Thaumata é uma palavra derivada do grego que significa milagres. E milagres é uma palavra e tanto para descrever a experiência de The Thaumaturge, o lançamento mais recente do estúdio Fool’s Theory.
Eu me encontro em uma fase da vida onde busco por experiências diferentes, que expandam minha visão de mundo e que, preferencialmente, apresentem um ponto de contato com uma cultura inédita.
Para a minha surpresa, ao abrir The Thaumaturge, o estúdio deixou uma mensagem bem especial, alegando que o objetivo principal deles é entregar jogos que incentivem a reflexão.
Será que a missão é cumprida? Vem ler meu review de The Thaumaturge para descobrir a resposta.
Uma Polônia inóspita
Nossa jornada é protagonizada por um taumaturgo chamado de Wiktor. Caso você esteja se perguntando, um taumaturgo é o que podemos chamar de médico da alma.
Ele é capaz de descobrir os segredos mais obscuros das pessoas, e, além disso, ter contato com o que são chamados de Salutors, demônios que são manifestados pelas emoções negativas das pessoas.
Wiktor perdeu contato com o seu salutor, o que afeta sua capacidade de performar bem o seu trabalho. Em virtude disso, ele vai atrás de um curandeiro misterioso que tem conquistado fama pela região.
Para a minha feliz surpresa, o curandeiro acaba sendo ninguém menos do que Rasputin, figura com ar mitológico que teve grande impacto na história da Rússia e arredores.
The Thaumaturge se passa em 1905 e o jogo tenta ao máximo não fugir das raizes históricas da época. Até a personalidade de Rasputin segue um forte viés histórico. E não é somente ele que encontramos pelo caminho. Personalidades históricas como o impiedoso general Georgi Skalon e até o Tsar Nicholas II aparecem no game.
Após solucionar um caso de assassinato no vilarejo e recuperar o elo com seu salutor, Wiktor segue para Varsóvia com Rasputin após receber a notícia de que seu pai havia morrido.
A Fool’s Theory é um estúdio polonês e isso por si só já explica o quanto cada pixel de Thaumaturge exala a paixão da equipe pelo projeto. Os diálogos são fantásticos, assim como toda a ambientação.
A estrutura de jogo funciona como uma mistura perfeita entre vários estilos que se casam, como RPG, cRPG e jogos investigativos. The Thaumaturge não esconde que é um jogo incrivelmente denso.
Os personagens são muito bem trabalhados, desde Wiktor até os secundários. A Polônia, sob domínio russo, serve quase como uma aula de história e a equipe soube retratar bem a dualidade da cidade. Temos trechos maravilhosos mas, ao mesmo tempo, somos lembrados constantemente da miséria que assola parte da população.
E isso acaba sendo bom e ruim ao mesmo tempo. Bom por que jogos como esse são raros nos dias atuais e ruim por que o título não conta com localização em PT-BR.
Eu afirmo tranquilamente que se você não souber inglês, você não vai entender absolutamente nada da história. São muitos diálogos, textos e escolhas. Apesar de ter combates, o foco é a narrativa.
A ausência de legendas em nosso idioma acaba sendo uma grande pena. Quando jogado em um ritmo normal, a história leva cerca de 10 a 11 horas para ser concluída, mas as escolhas alteram profundamente o andar do jogo e temos a presença de VÁRIOS finais.
Um Batman dos anos 1900
Eu tentei pensar em outra forma para descrever a jogabilidade de The Thaumaturge mas essa é a definição perfeita.
As habilidades sobrenaturais de Wiktor fazem dele quase que um Batman na Polônia de 1905. Ele é capaz de olhar pra alguém e saber que aquela pessoa está contrabandeando alguma coisa só pelas emoções que ela emite.
Esse trunfo é um dos principais alicerces do loop de gameplay de The Thaumaturge. Podemos interagir com objetos através do sistema chamado de Percepção. Esse sistema faz com que Wiktor perceba coisas que não são visíveis à olho nu para seres comuns.
Ao coletar evidências o suficiente, podemos chegar à conclusões, abrindo novas opções de diálogo com os personagens. O jogo é um prato cheio para quem adora essa pegada investigativa e os casos, se é que podemos chamar eles disso, são bem elaborados e possuem conclusões fantásticas que se alteram a depender de nossas escolhas.
