Eu lembro do meu primeiro contato com God of War como se fosse hoje. Eu era um garotinho que precisava esperar que os irmãos mais velhos tivessem a boa vontade de me deixar jogar por alguns minutos. Nossa casa tem uma laje e era em um quartinho bem quente em que o nosso console ficava instalado.
Um dia meu irmão chegou com um jogo com uma capa bem chamativa. Tinha um careca tatuado com duas espadas na mão. A abertura do jogo colocava o careca que emitia vários grunhidos raivosos em um barco. A violência e a agilidade do combate me deixaram perplexos logo de cara. De repente, meu coração estava rendido. Uma luta épica contra a Hydra me deixou maravilhado com o jogo e a partir daí God of War viria a ser minha franquia favorita da PlayStation.
Mais de uma década se passou, um panteão inteiro deixou de existir… O destino nos trouxe até esse momento. Aquele garotinho que virou fã da franquia jamais imaginaria que iria ter a oportunidade de fazer um review antecipado de um título da saga. Ainda mais em um momento crítico, onde milhões de pessoas se perguntam qual será o destino do Fantasma de Esparta. Não dá pra saber se o nosso destino é guiado por forças inexplicáveis ou se é determinado pelas nossas próprias decisões. O que dá pra saber é se God of War Ragnarok faz jus ao hype. Vem comigo em mais um review!
PS¹: O texto contém leves spoilers de MECÂNICAS do jogo. Nenhum spoiler da história está presente no review, pode ficar tranquilo quanto a isso. Todas as seções com spoilers de algum sistema estão devidamente marcadas e um aviso prévio está presente.
PS²: Um agradecimento especial para a PlayStation Brasil por tornar isso possível! Recebemos uma chave de maneira antecipada da assessoria da empresa.
O destino é inexorável?
Se você é fã de obras de fantasia e/ou épicas, você certamente já ouviu falar em Uhtred de Bebbanburg, protagonista da série The Last Kingdom/As Crônicas Saxônicas. Para Uhtred, o destino é inexorável, isto é, ele é impossível de ser mudado, é algo inflexível. Agora você deve estar se perguntando: por que diabos você está falando sobre isso em um review de God of War Ragnarok? Bom, a missão de Kratos e Atreus no jogo é justamente essa: lutar para impedir que o destino aconteça.
O Fimbulwinter foi iniciado no final do jogo anterior e as forças, tanto aliadas, quanto adversárias, já estão movimentando as suas peças no tabuleiro. Lembra daquela cena de prólogo que levou a todos nós à loucura? Pois é, ela basicamente compõe a abertura do jogo. Mas calma, nada é o que parece e os desdobramentos da cena são bem diferentes do que você imagina. Mas isso eu vou deixar pra você descobrir por si mesmo no dia 9 de Novembro, falta pouco!
A narrativa em God of War Ragnarok foi lapidada por escritores tão talentosos quanto nossa dupla de ferreiros Sindri e Brok. Os diálogos brincam com os tons, indo de trocas emocionais até cenas bem-humoradas protagonizadas pelos irmãos ou por Mimir, nosso personagem mais sarcástico. A evolução de Kratos como ser humano e pai continua, rendendo momentos avassaladores no que diz respeito ao desenvolvimento de personagem. Nosso querido Fantasma de Esparta nunca esteve tão humanizado antes como agora, algo que deve agradar bastante os fãs. Atreus, um pouco mais velho e mais experiente, age dentro do esperado como todo adolescente, deixando que sua curiosidade e impaciência ditem suas ações.
O Ragnarok traz a conclusão da saga nórdica, logo, a trama é um pouco maior do que a do jogo anterior e o leque de personagens é bastante ampliado. Thor, Odin, Angrboda e algumas outras surpresas ao longo do caminho arrancam um sorriso no rosto. Não por falarem piadas, nada disso, mas pela representação maravilhosa e profunda que os gênios da Sony Santa Monica deram aos personagens. Apesar de muitos aspectos da Edda, o texto “original” da mitologia, terem sido respeitados, todos os personagens, sem exceção, foram construídos tendo em mente o jogo, fazendo com que o projeto praticamente tenha sua mitologia à parte.
