Antes de começar a análise propriamente dita, eu preciso fazer um pequeno adendo: pessoalmente, eu não sou o maior fã do gênero de beat ‘em up. É óbvio que esse é um gênero muito importante, que teve um impacto muito grande na minha infância e na infância de muitas outras pessoas, com os diversos clássicos que populavam os arcades e consoles 8 e 16-bits. Contudo, a minha impressão atual é a de que o gênero de beat ‘em up não evoluiu o suficiente com o passar das décadas.
De modo geral, mesmo os melhores exemplos atuais do gênero ainda são muito calcados em um tipo de experiência nostálgica, um tanto quanto simples e derivativa. Não quero com isso tirar o valor de jogos excepcionais como TMNT: Shredder’s Revenge ou Streets of Rage 4, mas mesmo esses títulos acabam pesando muito na repetição, principalmente quando você opta por jogá-los sozinho. Como uma experiência co-op, costumam ser muito mais divertidos, oferecendo uma “bagunça divertida”. A jogatina single-player, nem tanto.
Mais que um mero beat ‘em up
Eis que surge Fading Afternoon, um jogo beat ‘em up single-player, criado pelo estúdio yeo, responsável por títulos como The friends of Ringo Ishikawa e Arrest of a stone Buddha. Com uma estética pixel-art charmosa, muito inspirada nos clássicos dos 16-bits, o jogador é colocado na pele de Seiji Maruyama, um Yakuza de meia-idade, recém-saído da prisão. Com base nessa premissa (e em todos os clichês do gênero), você deve imaginar que boa parte do jogo deve ser focada em Seiji buscando vingança, enfrentando hordas e mais hordas de Yakuzas, enquanto tenta restabelecer a honra de sua família, certo?
Bem… Sim, e também não.
O grande diferencial de Fading Afternoon está no fato de que ele é um beat ‘em up com uma estrutura única, que oferece uma liberdade sem igual ao jogador — algo totalmente diferente da maior parte dos títulos do gênero. Ao sair da prisão, você se depara com uma breve introdução na qual Seiji conversa com o líder de uma das maiores famílias da cidade. Muito fica subentendido, e a ajuda que Seiji recebe é limitada: apenas um pouco de dinheiro para que você pague a hospedagem em um hotel enquanto tenta encontrar um novo rumo na vida. A partir daí, fica a critério do jogador explorar a cidade, descobrir as possibilidades e escolher o caminho que Seiji deve seguir.
Muita liberdade, para o bem e para o mal
Por mais paradoxal que possa soar, a liberdade que Fading Afternoon oferece é, ao mesmo tempo, sua maior qualidade e o seu pior defeito. Isso se dá pelo modo como o jogo não segura a mão do jogador em momento algum. Qual o seu objetivo? Quais são as suas opções? Isso tudo são coisas que você tem que descobrir por conta própria. Existe uma falta de direcionamento constante, que resulta em um sentimento fantástico: você rapidamente percebe que tem uma cidade toda para explorar, com coisas únicas acontecendo em determinadas regiões, dependendo do momento do dia e das suas ações.
Ao mesmo tempo em que essa falta de direcionamento funciona como um convite à exploração, Fading Afternoon acaba sendo muito frustrante em alguns momentos. O jogo tem toda uma camada de ‘simulação de vida’. Afinal, você precisa pagar sua estadia no hotel (ou tentar descobrir uma maneira de comprar uma casa), precisa arrumar tempo para descansar, cuidar da própria saúde… dentre outras várias possibilidades. Consequentemente, ficar travado sem saber o que fazer resulta em grandes penalidades para Seiji, eventualmente transformando-o em um sem-teto e/ou acabando com a sua reputação para com o resto da máfia.
