É estranho pensar que a recente década de 90, cercada por toda uma estética própria, difere-se tanto do mundo em que vivemos hoje. Seja em cores, tecnologia ou ritmo de vida, o Século XXI trouxe transformações impressionantes. Serial Cleaners, jogo desenvolvido pela Draw Distance (Vampire: The Masquerade – Coteries of New York) e distribuído pela 505 Games (Control), faz um convite de retorno a um tempo pretérito por vezes esquecido, mas muito marcante para toda uma geração. Lançado em 22 de setembro, o jogo é uma sequência de Serial Cleaner, este ambientado nos anos 70. O game promove uma evolução considerável em relação ao primeiro título, não perdendo de vista o foco principal: limpar cenas de crime e não ser pego no processo.
O que fazer com a bagunça após um incidente sangrento acaba sendo um tema recorrente no entretenimento. Afinal, havendo provas e materiais suficientes, é possível chegar ao feitor do crime. Por isso, é de se imaginar que ele queira se livrar o mais rápido que puder de quaisquer elementos que o denunciem. Normalmente, o próprio bandido se livra das evidências. Mas, quando isso não é possível, ou quando é cômodo, pode-se usar os faxineiros, um tipo especial de agente que torna a cena do crime idêntica ou quase idêntica ao que era antes. A franquia retrô orbita em um tema semelhante ao dos “cleaners” da saga de filmes John Wick, que basicamente realizam a mesma função.
Serial Cleaners vale a pena? É o que vamos descobrir.
De volta aos anos 90
Serial Cleaners se passa, em sua maior parte, nos anos 90. A estética apresenta vivacidade, remetendo a uma era vibrante. A todo momento, imagens pulam na tela, com fontes brilhantes e, por vezes, pouco discerníveis. Aparelhos do que parece ser um outro mundo encaminham a experiência do jogador, que torna-se cada vez mais arrastado para esta viagem nostálgica. Sem dúvidas, a direção de arte teve muito carinho na criação de toda uma atmosfera que tivesse cuidado em representar o final do último milênio. A estética apresentada se opõe totalmente ao minimalismo que cada vez mais conhecemos hoje e os que não vivenciaram estes anos podem, talvez, considerar o festival de tons mostrado como um exagero. Há de se mencionar também a ode a filmes que pavimentaram a década de 90 como Pulp Fiction e Os Suspeitos e que inspiram parte da ambientação do jogo.
Nesta época, as coisas eram singularmente diferentes. As redes ainda eram rudimentares para os padrões de hoje, concentradas na internet discada. A circulação do jornal impresso era muito maior. As televisões eram enormes, assim como os monitores. O poder de processamento dos consoles era muito inferior e jogos como o primeiro Resident Evil e Final Fantasy VIII eram os mais badalados na época.
Em comparação com o jogo anterior, Serial Cleaners traz uma nova roupagem e evolui muito nos gráficos. Os personagens e situações se comportam em um estilo cartoonizado, com modelos de personagens e cenários cheios de detalhes. Os ambientes são muito criativos e permitem diversas reflexões sobre a vida antes da virada do milênio.
Estas nuances apresentadas servem para direcionar a personalidade dos personagens e a própria trama, influenciada por este velho mundo. A ação reflete um momento único na História e é fascinante que ele possa ser lembrado dessa forma em um jogo.
A jogabilidade de Serial Cleaners
Serial Cleaners utiliza uma câmera superior, com uma grande visão de um ambiente interativo ao redor. O jogo é amplamente voltado para o stealth, com mecânicas para auxiliar na não detecção do personagem pelos inimigos, geralmente policiais.
Aqui temos a divisão por fases que se alternam com interlúdios interativos. Ao todo temos cinco capítulos e vinte fases, todos feitos com elegância. No início do jogo, somos apresentados aos faxineiros que controlamos: Bob, Psycho, Lati e Vip3r. Cada um dos personagens possui habilidades únicas que os ajudam a concluir suas tarefas.
Bob é o protagonista do primeiro jogo, Serial Cleaner. Os anos se passaram e Bob envelheceu, com traços de cabelo branco evidentes. Ele mantém os óculos e o bigode que foram sua marca registrada no primeiro título da série. Bob possui, surpreendentemente, uma das habilidades mais fracas do grupo: deslizar no sangue. O relacionamento mais próximo de Bob é sua mãe, da qual ele tenta sempre esconder o fato de que sua profissão possui um lado mais sombrio.
