Como um grande fã de JRPGs clássicos, devo dizer que hoje em dia alguns dos grandes expoentes do gênero já não entregam mais o tipo específico de experiência que me agradava no passado. Por diversos fatores, muitas franquias passaram a enveredar muito mais rumo a abordagens mais focadas em ação, deixando de lado alguns dos elementos mais clássicos do gênero.
Os títulos modernos da série Final Fantasy, por exemplo, entregam uma experiência muito diferente do que víamos nas suas versões de 16 ou 32-bits — e, claro, não há nada de errado nisso. São jogos diferentes, pensados em tempos diferentes, para um público diferente.
Todavia, não muda o fato de que aqueles que gostam de JRPGs num estilo mais clássico acabam ficando “órfãos” de títulos AAA dentro do gênero. Ao menos, franquias menores como Octopath Traveler, relançamentos de títulos antigos como Dragon Quest III HD-2D Remake e jogos independentes como Sea of Stars continuam a explorar as várias facetas dos JRPGs clássicos de maneiras distintas e muitas vezes criativas. E é justamente a isso que se propõe o novo lançamento multiplataforma Fantasian Neo Dimension.
Criado por ninguém mais ninguém menos que Hironobu Sakaguchi — considerado o pai da franquia Final Fantasy — e contendo trilha sonora assinada pelo renomado Nobuo Uematsu, Fantasian havia sido lançado inicialmente para plataformas Apple em 2021, e era até então um dos principais títulos que encabeçavam o serviço de assinaturas Apple Arcade.
Com essa nova versão chamada Neo Dimension, Fantasian enfim chega às principais plataformas de videogames atuais, e promete trazer uma experiência mais “clássica” de um JRPG. Agora, será que ele tem o suficiente para carregar o legado de títulos tão importantes? Vamos falar sobre isso.
Clichês, lentidão e uma pitada de Nier
A história de Fantasian Neo Dimension se concentra ao redor do protagonista Leo que, seguindo um dos mais frequentes clichês de JRPGs antigos, inicia o jogo sem memórias de seu passado. Perdido em um estranho mundo futurista totalmente composto de metal e habitado por robôs sapientes, Leo precisa utilizar suas habilidades para retornar ao mundo humano — algo que, surpreendentemente, acontece muito rapidamente na trama. Após um breve tutorial, Leo retorna ao Human Realm, porém continua sem memórias. É nesse momento em que se inicia o jogo de verdade e, junto com ele, um dos meus principais problemas com esse jogo.
O jeito que Fantasian lida com esse clichê do protagonista sem memórias resulta em uma trama bastante lenta, onde você e seus eventuais companheiros passam horas sem objetivos muito específicos ou interessantes.
Quando Leo retorna ao mundo humano, há algumas interações curiosas, onde personagens reconhecem Leo e comentam sobre acontecimentos de seu passado. Porém, durante umas boas seis horas de jogo, os objetivos que me foram apresentados eram sempre meio desconexos e arbitrários. “Visite o bar para falar com fulano”. “Procure o vidente para que ele fale sobre quem você é”.
A impressão que dava era que eu estava explorando dungeons e conhecendo cidades porque isso é algo que você faz em JRPGs, e não porque a trama estava realmente impulsionando os personagens para frente.
O modo como os primeiros companheiros se juntam à trama é igualmente esquisito e arbitrário. A filha do vidente, por exemplo, é “empurrada” para a sua party porque o nome dela significa “destino” e acompanhar o protagonista pode ajudá-la a descobrir a respeito de seus misteriosos poderes.
A princesa, filha da rainha do principal reinado daquele mundo, se junta à party porque em algum momento no passado Leo a encontrou e fez algo que chamou a atenção. Durante as horas iniciais do jogo, objetivos aleatórios e encontros sem muito sentido como esses acontecem um após o outro.
Felizmente, a partir de certo ponto, Fantasian começa a apresentar uma trama central coesa, o que ajuda a dar um direcionamento melhor ao jogo e aos conflitos específicos de cada um dos personagens.
Nesse aspecto, o jogo lembra um pouco de Nier (o que não deve ser gratuito, já que o visual de Leo lembra muito os protagonistas dos jogos de Yoko Taro), pois a dicotomia existente entre o mundo humano e o mundo das máquinas é explorada em um contexto onde elementos do mundo das máquinas começa a invadir e “infectar” o mundo humano — tudo isso comandado por uma entidade que se posiciona quase como um deus malevolente.
Um combate clássico, mas inovador
Embora o jogo tenha esses tropeços narrativos com esse início lento e perdido, Fantasian se sobressai mesmo quando falamos de seu combate. Nesse sentido, Fantasian utiliza uma base bastante simples para criar um combate ágil, eficiente e bastante tático. Isso acontece, pois, à primeira vista, o combate do jogo segue um estilo muito clássico de combate em turnos.
Na parte inferior direita da tela, você vê uma timeline mostrando a ordem dos turnos, englobando tanto os personagens da sua party quanto os inimigos. A cada turno, você então pode optar por atacar, utilizar magias ou itens. Até aqui, nada de novo sobre o sol.
O que torna o combate de Fantasian mais interessante e dinâmico é o modo como o posicionamento dos inimigos se torna uma informação tática extremamente importante que influencia enormemente as suas ações a cada turno. Isso se dá, pois determinados ataques e magias podem atingir múltiplos inimigos de maneiras distintas, pois existem opções de ataques em área, perfurantes e até mesmo em arco.