Na medida que interagimos com os objetos, ganhamos experiência. Os pontos de habilidade podem ser aplicados em uma árvore de habilidades com quatro categorias distintas.
Duas dessas categorias são a Mente e o Coração. Quanto mais evoluímos uma categoria, maior nossa capacidade de acionar o nosso salutor e interferir nas emoções das pessoas, fazendo com que elas se acalmem ou não sintam mais fadiga por exemplo.
Quando não estamos manipulando as emoções alheias, estamos saindo, literalmente, na porrada contra os inimigos. O combate segue a estrutura padrão de RPG de turno.
O “molho” do game é justamente a presença dos Salutors. Além de comandarmos ações específicas de Wiktor, também selecionamos os comandos do Salutor equipado, o que gera uma boa diversidade no combate.
Nossas capacidades sobrenaturais permitem que Wiktor use a Percepção até pra antever a ação inimiga, o que ajuda e muito nas lutas. Eu joguei na dificuldade Balanceada e achei o game bem tranquilo.
Os inimigos possuem uma barra de foco que, quando quebrada, torna eles suscetíveis à ataques poderosos. The Thaumaturge não reinventa a roda dos RPGs de turno, mas ele tem charme o suficiente para se diferenciar dos demais, apresentando um sistema com identidade própria.
Como todo bom RPG, temos vários tipos de colecionáveis que ajudam na imersão e explicam mais sobre o mundo do jogo. Além disso, as missões secundárias se fazem presentes e, felizmente, elas não ficam devendo nada para a história principal.
O conteúdo secundário segue o contexto social da época, onde a Primeira Revolução Russa estava prestes a eclodir. Greves de trabalhadores, discriminação racial e política… Os temas são maduros e muito bem retratados no game.
Uma Varsóvia estonteante
The Thaumaturge não é um AAA mas ele não fica devendo nada para muitos games deste escopo.
Com uma visão isométrica, isto é, vista de cima, o jogo é cheio de charme e transporta os jogadores para uma Varsóvia em ponto de ebulição.
Por ser um dos principais centros urbanos da região na época, a cidade é bem densa. O estúdio fez um trabalho formidável ao colocar NPCs com roupas e manias parelhas com a época.
Eu joguei com a dublagem em polonês e a experiência se tornou ainda mais imersiva! No PS5 o game conta com dois modos – Qualidade e Desempenho. Fiquei no Desempenho durante toda a minha jogatina e não tive nenhum problema técnico.
No geral, apenas três coisas que me incomodaram: a ausência de legendas em nosso idioma, as expressões faciais e a falta de variedade nos visuais dos inimigos.
O tópico das expressões até dá pra deixar passar, elas não estão tão ruins e o estúdio teve um orçamento compacto para produzir o jogo. Mas penso que eles poderiam ter feito um trabalho melhor para criar inimigos mais distintos.
Review de The Thaumaturge: Vale a Pena!
The Thaumaturge é um jogo muito especial, que exala a paixão de seu estúdio em cada pixel. Sua natureza slow burn e a ausência de legendas em nosso idioma o tornam uma obra quase que restritiva mas que abraça calorosamente os jogadores que mergulham nesse universo.
Misturando história, política e misticismo, recomendo The Thaumaturge para qualquer um que aprecie um RPG denso, com escolhas impactantes e uma lore inteligentíssima.
O próximo projeto da Fool’s Theory é The Witcher 1 Remake e, se meu hype já estava grande, após jogar The Thaumaturge ele está ainda maior!
The Thaumaturge é uma obra raríssima de se ver na indústria nos tempos atuais. Densa, inteligente, peculiar. O jogo da Fool's Theory é um prato cheio para quem gosta de RPGs.
Pontos Positivos
- História intrigante
- Excelentes elementos investigativos
- Lore dos Taumaturgos é ótima
- Acontecimentos e personalidades históricas
Pontos Negativos
- Falta de legendas em PT-BR
- Ritmo pode incomodar os apressados
- Pouca variedade de inimigos
- Narrativa
- Jogabilidade
- Desempenho
- Visuais
- Som