Dentre os mais variados gêneros e subgêneros que têm feito sucesso no meio indie, provavelmente não há nenhum que tenha recebido mais espaço e relevância quanto os ditos “wholesome games”. Desde a explosão de Stardew Valley, jogos com temáticas, estilo artísticos e mecânicas de jogabilidade mais voltadas para experiências tranquilas e pacatas tem surgido a torto e a direito.
Enquanto uma parte desses jogos continuam a beber das mesmas origens criadas lá no clássico Harvest Moon, outros títulos começam a explorar ideias e propostas um pouco mais únicas (fora do âmbito de “fazendinha”). Fireside é um desses jogos.
Com um estilo artístico bastante próprio, totalmente desenhado a mão, Fireside propõe-se a oferecer uma experiência focada em três pilares distintos: comércio, culinária e diálogos. Isso significa que todo o progresso se dá por meio da troca de itens com NPCs, da criação de novas receitas culinárias, e dos diálogos com os vários personagens da trama.
É uma proposta diferente e única, que elimina qualquer tipo de combate, ou ainda quaisquer mecânicas que exijam dos reflexos do jogador. A ideia de Fireside é seguir uma vertente totalmente contrária ao que encontramos na maior parte dos jogos, oferecendo uma experiência lenta e tranquila. O resultado, porém, acaba pendendo mais para o lado do tédio do que efetivamente para a calmaria e relaxamento.
Um refúgio ao lado da fogueira
A história de Fireside começa quando você (um personagem sem rosto ou gênero, totalmente coberto por um capuz) acaba naufragando e indo parar em um lugar misterioso. Perdido e desprovido de todos os seus pertences, resta a você explorar o lugar, indo de fogueira em fogueira, enquanto você tenta recolher itens perdidos e começa a se conectar com os diversos habitantes do lugar.
Ao fazê-lo, você passa não só a começar a conhecer personagens bastante únicos (e muitas vezes esquisitos), mas também começa a descobrir que cada um deles está em busca de determinadas coisas. Sua tarefa, então, passa a ser ajudar cada uma dessas pessoas.
Como você pode imaginar, fazer isso é muito mais difícil do que falar, já que cada personagem está precisando de algo específico. Em alguns casos, você precisa encontrar e conversar com outros personagens, para resolver brigas entre eles. Outras vezes, os personagens vão te pedir por itens específicos, que você precisa encontrar por aí ou ainda cozinhar em uma fogueira.
É aqui que entram as duas primeiras mecânicas que eu mencionei anteriormente: o comércio e a culinária. Muitas vezes, você precisa trocar itens para encontrar o que um personagem está pedindo, ou ainda cozinhar um prato específico para agradá-lo. O desafio, contudo, está na maneira como Fireside incorpora elementos de aleatoriedade em seu gameplay.
Basicamente, você tem um mapa formado por diversas fogueiras conectadas por estradas. Ao escolher uma fogueira adjacente, você vai caminhar até ela (o que acontece automaticamente, sem que você controle diretamente o seu personagem). Durante esse caminho, o seu personagem poderá coletar algum item, ou ainda passar por um pequeno evento aleatório (com opções de ação que você pode escolher). Ao chegar na próxima fogueira, você é levado então a um novo acampamento, onde encontrará (também aleatoriamente) alguns NPCs com os quais poderá conversar.
Esse processo se repetirá algumas vezes. Sempre que chegar a uma nova fogueira, você poderá então conversar com novos NPCs, trocar itens, ou ainda cozinhar com os itens que você tem. Porém, há um limite de quantas viagens você pode fazer a cada “rodada”. Isso acontece, pois existem alguns elementos sobrenaturais agindo.
Por motivos narrativos, de tempos em tempos, você é levado para um ambiente separado, um “reino espiritual” onde você tem uma casa, além de alguns utensílios quebrados. Sempre que essa viagem acontece, você pode levar alguns itens para esse novo ambiente, que podem ser utilizados para reformar sua casa. Todo o resto do inventário, contudo, é descartado, e você precisa recomeçar a jornada praticamente do zero ao voltar.
Devagar, quase parando
Confesso que essa estrutura transformou Fireside de um jogo tranquilo e agradável em uma experiência lenta e frustrante — principalmente durante as primeiras horas de jogo. Perder todos os itens a cada início de rodada faz com que o processo de encontrar itens específicos para entregar para personagens específicos seja extremamente difícil e demorado, já que existe um fator de sorte enorme para o seu sucesso.
Mesmo que o mapa seja único, os personagens nem sempre aparecerão nas mesmas fogueiras, e os itens que você pode encontrar em cada caminho também podem ser diferentes.