Para lidar com inimigos em linha, por exemplo, você pode usar um ataque perfurante, que atravessará todos os inimigos no caminho, desde que nenhum desses inimigos esteja defendendo — nesse caso, o ataque parará no meio do caminho. Esse é o tipo de situação em que magias em arco podem te ajudar, já que elas conseguem fazer curvas, desviando de inimigos no caminho e perfurando inimigos que estejam “nos cantos” da tela.
Com esse tipo de opção de ataque dinâmico, Fantasian eleva um combate em turnos que poderia soar simplista e repetitivo para algo verdadeiramente engajante. O melhor de tudo é que, sabendo o quão interessante esse tipo de sistema de combate é, Fantasian apresenta uma mecânica complementar bastante única, que inclusive ajuda a aliviar o “problema” de combates aleatórios: as batalhas Dimengeon.
A partir de certo ponto da trama, sua party consegue um aparato chamado Dimengeon, que envia inimigos para uma outra dimensão por um tempo limitado. Mecanicamente, é como se você “arquivasse” os inimigos que apareceriam em batalhas aleatórias, guardando eles para mais tarde. Quando quiser, você pode reativar o Dimengeon e iniciar uma longa batalha contra todos os inimigos arquivados (vale ressaltar que existe um limite máximo para isso).
É nesses momentos que a mecânica das “trajetórias” dos golpes e magias mais brilham, já que você pode utilizar magias e golpes especiais para derrotar diversos inimigos ao mesmo tempo. Criativo e divertido, esse é possivelmente um dos pontos mais únicos de Fantasian.
Um belo mundinho de miniatura
Outro aspecto bem único de Fantasian está em como os seus cenários foram criados. Diferente de outros títulos modernos, em que tudo no jogo é criado digitalmente, em três dimensões, a maior parte dos cenários de Fantasian foram criados como dioramas reais, que foram digitalizados para dentro do jogo. Em outras palavras, isso significa que os desenvolvedores criaram “maquetes” do jogo, e utilizaram fotos e vídeos dessas maquetes para criar os vários cenários de Fantasian.
O resultado final é bastante único e interessante, já que os cenários do jogo apresentam texturas únicas e, muitas vezes, extremamente detalhadas. A cidade de En, por exemplo, uma das primeiras do jogo, apresenta um estilo arquitetônico bastante mediterrâneo, com casas e ruas bastante terrosas. Visualmente, parece até que você está olhando para uma cidade construída em um pequeno terrário, no qual é possível ver os detalhes de cada textura. É preciso ser dito, contudo, que esse estilo visual único vem com alguns pequenos poréns.
Em primeiro lugar, não há qualquer controle de câmera, já que os ambientes são todos pré-renderizados. Existem algumas transições em determinados lugares, no qual a câmera muda para que você possa ver outro ângulo ou aspecto do ambiente, porém todas as cenas são pré-determinadas, e você transiciona entre uma e outra quase da maneira como acontecia em jogos adventure clássicos da Sierra ou Lucas Arts.
Outro aspecto negativo dessa escolha artística advém de como algumas cenas são compostas por meio da junção de personagens em 3D com os cenários pré-renderizados. No caso, quando o jogo escolhe dar um zoom nos personagens, fica claro que o ambiente de fundo não é nada além de uma imagem que está sendo esticada. Consequentemente, os detalhes de fundo acabam ficando borrados e bastante desfocados. Esses momentos são pontuais e, em certos aspectos, compreensivos, mas ainda acabam chamando a atenção.
Review de Fantasian Neo Dimension — Uma boa pedida para fãs de JRPGs
Com sua mistura de mecânicas clássicas e ideias bastante únicas e até mesmo inovadoras, Fantasian Neo Dimension apresenta uma experiência bastante interessante — principalmente se você for um apreciador de JRPGs num estilo mais clássico. É preciso dizer que, infelizmente, esse jogo não apresenta localização em português do Brasil. Embora publicado pela Square Enix, esse jogo bizarramente apresenta apenas opções de língua inglesa e japonesa, o que é uma pena.
Todavia, considerando como a trama do jogo definitivamente não é um dos seus pontos fortes, caso você se interesse por Fantasian, acho que ainda vale a pena jogá-lo apenas por suas mecânicas interessantes e o seu estilo artístico único, principalmente se você estiver buscando um jogo com bastante conteúdo. Neste sentido, Fantasian Neo Dimension apresenta todo o conteúdo do jogo original, o que significa que ele contém tanto uma campanha inicial que dura mais de 20 horas, quanto um extenso pós-game com muito conteúdo, que pode durar facilmente umas 40 horas extras.
Considerando todos os aspectos de Fantasian Neo Dimension, acredito que esse é o tipo de jogo que pode agradar muito um tipo muito específico de jogador. Caso não seja você, talvez compense esperar para, quem sabe, explorar esse mundo único em uma futura promoção.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Square Enix
Fantasian Neo Dimension é um JRPG que mistura elementos clássicos a algumas ideias bastante únicas e interessantes. Embora sua trama seja lenta e um tanto quanto arbitrária, o jogo realmente brilha quando analisamos suas mecânicas e o seu estilo artístico singular. É certamente um JRPG que deve agradar fãs do estilo mais clássico.
Pontos positivos:
- Estilo artístico belo e único
- Combate tático e engajante
- Trilha sonora marcante
Pontos negativos:
- Narrativa lenta e sem foco
- Objetivos aleatórios e arbitrários
- Ausência de localização PT-BR
- Narrativa
- Combate
- Progressão
- Desempenho
- Visuais
- Trilha sonora