Se você caiu nesse texto se perguntando se Sea of Stars vale a pena, minha resposta é: tenha certeza que sim! O jogo da Sabotage Studios é facilmente um dos melhores RPGs de todos os tempos mas, pra explicar os motivos que me levam a falar isso, preciso contar uma história pessoal que parece ter me preparado pro momento em que escrevo esse review.
Graças a meu irmão mais velho, meu primeiro contato consciente com os jogos eletrônicos foi através do gênero RPG e ele não poderia ter sido melhor. Alundra, Grandia, Breath of Fire, Wild Arms, Chrono Cross, Legend of Mana, Final Fantasy, Legend of Dragoon… Eu tive a sorte de ter jogado franquias que marcaram a era de ouro do gênero e que consequentemente moldaram meu gosto para jogos.
Esse contexto inicial é necessário pra que você entenda o quanto eu fiquei feliz com o praticamente tudo que envolveu Sea of Stars. O anúncio da Sabotage, estúdio que nos trouxe The Messenger, já indicava que era o projeto do sonho deles: construir um RPG.
Esculpido pra ser uma carta de amor aos clássicos, Sea of Stars vai além e supera quase todos os seus predecessores, se tornando um dos melhores RPGs já criados em toda a história dos games. Vem comigo em mais um review do República!
O fardo do destino
Como diria Uhtred de Bebbanburg, o destino é inexorável. Essa máxima é apresentada e contestada a todo tempo durante a narrativa de Sea of Stars. A dupla de protagonistas, Valere e Zale vieram ao mundo com seus propósitos definidos – se tornarem Guerreiros do Solstício. A ordem secular recebe treinamento na Academia Zênite e tem como finalidade combater os Residentes, seres nefastos criados por um mago poderoso chamado Fleshmancer. Os Residentes são monstruosidades que se alimentam de seres vivos e, caso permaneçam se fortalecendo, eles acabam se transformando em Devoradores de Mundo, criaturas extremamente poderosas capazes de destruir planetas.
Nós acompanhamos a história dos dois heróis desde que eram crianças, sempre acompanhados de seu melhor amigo Garl. A narrativa segue o típico desdobrar de uma aventura protagonizada por um trio de amigos e, apesar do começo ter um desenvolvimento lento, quando as coisas engrenam, fica difícil largar o controle. Cheia de reviravoltas, lições importantes pro nosso próprio cotidiano, momentos emotivos e amadurecimento, fazia tempo que eu não via um RPG tão coeso e que, até em seus raros momentos de “filler”, você não sente que está desperdiçando seu tempo.
Cada diálogo tem seu propósito, cada personagem secundário ou principal carrega doses cavalares de identidade e motivação própria, tornando-os inesquecíveis. O Arquivista e seu jeito cativante de contar uma história, Teaks e seu entusiasmo por aprender, Yolande e a quebra da quarta parede, Malkomud e suas diferenças incompreendidas, Garl e sua positividade inquebrável.. Sea of Stars é arrebatador e vai conquistar o coração de qualquer jogador que desfrutar da obra de peito aberto! Muitos dos personagens secundários, como Hortence, são tão memoráveis que gerariam tranquilamente uma DLC bem robusta. O trabalho realizado por Thierry Boulanger, diretor e roteirista do jogo (além de co-fundador do estúdio) é fenomenal.
A lore secundária por assim dizer é explorada através das Histórias de Teaks. Ao coletarmos Relíquias, podemos entregar elas a Teaks e habilitar contos importantes sobre o mundo de Sea of Stars. Recomendo prestar bastante atenção nas histórias, elas ajudam a entender melhor o que se passa no mundo e as motivações de vários personagens da trama! A história das três irmãs é fantástica. Pra você ter ideia do nível de carinho e cuidado que os devs tiveram, é possível ouvir o barulho de Teaks passando as páginas do seu Grimório antes dela começar a contar a história!
A campanha deve levar cerca de 20 horas para ser concluída pelos jogadores mais apressados. No meu contador, joguei 40 horas fazendo todo o conteúdo do game. Apesar de parecer uma duração gigantesca para um game não AAA, vai por mim, você dificilmente vai ver o tempo passar. Vale destacar que o jogo apresenta o tradicional NG+ com incrementos providenciais.
O título conta com localização dos textos em PT-BR e os diálogos não apresentam voice over, o que acaba sendo uma pena mas compreensível pelo escopo do projeto. Ter diálogos com atuação de voz certamente amplificaria ainda mais a relação que construímos com cada personagem!
Combate engenhoso
Turnos só que de um jeito divertido!
