Em universos de fantasia estranhos, sombrios e giratórios, grandes franquias de jogos conseguiram se estabelecer, como foi no caso da consolidada Little Nightmares. Esse estilo decidiu, há alguns anos, encontrar o terror, e por meio desse choque criou-se algo muito especial e de portas abertas para mais.
Porém, enquanto a série iniciada pela Tarsier fez sucesso ao apostar em monstros, cenários e efeitos perturbadores, um título de estreia parece moderar nesse aspecto, equilibrando entre o acolhedor e o sombrio: Gloomy Eyes.
Desenvolvido em co-parceria pelos estúdios independentes Atlas V, Be Revolution Gaming, 3Dar, Fishing Cactus, ARTE France, o game chama a atenção por ser uma aventura cooperativa e single-player bastante especial, com quebra-cabeças que te fazem pensar, mas sequer estressando por um mínimo instante que seja.
A era onde o sol se escondeu
A escuridão dominou o mundo após o misterioso desaparecimento do sol. Dez anos após esse evento que abalou as estruturas do planeta, os mortos reviveram de seus túmulos e estabeleceram uma convivência com os humanos… mas nada pacífica.
Foragidos, os mortos-vivos passaram a ser caçados por grupos extremistas que queriam utilizar seus corpos para planos malignos. É então que, sem entender muito bem essa dinâmica, um pequeno zumbi chamado Gloomy decide explorar o mundo e fazer o que não conseguiu durante sua fatídica infância: brincar com alguém.

Do outro lado, uma garota humana, envolvida diretamente com os caçadores dos mortos-vivos, fica obcecada para descobrir o paradeiro do sol. Ela foge das garras de seu tio e parte para um mundo sombrio e imprevisível, até que o destino traça planos e concretiza um encontro que promete mudar totalmente sua vida.
Gloomy Eyes é um jogo de aventura e quebra-cabeças em 3D voltado para a ação cooperativa. Porém, suas mecânicas são essencialmente single player e permitem que os jogadores alternem entre os personagens em tempo real e com o apertar de um simples botão.

Sua campanha dura em torno de 6h e pode chegar a 8h caso o objetivo seja a platina. Porém, nada no game é perdível e é possível repetir os capítulos por meio do menu de seleção — são 14 episódios ao todo.
O foco de Gloomy Eyes está no gameplay e há poucas cenas em CGI. Mas as que aparecem são muito bem-feitas e caprichadas, trazendo claras inspirações na estética que se tornou popular com o diretor Tim Burton, de O Estranho Mundo de Jack e A Noiva-Cadáver. Felizmente os visuais não deixam a desejar e os cenários são muito detalhados e ricos em alternativas, exigindo que você explore bem antes de pensar em uma solução.
Quebra-cabeças: uns fáceis, outros mais complexos
A principal mecânica de jogo de Gloomy Eyes está nos puzzles. Ao longo dos capítulos, os jogadores devem escapar de captores, arrastar móveis, procurar chaves, transportar objetos e se ajudar, visto que as vidas de Gloomy e de Nina dependem essencialmente uma da outra.
A dificuldade do jogo é gradativa, mas não há quebra-cabeças “impossíveis”, digamos assim. Em alguns capítulos você pode extrapolar o tempo pretendido e até mesmo precisar relaxar um pouco a mente, mas nada que seja exaustivo ou que te leve à desistência, como vimos em games mais recentes (sim, estamos falando de Blue Prince e Hell is Us).

Algo que impressiona em Gloomy Eyes e que ajuda muito é o sistema de diorama. Cada mapa é uma espécie de imagem tridimensional que você pode girar, ampliar, reduzir o zoom e encontrar saídas ou segredos. Essa perspectiva mais ampla é uma mão na roda e também evidencia o belíssimo trabalho conceitual dos desenvolvedores.
Infelizmente, o jogo sofre um pouco com essa ferramenta visual. Nem todas as fases são compatíveis com ela, enquanto o zoom não funciona como o esperado em todos os casos. Não há com girar 360 graus, por exemplo — há limitações que impedem ver exatamente a passagem ou o colecionável que você buscava.
Um conto de fadas com potencial para ser mais
A estrutura narrativa de Gloomy Eyes também é uma atração à parte. Ela é narrada pelo Coveiro e funciona como uma espécie de conto, com lições de morais, interlocuções onipresentes, quebras de quarta parede e outras referências técnicas ao estilo literário — tudo com localização em português do Brasil para menus e textos.
A trilha sonora do game é excelente e acompanha o ritmo da trama. Assim como Unravel, por exemplo, cenas dramáticas exigem músicas dramáticas, enquanto algumas batalhas criativas contra chefes trazem faixas mais intensas e divertidas.

Apesar disso, a falta de desenvolvimento narrativo pode atrapalhar a identificação de quem espera mais desse tipo de proposta. Os personagens são tão queridos quanto os de Little Nightmares, mas há uma nítida falta de carisma, também pela mensagem ser mais importante que o mensageiro em si.
No geral, Gloomy Eyes é um jogo simples que soube trazer um conceito bastante sólido e funcional. Majoritariamente agradável, a campanha do jogo é objetiva e evita se aproximar de rodeios, tornando os clichês passageiros e facilmente contornáveis por meio de bullet-moments.
Gloomy Eyes é o equilíbrio entre o sombrio e a aventura casual
Gloomy Eyes pode passar despercebido pelas comunidades de aventura e de puzzle, mas certamente não deveria. Com uma campanha consistente, gameplay agradável e conceito de mundo belíssimo, o jogo é uma alternativa muito mais casual em comparação com seu primo cruel, Little Nightmares.
Engraçado e leve, o game sabe fazer uma boa crítica e traz mensagens positivas por meio de uma história que pode, muitas vezes, não engrenar. Porém, não há como negar que há uma trama redonda ali, com bom potencial até mesmo para ser explorado por outras mídias.
Apesar da simplicidade e de alguns problemas na qualidade de vida, Gloomy Eyes acerta ao apostar em mundo conceitual único, bela arte visual e estilo narrativo que mais aproxima os fãs de games do que afasta.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Desempenho
- Visuais
- Som