Os Favores, ou missões secundárias, acompanham o brilhantismo da escrita do conteúdo principal, proporcionando ensinamentos sobre os reinos, personagens centrais na trama ou objetos peculiares. Pode-se dizer que God of War Ragnarok é mais um exemplo de como esculpir o conteúdo adicional de um jogo que se propõe a ter uma estrutura mais aberta. O trabalho com as vozes está impecável, tanto das originais quanto a dublagem brasileira, proporcionando um ótimo senso de personalidade para cada ser presente no título. No geral, o estúdio agiu em cima de tudo que deu certo no projeto de 2018, consertando os erros e aprimorando os pontos fortes.
Fazendo alusão a Hércules, existe uma aba no jornal dedicada aos Trabalhos. Essas tarefas geralmente envolvem repetição e a aniquilação de inimigos X vezes ou de alguma maneira específica em troca de XP e materiais de crafting. Sistema muito bem pensado e um ótimo eastergg para os fãs de mitologia!
Vale destacar, no entanto, que devido à necessidade de concluir a saga nórdica nesse jogo, alguns personagens centrais na mitologia acabaram sendo mal aproveitados e algumas perguntas ficaram sem respostas. Não irei elaborar mais sobre isso com detalhes, afinal, o propósito aqui não é estragar sua experiência, mas prepare o terreno para ter uma ou duas perguntas em aberto mesmo após concluir o jogo. Mas, seguindo em frente, o que é um Deus da Guerra sem uma boa e velha pancadaria?
ATENÇÃO: A seção a seguir contém SPOILERS. Leia por sua conta e risco!
O Caminho do Espartano
Como noticiamos aqui no site, sim, o combate de God of War Ragnarok está muito mais brutal e visceral que o jogo de 2018. Kratos pode ser comparado com uma flecha, preciso e letal. Apesar de não ser mais aquela bomba cheia de raiva, nosso querido General não poupa força ou brutalidade na hora de despachar os adversários. A barra de quebra dos inimigos se faz presente e, quando preenchida, eles ficam vulneráveis às finalizações brutais que variam entre decapitações, desmembramentos e esmagamentos. Quer cortar um inimigo no meio? Com as Lâminas do Caos você pode.
A quantidade de finalizações é bem grande e elas variam mediante a arma equipada. Falando em armas, agora as Lâminas não são apenas um eastergg, podendo ser usadas desde o começo do jogo. Muitas das habilidades icônicas da arma estão presentes no jogo, deixando aquela sensação gostosa de saudosismo da trilogia original. Ainda falando sobre as lâminas amaldiçoadas, elas cumprem outro papel importantíssimo no game: proporcionar uma maior verticalidade e agilidade nos combates. Podemos nos atirar em áreas mais altas durante as lutas graças às correntes das espadas, recurso muito bem pensado pelos devs. Lembre-se disso em lutas mais frenéticas com mais de um inimigo, a movimentação constante vai ajudar você a se manter vivo por mais tempo.
Atenção: SPOILER A SEGUIR!
Uma das perguntas mais frequentes dos fãs: Kratos ganha uma arma nova? E a resposta é SIM! Ganhamos um armamento inédito com uma mecânica interessantíssima que é incorporada nos cenários e puzzles do jogo. Você vai usar bastante ela na exploração. Não darei mais detalhes sobre a arma pra não estragar a surpresa, mas foi uma ótima adição ao acervo do protagonista. Falando nisso, a troca entre armas é feita de maneira bem ágil e natural, permitindo que o jogador construa combos devastadores usando as três armas.
ATENÇÃO: SPOILER A SEGUIR!
