Se você perguntasse para qualquer fã da Nintendo qual seria o último jogo inédito da franquia The Legend of Zelda a ser lançado no Nintendo Switch, certamente o palpite de todo mundo seria Tears of the Kingdom. Afinal, desde o lançamento do jogo no ano passado, muita gente espera pelo anúncio do próximo console da empresa nipônica. Na lógica, sequer haveria tempo para o lançamento de um novo título da franquia — no máximo um novo port ou remastered poderia pintar para fechar a gigantesca biblioteca do Switch. A gente esquece, contudo, que muitas vezes a Nintendo não opera dentro do lógico.
Eis que durante a Nintendo Direct de junho de 2024, a Nintendo mostra um novo trailer de um jogo da série The Legend of Zelda, que surpreende a todos por diversos motivos. À primeira vista, vemos um jogo que resgata o fofo e belíssimo estilo artístico do remake de Link’s Awakening, lançado em 2019. Seria um novo remake? Uma sequência direta de algum título clássico? A surpresa final veio quando o trailer confirmou algo que inúmeras pessoas pediam há muito tempo: esse seria o primeiro jogo mainline da franquia no qual você jogaria com a princesa Zelda (afinal, os infames jogos de Phillips CD-i não contam).
Cerca de três meses após o seu anúncio original, The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom chega ao Nintendo Switch trazendo todos esses elementos que fazem dele um jogo muito, mas muito interessante. Tendo a Zelda como protagonista, ele oferece um estilo de gameplay bastante diferente quando comparado com qualquer outro jogo da franquia, já que os principais poderes da princesa estão concentrados na ideia dos “ecos” — uma mecânica que permite que o jogador crie cópias de objetos e inimigos. Além de ser o primeiro Zelda “2D” original em mais de 10 anos, Echoes of Wisdom também traz a novidade de ser (finalmente!) o primeiro jogo da franquia inteiramente localizado em português. Muita coisa boa, certo? Agora, será que tudo isso faz dele um jogo imperdível no Nintendo Switch? Vamos responder isso com detalhes.
Jogando como uma princesa
A sua aventura em The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom começa com uma pequena subversão. Ao iniciar o jogo, você controla Link durante uma breve introdução, durante a qual vemos o heroi enfrentar o clássico vilão Ganon. Tematicamente, a impressão que dá é que você está jogando os últimos momentos de um dos jogos clássicos, como A Link to the Past. Porém, o que acontece é que, ao invés de vermos o vilão derrotado, um plot twist faz com que Link seja engolido por estranhas fendas dimensionais — fendas essas que começaram a aparecer por todo o reino de Hyrule. Diante dessa situação, resta à Zelda assumir o posto de protagonista e partir em uma aventura para salvar o reino e seus habitantes.
Essa premissa, embora simples, funciona muito bem para colocar Zelda em um papel de relevância. Durante o surgimento das fendas, diversos habitantes das várias regiões do reino são capturados, incluindo também o próprio Rei de Hyrule, e seus principais conselheiros. Estranhamente, algumas dessas pessoas são substituídas por cópias maléficas, incluindo o Rei, que decreta prisão à sua própria filha. Após receber ajuda de uma estranha criatura chamada Tri, que concede à Zelda os poderes de criar ecos, a princesa então precisa viajar pelo reino disfarçada na tentativa de ajudar os vários habitantes a fechar as fendas e reencontrar as pessoas desaparecidas.
Com base nessa premissa, Echoes of Wisdom oferece uma experiência que se divide majoritariamente em dois momentos distintos. No primeiro deles, você tem o expansivo e interligado mundo de Hyrule à sua disposição, que pode ser explorado de maneira livre — desde que você faça uso inteligente das habilidades da Zelda para conseguir ultrapassar obstáculos como florestas, rios e montanhas. No segundo momento, você vai adentrar fendas, ruínas e cavernas, explorando dungeons dos mais diferentes tamanhos e formatos (algumas obrigatórias, outras opcionais), enquanto avança na campanha do jogo, que pode durar cerca de 20 horas ou mais, dependendo do quão complecionista você é.