Conforme você melhora os elementos da sua casa, esses problemas diminuem um pouco, já que você consegue desbloquear opções que te permitem aumentar o tamanho do seu inventário, ou ainda aumentar o tempo de cada rodada. Infelizmente, contudo, o próprio processo de melhorar a sua casa também é mais lento e oneroso do que eu gostaria, já que no início você só pode levar um ou dois itens para o seu reino por vez.
Quando você leva em conta que cada construção lá pode exigir 2 ou mais itens, o jogo acaba exigindo um número muito grande de rodadas para o desbloqueio de cada função. Isso, se você tiver a sorte de achar os itens exigidos em cada upgrade.
Essa estrutura geral foi o que me impediu de apreciar mais as qualidades que existem em Fireside. Nesse sentido, é preciso ressaltar que o jogo de fato possui um rol de personagens bastante interessantes e engraçados.
É legal conhecer cada um dos NPCs únicos, principalmente quando você leva em conta que o texto foi totalmente localizado em português de maneira bastante satisfatória. É uma pena, contudo, que o progresso nas quests únicas que cada NPC aconteça de maneira extremamente lenta. Leva muito tempo (e um tanto de sorte) para que você consiga entregar os itens que cada NPC precisa de fato.
Qualquer coisa é moeda de troca
Essa estrutura também acaba atrapalhando outra ideia interessante de Fireside. No caso, seu sistema de trocas e comércio. Diferente da maior parte dos jogos, que criam suas próprias economias baseadas em gils ou moedas de ouro, não há qualquer tipo de dinheiro em Fireside. Ao invés disso, todo e qualquer item pode ser usado como moeda de troca e o jogo permite que você faça comércio com todo e qualquer NPC por meio de um sistema em forma de “balança”.
Funciona da seguinte maneira: de um lado da balança, você coloca o item que está oferecendo; do outro, o item que deseja comprar. A questão aqui é que cada personagem tem uma ideia própria dos preços de cada item. Às vezes, você poderá se dar muito bem, pois um NPC pode estar precisando de um item específico de fácil acesso.
Outras vezes, precisará oferecer dois ou três itens para conseguir aquilo que deseja. No final das contas, não é um sistema extremamente elaborado, mas cria uma dinâmica interessante, onde você precisa constantemente pensar se vale a pena investir um pouco mais para conseguir algum item raro ou elaborado.
O problema, novamente, está na aleatoriedade presente em Fireside. Possuir o item certo para fazer a troca certa é muitas vezes mais uma questão de sorte, do que realmente o resultado do seu preparo e planejamento. Isso torna-se ainda mais frustrante quando você tenta encontrar itens específicos para desbloquear upgrades para sua casa, ou ainda completar quests de NPCs, já que não basta encontrar o item certo; você precisa encontrar o item certo na hora certa.
Review de Fireside: tropeços na execução
À primeira vista, a experiência fofa e acolhedora de Fireside pode soar como um convite interessante para aqueles jogadores que procuram por jogos calmas e relaxantes. Visualmente, o jogo possui um estilo artístico que pode lembrar um desenho animado feito para e/ou por crianças, o que torna tudo muito singelo e agradável. A trilha sonora, por sua vez, colabora para essa vibe aconchegante.
Infelizmente, a execução de suas ideias e mecânicas acaba deixando a desejar, pois a ênfase em uma estrutura de progressão lenta e aleatória faz com que o jogo se torne frustrante e moroso em diversos momentos. O que é uma verdadeira pena, já que em termos narrativos, Fireside apresenta um rol interessante de personagens com os quais você pode interagir. É triste que essas interações mais valiosas acabam ficando atrás de barreiras enfadonhas e trabalhosas.
No final das contas, Fireside ainda tem elementos que podem agradar aqueles que procuram por um jogo “wholesome” que seja diferente dos vários títulos de fazendinha que existem por aí. Contudo, você precisa estar ciente de que esse jogo pode ser mais lento (e mais tedioso) do que você pode estar acostumado.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Nordcurrent.
Fireside é um jogo “wholesome” com uma proposta diferente do habitual. Sem combate ou mecânicas complexas, é um jogo mais tranquilo, que infelizmente peca ao criar uma estrutura que pune o jogador com sua aleatoriedade. Quem se interessar por suas mecânicas de comércio e crafting, pode até encontrar alguns personagens e histórias interessantes por trás do marasmo e da lentidão do seu gameplay.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Progressão
- Desempenho
- Visuais
- Trilha Sonora