Sea of Stars respeita suas inspirações na medida certa. Pensando na atualização de mecânicas dos JRPGs clássicos, o game pega emprestado diversos sistemas conhecidos e insere um upgrade merecido em cada um deles. Vivemos em um mundo cada vez mais acelerado e, pensando em favorecer o loop de gameplay, não existe transição de tela pras lutas, a porradaria se forma em tempo real.
O combate, estruturado em turnos, apoiou-se no sistema ativo que vimos em Super Mario RPG para manter os jogadores interessados e desafiados. Ao pressionar o botão X no momento correto, ganhamos bônus. No caso dos ataques físicos comuns, os personagens golpeiam duas vezes. No caso das magias, o efeito delas são amplificados. Isso vale tanto pras magias de ataque, quanto de cura/defesa. Esse recurso gera uma curva interessante de aprendizado pro jogador que precisa ficar atento ao timing dos ataques. Vale destacar que os ataques comuns recuperam MP, reforçando o senso de estratégia do jogo. Está com a barra de MP cheia? Talvez seja melhor lançar uma magia do que um ataque físico, afinal, você vai recuperar uma quantia de MP de volta depois.
Todo esse processo gera um caminho interessante pra itemização. Nós podemos cozinhar refeições que curam HP, MP ou revivem aliados. Os ingredientes pra preparar as receitas são vastos, assim como a frequência de novas receitas obtidas. O porém fica por conta do sistema de recuperação de MP. Eu mal usei uma refeição durante o jogo inteiro, optando sempre por usar as habilidades dos personagens fora de combate.
Por serem Guerreiros do Solstício, Zale e Valere podem usar mana sem usar mana, isto é, seus ataques geram orbes de reforço que posicionam-se como um dos elementos mais importantes do combate. As ações especiais dos inimigos levam X turnos para serem acionadas e elas podem ser quebradas caso o jogador destrua todas as “tiras” antes do tempo. Ao serem destruídas, o inimigo em questão fica sem jogar por vários turnos, o que concede uma ótima vantagem competitiva. Essas tiras demandam que o jogador cause dano com efeitos específicos e eles são vários: dano solar, dano de luar, dano de veneno, dano cortante.. O game conta com 6 personagens jogáveis e existe um detalhe fantástico relacionado a isso!
O grupo “ativo” é formado por 3 membros, contudo, podemos trocar os personagens ativos durante nossos turnos. Está usando uma equipe que causa dano arcano, de veneno e luar e precisa de alguém que cause dano arcano? Sem problemas. Esse gerenciamento constante é vital para impedir as habilidades especiais inimigas, principalmente as de chefes. Lembra do sistema de blocos? Quando dominei completamente o sistema, os chefes mal me atacavam!
Outro sistema fantástico é o de Combos e Supremas. Como os nomes já indicam, os combos são habilidades especiais que usam pontos de combo e são essenciais para garantir boas vantagens em lutas mais complicadas. Já as Supremas são habilidades extremamente poderosas que podem ser lançadas após o jogador usar 10 pontos de combos. Cada habilidade suprema apresenta uma animação que beira o absurdo de tão bem feita!
A progressão de Sea of Stars
Como um RPG tradicional, nossos personagens ganham XP durante as lutas e mudam de nível. A experiência obtida é uma só para o grupo inteiro! Ao mudar de nível, podemos escolher uma entre 4 opções que são geradas de maneira quase aleatória. São 6 atributos ao todo: Aumentar o HP, MP, Dano de Ataque Físico, Dano de Ataque Mágico, Defesa Física e Defesa Mágica. Um detalhe fantástico do jogo é a ausência completa de grinding.
Você não vai precisar gastar horas matando inimigos para evoluir e conseguir derrotar chefes. A progressão é natural e a frequência de novos equipamentos funciona bem! Chegou em uma cidade nova? O mercador certamente terá novos equipamentos melhores na loja. Um ponto negativo aqui é que o visual dos personagens não muda, tampouco o das armas. Isso gera um pouco de quebra na imersão, mas não se torna um problema pro todo.
Podemos equipar uma arma, armadura, dois anéis e um colar. Os colares são atrelados a cada personagem, o que gera um pequeno flerte com as individualidades de cada um, mas o sistema de gear como um todo é bem simples e não tem nenhum problema nisso. A proposta de Sea of Stars não é ser um RPG complexo.
A dificuldade
O game não conta com um sistema tradicional no que diz respeito à dificuldade. Nós podemos coletar e comprar Amuletos que garantem bônus passivos e facilitam o game como um todo. O uso desses Amuletos é completamente opcional, logo, se você quer um desafio, pode customizar sua própria experiência.
