Eu diria que uma das características mais interessantes da era atual da Nintendo é que ela investe em experiências de todos os escopos e gênero, frequentemente dando espaço para jogos de nicho e, muitas vezes, experimentais. É claro que ela ainda aposta sim nos seus carros-chefe e franquias bem estabelecidas, como o blockbuster Mario Kart World ou jogos família como Super Mario Party.
Não obstante, volta e meia, o período de tempo entre um e outro título grande é preenchido por experiências mais diferenciadas, como foi o caso de Emio – The Simling Man e Endless Ocean Luminous, que apareceram durante os anos finais do Nintendo Switch 1. Ao que tudo indica, essa abordagem vai continuar no Nintendo Switch 2, que nos seus seis primeiros meses já recebeu jogos muito únicos e até mesmo “esquisitos”, ao exemplo de Drag x Drive.

Kirby Air Riders chega como a próxima aposta inusitada da Nintendo. Continuação de um spin-off da franquia Kirby, que foi lançado inicialmente para GameCube, Kirby Air Riders chamou atenção ao ser o anúncio final da Nintendo Direct de abril de 2025. Dirigido pelo já lendário Masahiro Sakurai (diretor da franquia Super Smash Bros), a grande pergunta que muita gente fez ao ver Kirby Air Riders pela primeira vez foi: por que a Nintendo está lançando um novo “jogo de kart” no mesmo ano em que saiu Mario Kart World?
Pode ser difícil responder essa pergunta apenas com base nos vídeos de gameplay do jogo, mas, após passar algumas dezenas de horas explorando os quatro principais modos de jogo presente em Kirby Air Riders, eu diria que esse é um dos “jogos de kart” mais únicos que existem. Na realidade, eu acho que dá pra dizer que ele é menos um “jogo de kart”, e mais um jogo que mistura combate e corrida — e ele o faz de uma maneira muito única, trazendo uma profundidade surpreendente, junto com níveis de caos alucinantes. Elementos que podem ser, ao mesmo tempo, suas maiores forças e suas piores fraquezas.

O Kirby mais complexo já feito
Jogos de kart como Mario Kart World ou Sonic Racing: CrossWorlds frequentemente compartilham uma característica muito intrínseca a esse sub-gênero: a de serem jogos extremamente acessíveis. É óbvio que existe certa profundidade mecânica nesses jogos ao ponto de um jogador experiente conseguir se sobressair em relação a um novato. Porém, o teto de habilidade nesse tipo de jogo não costuma ser tão alto, já que a ideia desse tipo de jogo é que crianças e adultos de todas as idades possam pegar o controle e se divertir, mesmo sem muita prática.
Eu diria que, nesse sentido, Kirby Air Riders é quase o inverso — o que é muito curioso, tendo em vista que esse é um jogo que utiliza apenas dois botões do controle, além do analógico esquerdo. O que acontece aqui é que, diferente de outros jogos de kart, os veículos em Kirby Air Riders (chamados dentro do jogo de máquinas) aceleram automaticamente. Como esperado, você utiliza o direcional para virar a máquina para direita ou esquerda, usa o botão Y para ativar o poder especial do seu personagem, e o botão B para frear o veículo durante as curvas e carregar o turbo.

Essa, contudo, é apenas a base de um gameplay surpreendentemente profundo e complexo. Isso se dá, devido ao modo como Kirby Air Riders apresenta máquinas que são extremamente diferentes umas das outras. Em outros jogos de kart, veículos e personagens diferentes possuem diferentes níveis de aceleração, velocidade máxima, frenagem, dentre outros aspectos. Na prática, contudo, as diferenças de status costumam ser sutis, já que mesmo com status muito diferentes, os veículos ainda controlam e jogam da mesma maneira.
Em Kirby Air Riders, a maior parte das máquinas apresentam aspectos extremamente únicos, algumas vezes controlando inteiramente diferente uma das outras. Existem, claro, algumas categorias básicas, como tanques, naves e monociclos. Alguns serão melhores em combate, outros em segmentos aéreos, enquanto terão também aqueles com melhores propriedades nas curvas. Contudo, alguns veículos são tão, mas tão diferentes, que exigem que você aprenda uma maneira inteiramente única de jogar. É uma complexidade que, de um lado, pode ser extremamente bem-vinda para aqueles que queiram tirar o máximo do jogo, mas que transforma Kirby Air Riders em um título mais impenetrável do que outros jogos do mesmo subgênero.

