Assim como a indústria de títulos AAA, o âmbito dos jogos independentes não está livre de seguir tendências. Para o bem e para o mal, vemos de tempos em tempos determinados gêneros e estilos de jogos ganhando maior relevância, com um grande número de títulos explorando estéticas, mecânicas e ideias similares. Movimentos desse tipo aconteceram com jogos de plataforma, com roguelikes, e com Metroidvanias, só para citar alguns exemplos. Agora, parece ter chegado a vez dos ditos “wholesome games”.
Embora o termo não tenha uma tradução direta para o português que funcione perfeitamente, esses wholesome games são caracterizados por serem jogos com pouco ou nenhum foco em combate. Geralmente, costumam englobar títulos com estilos artísticos bastante coloridos e agradáveis, que exploram estéticas singelas, confortáveis e histórias bonitinhas, fofas ou até mesmo infantis (no bom sentido). De jogos de simulação como Animal Crossing e Stardew Valley à pequenas aventuras de mundo aberto como A Short Hike e Lil Gator Game, existe todo um subgênero de wholesome games para aqueles que querem uma aventura simples e agradável.
Compartilhando diversas similaridades a alguns desses títulos, eis que Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins (Snufkin: Melody of Moominvalley, no original) chega ao Nintendo Switch e demais plataformas da atual geração. Inspirado na obra da escritora e pintora finlandesa Tove Jansson, esse é um jogo bastante único, que combina uma direção de arte extremamente singular com uma estrutura de mundo aberto e algumas mecânicas de furtividade.
Conhecendo o Vale dos Moomins
Antes de continuar, eu preciso deixar claro: Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins foi um dos meus primeiros contatos reais com as obras de Tove Jansson. Todavia, o jogo faz um excelente trabalho em apresentar o universo da autora de uma maneira a instigar a sua curiosidade. No jogo, você controla o titular Snufkin, um explorador de roupas verdes que se ausenta do Vale dos Moomins no início do inverno, prometendo ao seu amigo Moomintroll que retornaria na primavera. Ao voltar, contudo, Snufkin se depara com um Vale totalmente modificado. Moomintroll desapareceu, parques particulares foram erguidos em todo o vale, e o principal rio secou. Seu papel como Snufkin é descobrir o que está acontecendo, enquanto ajuda os habitantes do vale.
Para fazer isso, o jogo apresenta uma estrutura bastante interessante de progressão, pois, como eu comentei anteriormente, Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins possui diversos elementos de mundo aberto. Isso significa que o Vale como um todo é uma área bastante ampla, toda conectada, com diversos caminhos ligando praias, florestas, casas, cavernas, dentre outros locais. Porém, diferente de um A Short Hike ou Lil Gator Game, Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins bloqueia diversas áreas do vale de acordo com os instrumentos musicais em posse de Snufkin, bem como seu nível de inspiração para tocar suas melodias.
Isso se dá pois a principal maneira que o jogador tem de interagir com o mundo acontece justamente por meio desses instrumentos. Ao tocá-los, Snufkin consegue interagir com criaturas, objetos e obstáculos espalhados pelo mundo, fazendo-os reagir de diferentes maneiras às suas melodias. Pássaros podem te seguir, pedras podem ser derrubadas e montes de terra podem ser destruídos. O maior desafio está no fato de que interações diferentes podem pedir por instrumentos diferentes, bem como um nível de inspiração diferente. Isso significa que, de início, boa parte do mundo está inacessível para você, pois Snufkin começa o jogo apenas em posse de uma gaita. Conforme você explora, encontra mais inspiração (interagindo com a natureza) e avança na quest principal, novos instrumentos permitem que você acesse áreas diferentes do cenário.
Essa limitação cria uma dinâmica bastante interessante, que lembra uma versão muito simplificada de um Metroidvania. Chegou a um lugar inacessível que está bloqueado? Volte depois quando conseguir sua flauta. Encontrou uma criatura que está te ignorando? Tente interagir quando possuir um nível maior de inspiração. São maneiras simples mas interessantes que o jogo cria para te instigar a revisitar lugares conforme você progride. Como tudo no jogo, essa é uma mecânica bastante simples, porém eficaz em adicionar um objetivo macro para a sua aventura.
Brincando de esconde-esconde
Além da exploração do seu mundo conectado, o gameplay de Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins também é focado em mecânicas de furtividade. Eu confesso que quando comecei o jogo, esse foi o ponto que me causou maior estranheza: “um sistema de stealth tem lugar em um jogo tão good vibes assim?”, era o que eu me perguntava nas horas iniciais. Surpreendentemente, Snufkin faz um bom trabalho em criar momentos de furtividade curtos e divertidos, que oferecem uma quebra interessante para os momentos de exploração, sem se tornar muito longos ou entediantes.
Basicamente, esses momentos acontecem em “parques particulares” que foram erguidos por todo o Vale pelos capangas do guarda florestal (o grande antagonista da trama). Os habitantes e criaturas do Vale foram proibidos de entrar nesses parques, onde é possível ver diversas placas com regras estapafúrdias. Para liberar esses lugares e devolver os ambientes aos moradores do Vale, Snufkin precisa se esgueirar sem ser visto pelos guardas, enquanto remove todas as placas de regras de cada parque.