Um exemplo de Amuleto é o Amuleto da Narrativa, ele aumenta a quantidade de HP de cada personagem em absurdos 100 pontos, garantindo uma vantagem enorme nas batalhas. Outro Amuleto reduz todo o dano recebido em 30%. A quantidade é bem vasta.
Alguns Amuletos estão relacionados à mecânicas do jogo – quer incluir indicações visuais quando você realizar ações no tempo correto? É possível. Quer ativar um Papagaio que te conta se existe algum tesouro ou colecionável em um mapa? Também dá pra fazer! O sistema é engenhoso e permite que o jogador fique no controle de sua experiência.
Por fim mas não menos importante, a dificuldade é suavizada graças à presença constante de fogueiras, permitindo que o jogador descanse e cozinhe refeições e, claro, salve o game. Sea of Stars só é punitivo se você quiser que ele seja e isso é maravilhoso!
Inimigos comuns e chefes
Os chefes de Sea of Stars são muito bem feitos. Com designs inesquecíveis, diversos chefes se transformam durante a batalha e isso causou diversos sorrisos enquanto jogava. Como já mencionei acima, as animações de Sea of Stars são simplesmente indescritíveis, estando em um nível extremamente raro de ser encontrado na indústria. Quando os chefes estão próximos de serem derrotados, a animação/semblante deles muda, deixando claro que estão prestes a serem derrotados.
Outro ponto difícil de acreditar é na quantidade insana de inimigos no game. Os design são extremamente únicos e não são reciclados. Eu genuinamente não consigo lembrar de um RPG com uma variedade de inimigos tão impressionante quanto Sea of Stars. Aliado a diversidade de design, cada inimigo tem fraquezas, seja elas contra elementos específicos ou tipos de ataque físico. Usar e abusar desse sistema garante uma vantagem gigantesca nos embates!
Explorar em Sea of Stars é mágico!
Os cenários de Sea of Stars são altamente interativos. Você viu uma estátua secular estranha no cenário? Pode ter certeza que existe algum segredo relacionado à ela. Todos os objetos presentes na tela possuem um propósito e os “elementos estranhos” costumam oferecer boas recompensas para os curiosos.
O level design é primoroso e os devs deixam dicas sutis de qual é o caminho principal e qual é o caminho secundário que provavelmente vai te levar até tesouros! Grave esse nome: Torre de Antsudlo. O cenário é uma AULA magistral de level design.
Aliado a isso, temos mapas vibrantes cheios de vida. Pássaros que cantam e voam ao chegarmos pertos, rios com correntezas violentas que levam o jogador pra longe, pedaços de terra que caem enquanto pulamos sobre eles… Interatividade é a palavra mágica aqui! Viu um pedaço de terra estranho que parece ser quebrável? Certamente você vai encontrar um local para subir e pular nesse pedaço, revelando uma área subterrânea! Falando em locais, alguns itens auxiliam na travessia e exploração. Essas ferramentas acrescentam e muito no gameplay!
O Bracelete Mistral permite que o jogador lance rajadas de ar, empurrando grandes blocos de pedra. Muitos puzzles e tesouros do jogo estão atrelados à ele. Por falar em puzzles, temos uma variedade fantástica deles e saiba que eles são altamente intuitivos. Existe uma quantidade bem pequena de enigmas que irão te deixar empacado no endgame, mas com um pouco de atenção isso não se torna um problema!
Outro objeto vital para a exploração é o Arpéu, item conhecido nos games, tem uso tanto na exploração quanto no combate. Podemos usar o gadget para nos lançar em direção aos inimigos, causando um pouco de dano e gerando um Orbe de Reforço.
Existem outras ferramentas e habilidades no game que acrescentam ainda mais mecânicas, porém, deixarei para que você descubra mais sobre elas durante sua jornada! No mundo aberto de Sea of Stars, nossa navegação é aprimorada com o navio que desbloqueamos nas horas iniciais do game. O título também conta com um sistema de viagem entre ilhas inusitado, onde gigantes nos lançam para outros locais usando pedras maciças.
Como o Solstício é um elemento importante na trama, ele também foi transportado para os puzzles. Zale e Valere podem alterar o período do dia, transformando-os em manhã ou noite. Diversos enigmas demandam que o jogador manipule o tempo para obter itens ou progredir na fase, mas não se assuste. Como mencionei, tudo funciona de maneira bastante intuitiva.