Fácil de jogar, difícil de dominar
Considerando os temas que Fading Afternoon aborda, fica claro que essa falta de direcionamento e punições um tanto quanto extremas são intencionais. É evidente que o jogo quer explorar as dificuldades enfrentadas por um ex-presidiário dentro do contexto da máfia japonesa. Ao jogador, são dadas algumas escolhas (mesmo que essas nunca fiquem escancaradas): o seu Seiji tentará seguir o “caminho difícil” de tentar ter uma vida normal e mundana? Ou você sucumbirá ao jeito mais fácil de subir na hierarquia da Yakuza, declarando guerra às outras famílias e aumentando o seu nível de fama e poder?
Em sua primeira jogatina, você provavelmente seguirá a segunda opção e, nesse caso, se deparará com as mecânicas de beat ‘em up que o jogo tem a oferecer. Evoluindo o que o estúdio construiu nos títulos anteriores, Fading Afternoon apresenta um combate surpreendentemente profundo, que começa fácil, mas fica progressivamente mais desafiador. Socos, chutes, agarrões e outros golpes especiais compõem uma dinâmica de combate que fica mais complexa conforme o jogo começa a introduzir inimigos mais desafiadores.
Tudo isso ocorre dentro de um sistema que lembra um pouco as famosas estrelas da franquia GTA. Basicamente, quando você explora territórios de outras gangues pela primeira vez, eles estão em um estado “neutro”, o que te permite andar e visitar os estabelecimentos como faria qualquer outro cidadão. A qualquer momento, você pode iniciar o combate com os Yakuza que estão naquele lugar. Isso inicia uma sequência de combate, que pode durar alguns minutos. Com o tempo, a sua fama (ou infâmia) passa a afetar cada lugar da cidade, e as gangues não ficarão mais passivas com sua presença. A cada nova estrela, inimigos mais desafiadores aparecerão, incluindo inimigos com facas, espadas e armas de fogo.
O outro lado da moeda
Nessa rota mais agressiva, o seu objetivo principal acaba sendo destronar as outras famílias da Yakuza. Para isso, você precisa encontrar e assassinar o líder de cada uma dessas casas — uma tarefa que envolve um certo trabalho de detetive. Descobrir a identidade desses líderes e identificar o lugar (e o horário) em que você conseguirá encontrá-los não é nada fácil, já que é um processo que envolve diversos passos, incluindo a contratação de informantes e o suborno de pessoas.
Esse é, contudo, apenas um dos caminhos que o jogo oferece. Não quero entrar em detalhes para não estragar as surpresas, mas Fading Afternoon oferece diferentes rotas, cada uma com um final bastante distinto. Embora possua um lado extremamente violento e aborde temas muito pesados, é um jogo que consegue transitar bastante em sua temática, apresentando também alguns momentos singelos, que incitam a reflexão.
Algo que contribui muito nisso é a apresentação do jogo. A pixel-art, embora calcada na nostalgia dos 16-bits, frequentemente explora ambientes urbanos repletos de detalhes. Soma-se a isso uma trilha sonora marcante e variada e o resultado é um jogo evocativo e instigante.
Review de Fading Afternoon: uma experiência única
Fading Afternoon não é perfeito. Contudo, consegue trazer novos ares para um gênero que costuma apostar sempre no seguro. Diferente de outros beat ‘em ups, ele oferece uma experiência ampla, com muita liberdade para o jogador explorar (e se frustrar).
Mesmo com um tema “batido” como o da Yakuza, ele apresenta uma narrativa madura, que consegue transitar bastante entre diferentes temas. Tudo isso, enquanto oferece múltiplos caminhos para o jogador seguir, com finais diferentes a depender das suas escolhas.
PS: A análise foi feita em um PC através de uma cópia cedida pela Agência Masamune.
Com uma estrutura bastante ampla e elementos de simulação de vida, Fading Afternoon consegue se sobressair dentre o gênero de beat 'em up. Embora frustrante em alguns momentos, é um jogo único, que convida o jogador a explorar e tentar encontrar seu próprio caminho.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Fator replay
- Direção de arte
- Som (Música e Efeitos)
- Desempenho