A ida de Neymar para a Liga Árabe gerou discussões calorosas e muita revolta entre os brasileiros nessa semana. Muitos fãs xingaram o jogador por ter aceitado a proposta, alegando que ele acabou com a carreira. Uma parte significativa afirma que a ida do jogador foi motivada apenas por dinheiro.
Bom, olhando unicamente pro lado dele, sim e não. Essa é uma decisão que engloba vários fatores, principalmente garantir o seguro de sua família por várias gerações. Outro ponto é a cobrança gigantesca em cada respiro que Neymar dá. Desde a Copa, a mídia não para de cornetar o atleta, opinando sobre o que ele deve ou não fazer. Em cima disso tudo, ainda existem as polêmicas extracampo que sempre acompanharam o jogador. O que pouca gente sabe é que toda a movimentação da liga arábe é parte de um plano muito maior, ambicioso e que está chacoalhando a geopolítica global – conheça o Vision 2030.
O que é o Vision 2030?
Em 2016, o príncipe herdeiro saudita Mohammad bin Salman anunciou o Vision 2030, um plano ambicioso que almeja reduzir a dependência da Arábia Saudita ao petróleo e, claro, difundir a cultura do país e do povo saudita para o Ocidente. Outro ponto importante é evitar a fuga de profissionais qualificados que acabam indo trabalhar em outros países.
Através de extensas reformas sociais e culturais, além de investimentos massivos no entretenimento, a Arábia Saudita pretende alterar drasticamente a percepção que o Ocidente tem do país, afastando-se dos estereótipos de terrorismo/guerras/extremismo religioso e mergulhando num caminho mais progressista.
A ideia virou “moda” e acabou sendo adotada também pelos Emirados Árabes Unidos um conjunto de 7 emirados/estados tendo Dubai como principal expoente para o Ocidente.
O que Neymar na Arábia tem a ver com isso?
A maneira mais rápida para um país alterar a percepção sobre ele é através de investimentos massivos em cultura e entretenimento. É nesse sentido que entra em cena jogadores como Cristiano Ronaldo, Benzema, Firmino e o nosso “menino” Neymar. Os fãs de futebol são apaixonados e servem como um excelente ponto de partida pra atrair interesse na cultura árabe. As principais estrelas futebolísticas estão recebendo incentivos para promoverem a cultura do respectivo país em que jogam, indo desde pix generosos em euro, até modelos limitados de relógios que custam mais do que uma casa.
Mas diferente do que pensam, o futebol não é o único segmento que a Arábia Saudita tem explorado pra fortificar suas conexões com o Ocidente. O “afrouxamento” cultural pode ser visto também na produção de filmes e séries. O país passou a permitir uma presença mais forte das mulheres no âmbito social. Um exemplo perfeito disso é Haifa Al-Mansour, uma das primeiras diretoras mulheres do país. Seu filme The Perfect Candidate conseguiu rodar no festival de Veneza em 2019. Apesar de uma maior abertura por parte do governo, não podemos deixar de mencionar que o controle ainda existe. Um diretor saudita revelou que os filmes não podem trazer discussões diretas sobre Deus ou política.
Outro difusor global de cultura são os games e, através do Savvy Group, a Arábia Saudita tem se emaranhando nas principais companhias do setor. Atualmente o governo saudita é dono de 9% da EA, publisher responsável por jogos como FIFA, Madden e Battlefield. Eles também são donos de um pouco mais de 8% da Nintendo e investiram na Capcom, Activision e Embracer Group. Pra se ter ideia da importância dada pelo governo ao setor, eles separaram mais de U$50 bilhões para a iniciativa.
O futuro do futebol
Não é nenhum segredo que três regiões em específico são as principais por fornecer os melhores jogadores para as grandes ligas – América Latina, África e Oriente Médio. Com os esforços bilionários no futebol árabe, os governos árabes esperam que os jogadores passem a se aproximar mais do país natal, jogando por eles na Copa do Mundo.
O estado atual das negociações preocupa os gestares e os fãs. Até jogadores considerados medianos estão sendo vendidos por 80 milhões de euros pra cima, tornando a situação quase que insustentável e diminuindo consideravelmente a competitividade em ligas que já não eram tão competitivas. O caminho vai ser a consolidação de poucos clubes que conseguem ter orçamentos gigantescos para adquirir jogadores de ponta ou, claro, investir em bons olheiros para assegurar jovens jogadores promissores.
Com o tempo, o “eterno” sonho de jogar na Europa deve dar lugar ao novo projeto – jogar no Oriente Médio e garantir o futuro da família no processo.
Além de Neymar na Arábia: Os desafios do Vision 2030
Apesar das mudanças sociais, os países árabes mais progressistas ainda estão bem distantes do Ocidente no que tange a cultura e o dia a dia. Modificar séculos de tradição e a visão de mundo dos governantes ainda vai levar mais alguns anos.
Outro ponto é que nem todos os governantes da região concordam com a visão progressista de países como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. A Irmandade Muçulmana ainda é bastante ativa na região e prega que nenhum laço com o Ocidente deve ser formado. Por conta disso, a área ainda é bastante volátel militarmente e politicamente falando.