Colecionáveis e Atividades Secundárias
Sea of Stars não conta com um menu específico para as quests mas elas seguem a estrutra tradicional de missões principais e missões secundárias. As missões secundárias envolvem realizar alguma coisa pra um NPC. No Posto dos Construtores por exemplo, precisamos religar a água para que uma toupeira tome banho quente. Essa toupeira acaba sendo uma NPC importante em nosso vilarejo Mirth.
Chamados de Búzios, os colecionáveis do game rendem boas recompensas ao serem entregues. Ganhamos projetos de construção para Mirth, relíquias, receitas e por aí vai.. A maioria dos 60 búzios são bem fáceis de serem encontrados, contudo, especificamente 6 deles irão dar bastante trabalho aos jogadores.
Além dos colecionáveis, a Pescaria se faz presente no game. Apesar do sistema funcionar bem, achei ele simples demais e pouco recompensador. Ao recolher os peixes, podemos liberá-los ou ficar com eles, ganhando um filé, ingrediente de algumas receitas do game. Penso que a atividade poderia ser um pouco mais integrada no componente principal do jogo e não ser algo opcional. Ah, vasculhe bem os lagos que você visitar, alguns deles guardam tesouros!
Uma atividade fantástica de Sea of Stars é o minigame Rodas. Fundindo elementos de tabuleiro, tower defense e roleta, o jogo é divertidíssimo (e desafiador!). Podemos enfrentar campeões e ir subindo de categoria, ganhando recompensas atrativas. Vale bastante a pena dar importância a essa atividade! Gastei algumas horas do tempo de jogatina dominando o jogo de tabuleiro e não me arrependo.
Do meio pro final do jogo, uma série de atividades secundárias são abertas, estendendo a duração do game e aprimorando o contato de quem joga com o belíssimo mundo esculpido pela Sabotage Studios. Infelizmente não posso dar mais detalhes sobre eles, mas preste bastante atenção nos diálogos e faça visitas frequentes em locais importantes!
Review de Sea of Stars – A parte técnica
Cada pixel do jogo exala a quantidade de carinho e amor que o time da Sabotage Studios colocou no projeto. As animações dos personagens, inimigos comuns e chefes estão em um patamar muito acima do que estamos acostumados a ver na indústria.
A variedade de cenários chega a beirar o soberbo, impedindo que os jogadores sintam que a aventura está repetitiva. A todo momento conhecemos novos personagens, visitamos locais completamente inéditos e batalhamos contra inimigos que não são reciclados. Esse “buffet livre” só eleva a experiência e é algo extremamente raro na indústria. A prática de reciclagem está cada vez mais comum e fiquei feliz demais em ver que não é o caso aqui!
Achou pouco? Saiba que a trilha sonora contou com o auxílio de ninguém menos que Yasunori Mitsuda, o compositor de Chrono Trigger, que contribuiu com 10 faixas ao todo. O trabalho comandado por Eric Brown é sublime. Temos sons que lembram a época do SNES e que se mesclam com o ambiente. Está explorando uma floresta com rios? Se prepare pra ouvir pássaros cantando e voando, o som da água correndo, as plantas balançando. Esse cuidado se repete em todos os cenários, sempre contando com efeitos sonoros que refletem o ambiente em que estamos. A trilha no geral reforça o aspecto cósmico do nome do jogo, apresentando sons que se assemelham o barulho de metais e que concedem um senso de “universo” para a trilha.
Na questão de desempenho, não tive nenhum bug ao longo das quase 40 horas que dediquei ao game. Tudo correu de maneira muito fluída, afinal, não é um game que exige muito do PS5. Um lado negativo é a falta de uso expressivo do DualSense. A jornada seria muito mais imersiva caso as features do controle fossem colocadas em ação.
Review de Sea of Stars: Obrigatório!
Sea of Stars vale a pena? Se você ainda tem essa pergunta no final desse review, te respondo: não só vale como considero ele obrigatório para todo fã de RPG. Reunindo sistemas dos clássicos do gênero, a Sabotage conseguiu construir algo próprio, entregando uma das melhores aventuras de todos os tempos. Com o jogo sendo disponibilizado na PS Plus Extra e Xbox Game Pass, não tem desculpa pra não dar uma chance a ele e ser impactado pelos personagens muito bem escritos, uma história com um ritmo fantástico cheia de momentos inesquecíveis e um combate completamente modernizado.
Deixo aqui meu muito obrigado à Sabotage Studios por criar um jogo que transcende o lado comercial da coisa e estampa que ainda existe paixão e genialidade nessa indústria!
- Narrativa e Lore
- Gameplay
- Conteúdo Secundário
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos)
- Desempenho