Caos com K de Kirby
Isso acontece, também, devido ao modo como Kirby Air Riders abraça um nível de caos que raramente aparece em outros jogos de corrida. Se você jogou Mario Kart World e se irritou com momentos nos quais você é acertado por uma sequência infindável de itens, incluindo cascos azuis, bolas de fogo e raio encolhedor, bem… saiba que Kirby Air Riders consegue ser muito, mas muito mais caótico.
Um dos motivos para isso é o enorme foco dado em combate. De modo geral, a impressão que dá é que Kirby Air Riders é quase tanto um jogo de luta quanto ele é um jogo de corrida. Além dos famosos itens típicos de jogos de kart (como bolas de fogo, foguetes, dentre outros), você pode atacar seus inimigos fisicamente a qualquer momento, e também possui acesso aos mais grandiosos golpes especiais de cada personagem. Nesse sentido, acho que dá pra ver muito da essência de Super Smash Bros neste jogo.

Para explorar essa profundidade mecânica e de combate, Kirby Air Riders apresenta quatro modos distintos:
- Rali Rasante: esse é o modo mais parecido com outros jogos de kart, onde você enfrentará outros oponentes em um circuito fechado, utilizando poderes e suas habilidades nos controles para chegar em primeiro;
- Vista Aérea: em termos de regras, esse modo é parecido com o Rali Rasante, mas a principal diferença é que ele apresenta uma câmera vista de cima, transformando o jogo em uma experiência mais arcade — igual a clássicos como Rock n’ Roll Racing;
- Prova Urbana: esse é o modo mais único do jogo, já que você primeiro enfrentará outros personagens em uma arena aberta, onde tentará coletar recursos, trocar naves e se preparar para uma prova final surpresa, que explora aspectos específicos do jogo, como mecânicas de vôo, ou combate;
- Pé na Estrada: modo single-player, onde você percorrerá uma estrada, completando desafios, coletando recursos, enquanto você é apresentado para uma narrativa bizarramente grandiosa sobre as máquinas e o mundo de Kirby.
Tirando o modo Pé na Estrada, todas as modalidades de jogo de Kirby Air Riders podem ser jogadas localmente, contra personagens controlados pela CPU, localmente com quatro jogadores, ou ainda pela internet, com estranhos ou amigos online. Nesse sentido, vale ressaltar que a experiência online do jogo foi bastante positiva durante os meus testes. Além de ser muito rápido encontrar partidas em todos os modos, o jogo funcionou perfeitamente, sem qualquer desconexão, e o jogo sempre colocava para disputar contra jogadores no mesmo nível que eu.

As forças, as fraquezas e o elefante na sala
Em termos de conteúdo, Kirby Air Riders é um pacote um tanto quanto curioso. Rali Rasante, Vista Aérea e Prova Urbana são todos modos bastante diferentes um dos outros, ao ponto de que quase parece que você está jogando três jogos distintos. O modo single-player Pé na Estrada, por sua vez, funciona quase como uma opção remix, já que ele vai misturando mapas, modos e desafios vistos nos outros modos. Todavia, quando você para para olhar com mais cuidado, você percebe que Kirby Air Riders não tem tanto conteúdo assim.
Com 27 mapas no total, sendo 19 deles no modo Rali Rasante e 9 no modo Vista Aérea, o jogo não tem tanto conteúdo quanto outros jogos do gênero, incluindo o próprio Mario Kart World. O que o jogo faz para contrabalancear essa limitação, é apresentar quadros de objetivos bastante extensos para cada um dos modos, que são completados conforme você realiza atividades específicas. Esses quadros, inclusive, são o método que você utiliza para desbloquear algumas das pistas, personagens, máquinas, além de elementos que podem ser utilizados para customizar as suas máquinas.