Para fazer isso, o jogador precisa controlar Snufkin em labirintos de arbusto, enquanto usa seus instrumentos e os elementos do ambiente para se esconder. Nesses momentos, o jogo lembra um MGS antigo, já que o jogador consegue enxergar os ângulos de visão dos guardas. Assim, você consegue esperar o momento certo para avançar, ou ainda chamar a atenção dos guardas com animais que fazem barulhos, luzes que podem ser acesas, dentre outros elementos.
A cada novo parque, o jogo inclui algum elemento inédito para tornar esses momentos de furtividade mais variados. Porém, não espere a mesma finesse ou complexidade vista em jogos inteiramente focados em furtividade. Em Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins, os momentos de stealth funcionam mais como uma oportunidade de limpar o palato e oferecer uma mecânica um pouco mais envolvente. No mais, ele continua mantendo a simplicidade encontrada no resto do jogo.
Simples, tal qual um livro infantil
Uma coisa que fica muito clara ao analisar os principais elementos de Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins é que esse é um jogo bastante simples. Embora seu mundo esteja todo conectado, ele não chega a ser tão expansivo quanto outros jogos de mundo aberto, e a maneira como o jogo delimita o seu processo é bastante simplória. As mecânicas de furtividade, embora sejam o elemento mais engajante do jogo, nunca chegam a patamares de complexidade ou de dificuldade similares a outros jogos do mesmo gênero. Em outras palavras, Snufkin é um jogo simples em todos os seus elementos, tal qual um livro infantil.
Essa simplicidade se justifica pelo fato de Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins claramente se posicionar como um jogo com apelo mais infantil. Uma criança que jogue esse jogo muito possivelmente irá se encantar pelos charmosos personagens que habitam o Vale dos Moomins, e, para ajudar nisso, o jogo está inteiramente localizado em português do Brasil — e com uma tradução de ótima qualidade, diga-se por sinal. Contudo, Snufkin não consegue fazer o mesmo que algumas das melhores obras infantis fazem: ser proveitoso tanto para crianças quanto para adultos.
A Short Hike, Lil Gator Game e alguns dos melhores filmes da Pixar (apenas para citar exemplos fora do âmbito dos games) são obras com um grande foco em agradar ao público infantil, mas que também conseguem trazer mensagens e narrativas capazes de impactar adultos igualmente. Os visuais de Snufkin são deslumbrantes, porém sua narrativa acaba sendo bastante pueril. Existe uma temática ambientalista até interessante, que permeia o jogo como um todo, mas a narrativa como um todo não oferece nada muito além de uma aventura que dura algumas horas.
Explorar o Vale dos Moomins na pele de Snufkin é uma experiência agradável, e diversos personagens oferecem momentos engraçados e encantadores. Porém, a narrativa do jogo possui pouquíssimos pontos altos, e sua conclusão é bastante açucarada, sem muitas consequências para todas as ações de Snufkin, nem de seus antagonistas.
Review de Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins: ótimo para crianças
No final das contas, a experiência de Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins pode ser mais ou menos proveitosa dependendo da sua idade. Afinal, esse é um jogo relativamente curto, que pode ser concluído em 4 ou 5 horas, dependendo de sua vontade de explorar todo o Vale e completar todas as missões secundárias.
Com uma estrutura de mundo interligado que te instiga a explorar, e mecânicas leves de furtividade, Snufkin traz variedade suficiente para te manter engajado durante toda a experiência, sendo que seus visuais são um ponto extremamente alto, já que o seu mundo de aquarela é extremamente bonito, e sua trilha sonora é igualmente agradável. Tecnicamente falando, é um jogo extremamente impressionante, embora possua alguns pequenos deslizes no Nintendo Switch, onde pude perceber alguns pequenos engasgos nos momentos iniciais de algumas cenas mais elaboradas — nada que atrapalhe no gameplay, mas ainda um pequeno deslize perceptível.
Caso você tenha filhos, ou possa acompanhar a jogatina de uma criança, Snufkin definitivamente será um jogo bastante proveitoso e, quem sabe, a porta de entrada para mais aventuras no universo criado por Tove Jansson. Jogá-lo sozinho como um adulto, contudo, pode não trazer o mesmo maravilhamento, já que sua narrativa não acompanha os mesmos pontos altos vistos em outras obras infantis. Ainda assim, pode ser uma boa pedida caso você esteja buscando um novo “wholesome game” para passar um final de semana agradável e tranquilo.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Raw Fury.
Com visuais deslumbrantes e uma estrutura de mundo aberto instigante, Snufkin: Melodia do Vale dos Moomins é uma aventura agradável, mas que é mais focada no público infantil. Suas mecânicas simples e história singela são com certeza um prato cheio para os mais novos.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Progressão
- Desempenho
- Visuais
- Trilha Sonora