Com essa ideia de viajar pelo reino de Hyrule ajudando os diferentes povos de cada região, Echoes of Wisdom apresenta uma narrativa que é surpreendentemente interessante e divertida. Além do plot principal que envolve o desaparecimento de Link e o surgimento das fendas, cada região apresenta uma narrativa própria, na qual a princesa passa a conhecer os problemas específicos de cada povo de Hyrule. Os Zoras das águas, os Gerudos do deserto, os Gorons das montanhas, dentre outros povos, todos apresentam suas tramas específicas, incluindo personagens únicos e engraçados. Claro, a narrativa aqui não é nada de outro mundo, mas ajuda bastante a mover a aventura adiante.
O poder do copia e cola
Embora a narrativa de Echoes of Wisdom seja bastante agradável, as grandes estrelas do jogo definitivamente são as habilidades únicas que a Zelda possui. Comparado com outros títulos da franquia, o gameplay de Echoes of Wisdom é, em sua maior parte, muito diferente de tudo o que foi visto antes. Isso se dá, principalmente, devido às mecânicas dos ecos, que funcionam basicamente como um copia e cola, onde Zelda consegue copiar objetos, ferramentas e até mesmo inimigos, que podem então ser invocados a qualquer momento do jogo.
Existem algumas limitações em relação à quantidade de ecos que podem ser invocados simultaneamente — limite esse que pode ser expandido com upgrades no decorrer do jogo —, porém as possibilidades que essa mecânica oferece ao jogador são virtualmente infinitas. Afinal, você pode fazer todo tipo de combinação absurda, invocando de camas e caixas a inimigos como goblins, pássaros ou peixes. Cada item possui suas características únicas, e podem oferecer usos distintos a depender de cada momento. Consequentemente, boa parte da exploração, puzzle e até mesmo o combate de Echoes of Wisdom vai ser resolvido por meio das mais diversas combinações de ecos.
Mas Echoes of Wisdom não se limita a isso. Existem outras três mecânicas adicionais que oferecem ainda mais possibilidades de gameplay durante o jogo. A primeira delas é a sincronização (e seu efeito adicional, sincronização reversa), uma habilidade que permite que Zelda se conecte aos objetos e inimigos, podendo movê-los pelo cenário — ou, ainda, a possibilidade de que Zelda copie os movimentos de objetos e inimigos. Comparativamente, essa habilidade se assemelha um pouco ao poder Magnesis que existia em Breath of the Wild, já que você pode utilizá-lo para mover rochas, objetos ou outros obstáculos pelo cenário.
A segunda mecânica adicional é o Modo Espadachim, uma habilidade temporária que pode ser utilizada durante breve momentos para fazer com que Zelda copie as habilidades de combate de Link. Confesso que de todas as habilidades presentes no jogo, essa é a menos interessante, já que traz um gameplay muito mais padrão. Por ser limitado por uma barra, esse poder não pode ser utilizado a todo momento, o que o transforma em uma carta-trunfo para combates mais desafiadores, porém, é muito mais interessante e divertido tentar resolver todas as situações com os ecos, ao invés de apelar para a “porradinha” com o Modo Espadachim.
Por fim, Echoes of Wisdom também apresenta uma última mecânica opcional na forma dos autômatos. Após encontrar um personagem secreto e avançar em sua quest, você desbloqueia a habilidade de criar invenções robóticas que simulam alguns inimigos específicos. De certo modo, esses autômatos são quase que versões avançadas de alguns ecos. Você consegue tranquilamente completar a campanha principal do jogo sem esses robôs, já que eles funcionam mais como um adicional que pode ser utilizado taticamente em momentos de combate. Ainda assim, desbloqueá-los funciona como uma recompensa interessante.
Uma apresentação bela, mas levemente inconsistente
Como mencionado anteriormente, toda a aventura em Echoes of Wisdom (com essas variadas e fantásticas mecânicas que se complementam de maneiras únicas) é apresentada por meio de um estilo artístico familiar, mas absurdamente lindo. Fica claro que o estúdio de desenvolvimento Grezzo reutilizou aqui boa parte dos conhecimentos que aprenderam com o remake de Link’s Awakening, mas eu digo com franqueza que eles evoluíram muito o conceito com visuais ainda mais agradáveis.