Para nós, Brasileirinhos, é preciso destacar dois aspectos que podem influenciar (e muito!) na decisão de comprar ou não Kirby Air Riders. O primeiro deles, extremamente positivo, é que o jogo está inteiramente legendado e dublado em português do Brasil. Tutoriais, descrições de itens e personagens e até mesmo as cutscenes do modo história estão em nossa língua, e o trabalho de localização foi muito bem-feito, com ótimas adaptações de termos e trocadilhos.
O elefante na sala, contudo, acaba sendo o preço do jogo que, infelizmente, é bastante compatível com a nossa realidade. Eu comento a respeito desse ponto em específico justamente devido à natureza de Kirby Air Riders. Como mencionei anteriormente, o jogo apresenta um nível de caos e uma profundidade mecânica que, por um lado, podem ser uma de suas maiores forças. É realmente divertidíssimo dominar suas mecânicas e aprender a se sobressair em meio ao gameplay frenético. Contudo, eu consigo enxergar esses pontos sendo justamente o que pode afastar muito novos jogadores. Por R$ 439,90, fica muito difícil eu indicar cegamente esse jogo para qualquer um.

Review de Kirby Air Riders — um jogo de kart único, que não é pra todo mundo
Quando você para e analisa friamente o que Kirby Air Riders tem para oferecer, incluindo seus quatro modos distintos, sua campanha que dura cerca de duas horas (mas que pode ser rejogada, com o intuito de explorar caminhos distintos e liberar o final verdadeiro), você vê que esse é um jogo que pode ser muito amado por aqueles que abraçarem o seu caos e aprenderem a lidar com a sua profundidade mecânica. Contudo, usando o famoso clichê que a gente vê por aí sempre que um jogo muito diferentão aparece, esse definitivamente “não é um jogo para todo mundo”.
Em termos de visuais e trilha sonora, Kirby Air Riders cumpre muito bem o seu papel, e consegue representar o universo da franquia Kirby de uma maneira muito fidedigna e agradável. A trilha sonora pontua muito bem cada um dos cenários, e alguns dos mapas apresentam visuais verdadeiramente belos, incluindo cachoeiras que se abrem ao seu redor, ou grandes explosões que acontecem ao seu redor. Tudo isso com uma performance estável a 60 frames por segundo, e uma resolução dinâmica que é bastante eficiente, tanto no modo TV, quanto no portátil.

A grande questão, no final das contas, acaba sendo a enorme barreira de preço que existe em um tipo de jogo que eu vejo facilmente alguém experimentando e odiando, bem como experimentando e achando extremamente divertido (como foi o meu caso). Caso você tenha experimentado as sessões de testes de jogo, e queira explorar mais a profundidade mecânica que o jogo tem a oferecer, nesse caso eu diria pra você ir sem medo. Kirby Air Riders é uma experiência válida, caso você consiga abraçar o seu caos.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch 2 através de uma cópia cedida pela Nintendo.
Kirby Air Riders é um dos jogos de kart mais únicos já feitos. Com controles simples, mas mecânicas surpreendentemente profundas, ele dá muita ênfase em seu combate, tudo para criar uma experiência caótica e sem igual. Contudo, esse mesmo caos e profundidade podem afastar muitos jogadores.
Pontos positivos
- Jogabilidade profunda
- Modos de jogo bastante únicos
- Excelente localização
Pontos negativos
- Pode ser caótico demais às vezes
- Curva de dificuldade acentuada
- Preço incompatível com nossa realidade
- Narrativa
- Jogabilidade
- Conteúdo
- Visuais
- Trilha Sonora
- Desempenho