Psycho é o primeiro novo personagem. Ele não costuma falar muito e quando o faz normalmente diz pouco e de forma agressiva. O comportamento de Psycho é problemático, o que se traduz na sua forma de encarar os problemas com suas habilidades um tanto peculiares, a começar por uma motosserra que o personagem carrega e que serve para abrir caminho em determinadas barreiras. Além disso, o uso da motosserra pode ser usado de maneira mais mórbida: Psycho pode desmembrar os corpos encontrados. Caso o faça, também é possível lançar membros nos policiais, tornando-os inconscientes por um curto período. Além disso, Psycho consegue carregar os policiais e prendê-los em locais específicos, incapacitando-os durante o restante da fase. Psycho possui problemas pessoais representados na relação com sua ex-esposa.
Lati é jovem e também é um dos novos personagens. Sua jogabilidade aproveita muito a verticalidade, com ela podendo subir e descer em escadas, apoios e outras partes do cenário com as quais pode haver interação. Além disso, ela pode pular por cima de barricadas e muros baixos, além de mover objetos para criar novas saídas ou obstruir passagens. O sonho de Lati é ser artista, mas seu caminho acaba cruzando-se com o de um faxineiro e ela decide continuar nesta empreitada. Ela também tem sua vida ligada a um criminoso conhecido como “Carrasco”.
Para fechar o grupo há Vip3r, uma jovem de uma nova geração. Ela é especialista em realizar golpes cibernéticos e, após descobrir Bob, decide tornar-se sua aliada e faxineira. Embora também faça uso da remoção e descarte de corpos, bem como da limpeza de sangue, Vip3r possui uma aptidão para roubar dados da internet, obtendo informações privilegiadas. Uma de suas habilidades especiais envolve passar por dutos de ventilação. Outra delas é a de usar seus conhecimentos para hackear câmeras e objetos que possam emitir ruído ao melhor estilo Watch Dogs.
A jogabilidade consiste em entrar em cada um dos níveis, levar corpos para pontos de descarte assinalados no jogo, limpar uma certa quantidade de sangue e também recolher provas. Os corpos podem ser embrulhados, de forma a não deixar rastros enquanto são arrastados. As provas normais podem ser recolhidas automaticamente, enquanto as provas grandes necessitam de descarte nos mesmos lugares que os corpos. O sangue é limpo a partir de um aspirador de pó, que cumpre seu propósito mesmo em situações não convencionais ou que não funcionariam na vida real, como na neve. Após os descartes, o jogador deve ir até sua rota de fuga, que na maioria das vezes é um carro, e fugir, concluindo a fase. Para auxiliar o jogador em sua empreitada há a “visão de faxineiro”, uma habilidade que faz o personagem enxergar a maior parte do cenário onde está, destacando pontos de interesse.
O objetivo do jogador é fazer tudo isso enquanto está indetectável para os policiais, que vaga pela área em rotas pré-definidas. Uma vez que eles percebem a presença do jogador, podem se aproximar até que o personagem fique nas suas linhas de visão. Uma perseguição se inicia, com o NPC podendo bater ou atirar no jogador, o que obriga o reinício a partir do último save.
Infelizmente, a inteligência artificial acaba não sendo satisfatória. Os policiais apenas cumprem suas rotas e, mesmo que perturbados, retornam às mesmas sem investigar mais. Eles percebem algo de diferente no cenário mas acabam não investigando (exceção para quando notam portas ou quando o jogador entra no limiar do seu campo de visão). Os policiais também não agem de forma coordenada, o que poderia ser um adicional. Como o jogo não permite escolher dificuldades, estamos aqui diante de uma oportunidade perdida. Jogadores mais experientes no stealth podem não se sentir desafiados.
Os cenários normalmente são labirínticos, com rotas secretas que podem ser abertas e caminhos para driblar os adversários. É bastante elogiável a criatividade da equipe em conceber cenários variados, detalhados e com mais de uma opção para que haja sucesso. Uma vez que há verticalidade, cada fase pode ter vários pisos onde uma quantidade de provas e corpos deve ser descartada.
O sistema de salvamento é bom, mas não tão generoso. Normalmente, para salvar é necessário ir a um ponto específico do mapa, mas o procedimento também ocorre após uma cena importante do enredo, por exemplo.