Falando em protagonismo, aqui temos o estrelato dividido entre Kratos e Atreus. Não entendeu? Alguns trechos do jogo são jogados apenas por Atreus. Apesar de não ser possível customizar os equipamentos do garoto como fazemos com Kratos, ele tem um leque de habilidades satisfatório e enriquece ainda mais a jogabilidade. Apesar de sua perícia com arco e flecha, o garoto prova que é filho do seu pai, conseguindo se virar bem nos combates a curta distância.
A defesa pode ser um bom ataque
Um dos principais pilares do combate de God of War Ragnarok é o escudo. Agora o jogador tem um leque bem maior de opções que são aplicadas para diferentes situações. Você prefere aparar ao invés de bloquear? Existe um escudo pra você! Vale mencionar que os escudos possuem habilidades específicas e que podem ser acionadas em momentos cruciais no combate para interromper habilidades inimigas.
Os indicativos visuais funcionam bem e seguem o padrão de sempre. Ataques sem cor ou amarelos podem ser aparados, ataques vermelhos só podem ser desviados e ataques azuis precisam ser parados com a habilidade do escudo. O sistema funciona bem e reforça o lado frenético dos combates. Cada escudo pode ser equipado com um Rond, um item adicional que concede status diferentes e ajudam a customizar ainda mais o nosso aparato de defesa.
Já fica com a dica: bloqueio é vida no jogo. Até nas dificuldades baixas, os inimigos mais formidáveis irão acabar com você rapidamente se você não usar e abusar do bloqueio. A esquiva funciona, mas não tão bem quanto o bom e velho escudo. Além de bloquear e esquivar, em boa parte das missões contamos com o auxílio de NPCs aliados. Atreus e uma outra figura importante são os que mais ocupam o cargo de sidekick.
Assim como no jogo anterior, podemos pressionar quadrado para que o ajudante lance flechas com efeitos adversos. Eles também são capazes de lançar habilidades poderosas que podem ajudar a reverter a situação em combates contra um número elevado de inimigos. Não subestime a força dos poderes elementais do jogo. Gelo, Fogo, Raio, Sônico… use e abuse deles para ter uma vantagem enorme, principalmente em embates contra chefes.
Outro ponto que exerce grande vantagem nos embates são as relíquias. Esses objetos que podem ser ativados concedem benefícios temporários como aumento de ataque ou causam algum efeito no cenário como um campo temporal que deixa os inimigos em câmera lenta. Essas relíquias podem ser melhoradas em três níveis com o uso de XP (experiência). Um elemento interessante é que as relíquias foram bem incorporadas ao lore do jogo, fazendo com que a busca por elas seja uma tarefa divertida, assim como o seu uso.
Por falar nisso, o incremento dos equipamentos, habilidades e as próprias relíquias são realizados de maneira similar ao jogo anterior. Usamos materiais obtidos em caixões e atividades secundárias para aumentar o nível das armas e armaduras, já a experiência é usada para amplificar o nível das habilidades e acessórios. O design das armaduras está impecável e pra felicidade dos fashionistas, é possível mudar a aparência de cada parte do equipamento no menu.
Outra peça importante do equipamento de Kratos é o Amuleto. Podemos desbloquear nove espaços para o amuleto, permitindo que a gente coloque Encantamentos que concedem benefícios passivos e ativos. Maior dano de fogo, golpes que causam mais atordoamento e por aí vai. A presença do Amuleto é mais uma peça que torna possível a construção de builds diversas, permitindo que cada jogador pense e aplique seu estilo de combate próprio.
Habilidades Divinas
Os ajudantes de Kratos ganharam um peso maior no Ragnarok. Eles possuem uma extensa árvore de habilidades que podem ser aprendidas com o uso de experiência. Os acessórios também podem ser equipados nos assistentes para que o jogador consiga aprimorar ainda mais a sua build. Os devs realmente pensaram e ampliaram todos os aspectos possíveis no combate.
