Globalmente, a popularidade dos RPGs eletrônicos, principalmente os de origem japonesa, tem seu ápice considerado os anos após o lançamento de Final Fantasy VII. Porém, em terras nipônicas, a realidade é que o gênero sempre esteve em alta, e nos anos 1990 era comum encontrar obras que saíssem das grandes franquias e explorassem abordagens diversas.
Live a Live, de 1994, é um desses exemplos. Lançado para o Super Famicom (versão japonesa do Super Nintendo), o jogo era uma interessante abordagem ao gênero, mas que não vendeu muito e acabou, para a Squaresoft, não valendo a pena localizá-lo para o ocidente. 30 anos depois, porém, o cenário é outro, e o jogo ganha um remake exclusivo para Nintendo Switch lançado oficialmente fora do país de origem. Confira o review do Desconto em Games a seguir:
Oito momentos da humanidade
Sabendo que Live a Live é um RPG clássico, as expectativas iniciais quanto ao jogo são horas de grind, encontros aleatórios constantes e uma narrativa longa. Live a Live tem tons desses padrões, mas de formas diferentes — o grind não existe nas primeiras 14 horas de jogo, só aparecendo na reta final e dependendo de certas decisões do jogador. Os encontros aleatórios estão presentes, mas por conta do ritmo do jogo eles acabam não incomodando ou se tornando maçantes.
Agora, a narrativa é o principal destaque do jogo. É possível que você já tenha se deparado com séries ou livros que em cada capítulo contam a história de personagens diferente que por acaso do destino, no ato final da produção, acabam se encontrando e se unindo para completar um objetivo final — e Live a Live é justamente isso, mas colocando os personagens em diversos períodos históricos, não só no presente, mostrando uma luta eterna da humanidade contra um mal que, constantemente, reencarna.
Nenhum personagem tem conexão com o outro nos oito capítulos do jogo, que se passam em períodos desde a pré-história, onde o jogo não tem dialogos escritos mas sim imagens nos balões de fala, até o futuro distante, em que uma experiência survival horror, quase sem combates, ocorre. Eles simplesmente existem naquele período, vivem suas vidas e, quando se deparam com um desafio, dedicam-se a o encarar de frente.
Os capítulos são curtos, variando de 30 minutos a 2 horas, e apresentam histórias condensadas mas narrativamente para os personagens introduzidos. Eles podem ser jogados em qualquer ordem, tornando também a experiência dos jogadores algo único e um tanto individual. Eu mesmo comecei pelo capítulo do presente (que, vale frisar, é 1994, não 2022, então a estética está longe da nossa atualidade), em que o protagonista é um lutador profissional que sonha em ser o mais forte, e participa de um torneio em que o jogador pode escolher a ordem que vai encarar os participantes.
As narrativas, embora curtas, servem o propósito, com a dublagem impressionante do jogo, principalmente nas vozes japonesas que contam com alguns dos dubladores mais conhecidos e condecorados do Japão, vendendo os objetivos e desejos dos personagens de maneira efetiva e até mesmo tocante algumas vezes. É díficil não se impactar com o antigo mestre chinês de uma arte marcial na sua busca por um sucessor, e o choque que ele tem no momento que inicia o ato final de sua história, por exemplo.
E essas oito vidas que presenciamos em Live a Live ainda se tornam mais incríveis com a trilha composta (e, no remake, rearranjada) por Yoko Shimomura, compositora lendária do Japão responsável pela trilha de Street Fighter II e de Kingdom Hearts, para citar alguns exemplos. Cada capítulo conta com músicas que combinam com o período da história que ele se passa e também com a personalidade de seus respectivos protagonistas, sendo uma belíssima combinação em todos os campos.
Live a Live só não é excelente no combate
No remake para Nintendo Switch, Live a Live está belíssimo. Usando a mesma estrutura HD 2D de jogos como Octopath Traveller, o jogo parece uma obra de arte em pixel art — e é uma melhora significante em relação ao original de 1994, que não se destacava visualmente no Super Nintendo.
Só que enquanto os gráficos e a narrativa como um todo brilham, o mesmo não pode ser dito do combate — mas não me entenda mal, ele não é ruim, só parece destoar do resto do pacote. A forma que ele funciona, em um grid de 7×7 com movimentação livre dos personagens, e ataques podendo ser usados quando uma barra de ação enche, na prática, mantém um dinamismo interessante nos combates, mas ao mesmo tempo ele não apresenta dificuldades ou interesses o suficiente para que o jogador fique pensando que está ansioso pela próxima oportunidade de lutar.
Isso por um lado é mais um ponto positivo para a narrativa do jogo, tão engajante em cada um de seus capítulos que faz a mecânica principal de jogabilidade se tornar quase uma nota de rodapé no grande escopo de Live a Live, mas ao mesmo tempo também não deixa de ser algo que se fosse um pouco melhor, elevaria uma experiência excelente para talvez perfeita.
Ao mesmo tempo, é bom frisar que ele se manteve do jeito que era em 1994, mostrando que a experiência, embora mais bonita e caprichada, ainda está mostrando o que era o game em seu lançamento original – uma forma interessante de conservar esse momento da antiga Squaresoft.
Conclusão
Recomendar um RPG japonês sempre é um exercício de “você gosta ou está disposto a dar uma chance para o gênero?”, já que querendo ou não o formato e os tipos de experiências comuns em videogames hoje em dia tentam passar longe dos jogos narrativamente densos que são esses títulos, apresentando experiências muito mais próximas de cinema do que mais textual.
Dito isso, mesmo nesse contexto, eu não consigo ver outra saída a não ser falar que Live a Live é essencial e talvez uma das experiências que mais me tocou em videogames neste ano. Terminando ele na noite anterior a escrever este review, uma única constatação passava pela minha cabeça, e só foi se reforçando com o passar das horas e enquanto eu digeria o fim do jogo: o título é uma ode a humanidade, das mais bonitas já feitas em videogames, talvez. Independente de gostar ou ter zero experiência com RPGs, o jogo merece ser experienciado pelo maior número de pessoas possíveis, de verdade.
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