é preciso enfrentar algumas barreiras, incluindo a língua e um formato que pode afastar alguns jogadores.
Pontos Positivos
- Narrativa surpreendente
- Apresentação primorosa
- Uma proposta única no mercado atual
Pontos Negativos
- Falta de localização
- Alguns momentos obtusos
- Narrativa
- Jogabilidade
- Progressão
- Visuais
- Trilha Sonora
- Acessibilidade