Uma vez que cada fase deve ser encarada com cuidado, a jogabilidade pode se tornar um exercício de paciência, mas que também entrega muita diversão. É satisfatório concluir todas as tarefas e perceber que não falta mais nada, a não ser fugir da cena de crime e deixar os policiais confusos sobre o que aconteceu.
Desempenho
O jogo roda de maneira satisfatória no PlayStation 5, com ausência de crashes. Entretanto, há de se notar problemas durante a jogabilidade que acabam prejudicando a experiência. Determinados objetos são difíceis de se interagir, sendo necessário apertar várias vezes o botão correspondente (normalmente, X) para conseguir uma resposta satisfatória. Isto pode significar a diferença entre uma fase bem sucedida e um nível que precisa ser recomeçado. Um problema que acaba por não ser um bug é o tamanho das descrições dos objetos no cenário, que pode ser algo difícil de ser lido especialmente durante o uso da visão do faxineiro.
Serial Cleaners faz bom uso do Dual Sense, fazendo o controle vibrar de maneira diferenciada em atividades específicas, como empunhar a motosserra de Psycho. Além disso, o jogo também utiliza os gatilhos adaptativos para melhorar a experiência, fazendo o jogador sentir a frequência de um aspirador de pó, por exemplo.
Narrativa
Serial Cleaners é um jogo que aborda as múltiplas facetas dos quatro faxineiros que controlamos. Cada um deles possui uma história de fundo, motivações e razões próprias para fazer o que fazem. Cada um também possui sua própria personalidade, e o trabalho em torná-los diferentes foi muito exitoso.
A história do jogo é contada de maneira não linear. No início, faxineiros se encontram em uma casa na véspera do Ano Novo da virada do milênio. Ali, eles revivem memórias e conversam sobre suas carreiras. Como se tornaram faxineiros? Como se conheceram? Há quanto tempo estão nessa vida? Mesmo Bob, que já teve seu passado contado no primeiro jogo, possui novas histórias a serem compartilhadas. Aos poucos conhecemos mais dos personagens e entendemos as razões de eles estarem juntos. Durante o jogo, também temos o advento de escolhas, normalmente em resposta à fala de outro personagem. Importa dizer, também, que a duração da campanha é satisfatória, com a história podendo ser concluída entre 6 e mais de 10 horas.
Dito isso, é necessário atentar que a narrativa pode não preencher todas as dúvidas levantadas a respeito dos personagens. Algumas vezes, possuímos dúvidas e queremos conhecer mais sobre as histórias de fundo. As memórias de cada personagem podem parecer incompletas e a narrativa perder um pouco o tom. O humor ácido, aparente em tons mórbidos, acaba mais atrapalhando do que ajudando e impossibilita que o roteiro seja sólido. Contudo, ainda assim há pontos positivos que são a forma como a linearidade é dobrada e os caminhos de cada personagem até a grande noite de 31 de dezembro de 1999.
É interessante mencionar também que o jogo conta com uma reviravolta e múltiplos finais, a depender das escolhas do jogador.
O veredito para Serial Cleaners
Serial Cleaners é um jogo muito interessante, tanto por seus personagens quanto pela jogabilidade. Temos um salto enorme em comparação com o antecessor na maioria dos aspectos. Mas, comparado a Serial Cleaner, se por um lado temos excelente dublagem (algo que não existia no primeiro jogo, a exceção de grunhidos) e ótimos gráficos, o game tem uma dificuldade menor e pode acabar frustrando jogadores mais experientes.
Na busca por responder como grandes criminosos se livram de cenas de crimes, Serial Cleaners executa seu papel com destreza e cria uma história que, embora deslize em alguns pontos, faz com que o jogador sinta empatia pelos personagens e até eleja seus preferidos de acordo com personalidades e habilidades especiais.
Apesar disso, o jogo é competente no que entrega: diversão. Utilizando visuais arrojados e fases muito bem elaboradas, Serial Cleaners é um game que vale a pena ser experimentado. A satisfação de concluir cada uma das sequências do jogo é muito boa, embora para os próprios personagens esta vida tenha seus grandes percalços. Na busca por encobrir crimes de outras pessoas, cada um dos faxineiros deve também encontrar a melhor forma de lidar com rastros do passado.
PS: A análise foi realizada em um PlayStation 5 através de uma cópia cedida pela Draw Distance e 505 Games.
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