“Essa lembrança que nos vem às vezes…
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas…
Essa lembrança… mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida…
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!”
Mario Quintana
Para José Lino Bueno, professor do Departamento de Psicologia Cognitiva e Educação da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, “a memória é um conjunto de procedimentos que permite manipular e compreender o mundo, levando em conta o contexto atual e as experiências individuais, recriando esse mundo por meio de ações da imaginação.”
No âmbito da informática, Dawon Kahng e Simon Sze descobriram a ROM (Memória Somente de Leitura) em 1967 no Bell Labs. Eles propuseram que os transistores FGMOS pudessem ser usados como memória que teria a capacidade de ser reprogramada. E agora dificilmente há um dispositivo digital nesta terra que não tenha uma ROM instalada.
E a imaginação humana se permitiu perguntar e responder várias indagações sobre essa capacidade humana manipular e compreender a realidade a nossa volta.
Vários poetas e escritores tiveram como combustível sentimentos idealizados, e, por muitas vezes, irreal, por momentos vividos no passado; um desejo de regresso impulsionado por lembranças.
E se dispuséssemos de algum artificio, ou tecnologia, que habilitasse não apenas a leitura da memoria humana, mas como também a possibilidade de reescreve-las? Parece uma premissa ideal para alguma história do gênero cyberpunk, não é mesmo?
Quem são os responsáveis?
Em 2015, a MidBoss, empresa baseada na California, EUA, lançou Read Only Memories, após uma bem sucedida campanha no Kickstarter. Logo após o lançamento inicial de Read Only Memories, a MidBoss começou a trabalhar em uma versão para console do jogo, intitulada Read Only Memories: DX, bem como uma versão para celular chamada Type-M. Mais tarde, foi anunciado que a versão para celular seria suspensa, e a versão para console passaria a se chamar 2064: Read Only Memories. A versão para PS4 foi disponibilizada em 17 de janeiro de 2017.
Eis que, em maio de 2024, após alguns atrasos, a MidBoss coloca no mercado o segundo jogo da, agora, série. Dessa vez a aventura chama-se Read Only Memories: Neorodiver.
Que tipo de jogo é Read Only Memories: Neurodiver?
Neurodiver é um jogo em narrativa gráfica, point and click, com o tema de investigação noir em um mundo cyberpunk, uma sequência do jogo de mistério de 2015, 2064: Read Only Memories. Sua apresentação é elegante e meticulosa, repleta de detalhes apreciativos.
Nessa aventura, vasculhamos as memórias das pessoas como um detetive telepático com a ajuda da estranha criatura homônima, o neurodiver, em busca de vestígios de um vilão psíquico que está destruindo a mente das pessoas em Neo-San Francisco.
Aspectos Visuais e Técnicos
A pixel art do jogo é bem elegante e meticulosa, repleta de detalhes apreciativos. O texto animado com falhas quando os personagens estão assustados ou com raiva é tão bom aqui quanto em qualquer outro jogo voltado para o diálogo, assim como o texto ondulado que aparece quando os personagens estão cantando de alegria.
É divertido e eficaz, o equivalente em videogame à variação de balões de fala nos quadrinhos.O jogo tem dublagem é, em sua maior parte, bem feita (sotaques “britânicos” questionáveis à parte), mas algumas atuações, ou até mesmo o texto escrito, são tão exagerados que se tornam difíceis de suportar. Infelizmente o jogo não possui localização para o português do Brasil, nem para os textos, muitos menos para vozes.
Neurodiver não apresentou problema algum de perfomance. Porém o que pode afastar a audiencia brasileira do jogo é a falta de localização para o nosso idioma, especialmente em uma aventura grafica.
O caminho da criatividade
Neurodiver é uma obra de ficção na qual várias paixões foram transformadas como se fosse um buffet em uma churrascaria – mangá, anime, moda, ficção científica, simuladores de namoro, filmes de terror, máquinas de fliperama. Isso o torna atraente para um grupo de pessoas muito específico com todos os mesmos gostos e paixões, ou um jogador que também esteja hiper focado nesses interesses. É um trabalho carregado em fortes doses de referências.
Como não tenho conhecimento profundo no gênero dos jogos de aventura, pesquisei sobre e posso concluir que, após oferecer um buffet de grandes referencias, o rodízio que o segue é ainda mais requintado: O desenvolvedor japonês Swery aparece no saguão do seu local de trabalho. Suda51 aparece no fundo do fliperama. Lady Love Dies, do jogo Paradise Killer, se faz presente em uma cafeteria.
Ser um referencial de criatividade na ficção é um caminho difícil de trilhar, e aqui o amontoado de participações especiais me pareceu uma tentativa de encontrar um atalho para atingir tal objetivo, tirando a atenção da história de Luna para servir ao que, às vezes, pode parecer uma sopa de metalinguagem que pode tirar, ouso dizer, a imersão de algum jogador mais experiente no gênero.
Review de Read Only Memories: Neurodiver – Um jogo competente , mas um tanto quanto exagerado.
Nos jogos de narrativa e aventura gráfica, muito depende de manter o jogador preso em seu mundo. E como é possível permanecer em um mundo se o jogo o lembra constantemente de que existem outros mundos? Ao longo das seis horas de duração da aventura, esses exageros de metalinguagem me fizeram desconectar com as premissas apresentadas.
De qualquer sorte, o jogo me divertiu em momentos que eu apenas queria algo para me distrair, sem a necessidade de apertar botões para isso. Para quem nunca se aventurou em um título do gênero em questão, recomendo cautela, especialmente devido a falta de localização para a nossa língua.
- Narrativa
- Visuais
- Som
- Desempenho