Com um mundo muito mais expansivo do que o remake de 2019, e com inúmeros detalhes adicionais, Echoes of Wisdom apresenta mapas externos e internos extremamente belos, que incluem também uma surpreendente camada vertical. De modo geral, a Hyrule de Echoes apresenta ao jogador relevos muito mais complexos, o que incentiva ainda mais a utilização criativa dos diversos ecos que Zelda pode encontrar durante a sua jornada. Personagens, inimigos e lugares são todos lindamente representados com esse estilo artístico que parece até mesmo um pequeno diorama — é como se o mundo e personagens de Echoes of Wisdom fossem todos formados por pequenos brinquedos vivos.
Acompanhando esses visuais, temos uma trilha sonora bela e agradável, que faz diversas referências a alguns dos temas clássicos da série, ao mesmo tempo em que traz uma série de músicas novas que fazem um ótimo trabalho em pontuar a ambientação de cada lugar específico. Infelizmente, contudo, preciso ressaltar o fato de Echoes of Wisdom apresentar alguns dos mesmos problemas de performance que apareciam no título anterior do estúdio.
O principal ponto que pode incomodar alguns jogadores mais exigentes está relacionado diretamente à taxa de quadros do jogo. Echoes of Wisdom é um título que atinge 60 frames por segundo no Nintendo Switch, tanto no modo portátil quanto no modo TV, porém essa taxa não é constante. Dentro de ambientes fechados, como dungeons e cavernas, o jogo costuma rodar lindamente, sem quaisquer engasgos, porém, existem algumas áreas do mapa externo do jogo em que a taxa de quadros cai para 30fps. Durante a minha experiência, não reparei nenhum momento durante o qual a performance caiu abaixo de 30, contudo é preciso ser dito que essa variação pode incomodar em alguns momentos. Não chega a atrapalhar o gameplay diretamente, mas ainda é um problema perceptivo.
Review de The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom — único e imperdível
Tirando essa performance inconsistente, o pacote oferecido por The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom é extremamente sólido, e pode ser facilmente considerado um prato cheio para qualquer fã da série. Como um título inédito no estilo 2D, Echoes of Wisdom apresenta uma experiência bastante única, oferecendo um “sabor” bastante diferente quando comparado aos outros jogos de Zelda disponíveis no Nintendo Switch.
Com a sua mecânica dos ecos, esse novo título consegue mesclar muito bem os diferentes estilos de Zelda, pois ele oferece uma liberdade bastante condizente com o que foi visto em títulos como Breath of the Wild e Tears of the Kingdom. Contudo, Echoes of Wisdom faz isso ao mesmo tempo em que apresenta calabouços amplos e labirínticos, puzzles de quebrar a cabeça e momentos de combate divertidos — incluindo uma série de chefões bastante desafiadores.
Além disso, vale ressaltar que Echoes of Wisdom está inteiramente localizado em português do Brasil e, nesse sentido, preciso dizer que toda a demora para finalmente termos um Zelda traduzido foi compensada com um trabalho de tradução primoroso. Diálogos, quests, e até mesmo o nome de personagens e inimigos foram inteiramente adaptados para a nossa língua, incluindo não apenas um trabalho de tradução direto, mas também inúmeras adaptações que tornam o texto mais familiar e divertido.
O resultado final é um jogo extremamente divertido e amplo, que pode servir como uma ótima porta de entrada na franquia Zelda para pessoas de todas as idades (já que finalmente possui uma tradução oficial). Afinal, The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom mistura os melhores elementos encontrados em diversos títulos da franquia em uma experiência agradável e repleta de liberdade. Um título que convida o jogador a não apenas jogá-lo, mas a explorar todas as possibilidades de mecânicas imersivas.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Nintendo.
Como um novo Zelda 2D em mais de 10 anos, The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom combina alguns dos melhores elementos de toda franquia em uma experiência expansiva, que convida o jogador constantemente a pensar fora da caixinha. Com mecânicas emergentes e criativas, e um estilo artístico lindo, é mais uma excelente adição à biblioteca do Nintendo Switch, mesmo com sua performance inconsistente.
Pontos Positivos
- Mecânicas emergentes e criativas
- Mundo expansivo que incentiva a exploração
- Dungeons complexas, com ótimos puzzles e chefes
- Linda direção de arte e trilha sonora
- Ótimo trabalho de localização
Pontos Negativos
- Mecânica do Modo Espadachim é desinteressante
- Performance inconsistente
- Narrativa
- Jogabilidade
- Design de mundo e dungeons
- Desempenho
- Visuais
- Trilha Sonora