As habilidades de Kratos possuem graus de proficiência e ao atingir o Ouro, o jogador pode construir uma Runa para cada habilidade na proficiência máxima ampliando o efeito desejado. Se você gosta de opções e builds variadas, pode respirar aliviado, você será muito bem atendido em God of War Ragnarok. Todas as três armas possuem uma árvore própria com inúmeras habilidades com graus de proficiência. Quanto mais você usar elas em combate, maior será seu grau de expertise, permitindo a criação da Runa particular.
Se o título de 2018 pareceu ser “básico” demais, aqui o caminho foi exatamente o oposto, trazendo a grandiosidade e a diversidade no gameplay de volta. A franquia sempre foi referência nesse sentido e é fantástico ver que os devs ainda se preocupam com isso.
Para o Povo
Nas palavras do próprio estúdio, eles se inspiraram demais no trabalho que a Naughty Dog fez para tornar The Last of Us: Parte 2 mais acessível e bom, a equipe da Santa Monica fez um trabalho impecável. Temos uma quantidade abismal de recursos tanto motores, quanto visuais e sonoros para permitir que PCDs aproveitem o jogo.
Games são um produto artístico com uma mensagem forte por trás deles, logo, quanto mais democratizado for o acesso dessa mensagem, melhor. Confesso que fiquei levemente desapontado e preocupado com esses recursos no que diz respeito aos colecionáveis. Não existem muitas funções para ajudar o jogador na busca por esses conteúdos secundários, o que deve afastar uma boa parcela deles.
A acessibilidade foi construída com um foco maior na história e na resolução dos puzzles, contudo, ela deveria ter sido pensada considerando todo o pacote do game. O conteúdo secundário é bem substancial e traz detalhes importantes que engrandecem a trama.
Lar, Doce Lar
Apesar de os reinos de God of War Ragnarok serem os mesmos do jogo de 2018, muitos deles sofreram alterações enormes graças ao Fimbulwinter. O Lago dos Nove por exemplo, localização central de Midgard, encontra-se completamente congelado, fazendo com que Kratos e Atreus use duas lobas e um trenó para se locomover pelo lugar.
Grandiosidade é um nome que pode refletir bem os set pieces do jogo. Prepare-se para se maravilhar com cenas tocantes repletas de seres gigantescos ou figuras extremamente conhecidas da mitologia nórdica. O temido Thor e sua imprevisibilidade são muito bem representados no jogo. Reinos como Alfheim e Midgard estão ainda mais belos e robustos, apresentando áreas abertas gigantescas destinadas à exploração dos jogadores.
A fauna e a flora foram levadas bem a sério pelos devs e a cada trecho você vai ver algum animal, inseto ou planta inéditos. Cada reino é extremamente singular e toda a construção visual deles segue bastante os textos da Edda. Até os reinos que visitamos previamente, como Muspelheim e Helheim, estão diferentes. A sensação de percorrer as montanhas de Svartalfheim é indescritível, assim como a de perambular pelos pântanos de Vanaheim. Cada pedacinho do mapa reflete que o jogo se trata de um projeto de amor e certamente serão difíceis de esquecer.
Qualidade e volume
Felizmente, o universo de God of War Ragnarok não se trata apenas de beleza. Cada reino guarda consigo dezenas de segredos e pedidos de ajuda que expandem nosso conhecimento sobre o lugar, lendas ou sobre objetos mitológicos. O game de 2018 deu um gostinho do que estava por vir e o Ragnarok resolveu abraçar com tudo o conteúdo secundário.
Mesmo após zerar, se prepare para uma boa quantidade de tarefas que só aparecem após completar a campanha. Fora isso, temos uma série de incursões épicas como caçar dragões, resolver enigmas para abrir os baús de Nornir, completar os desafios de Muspelheim, caçar os Corvos de Odin… Ah, por falar em Corvos, eles estão bem mais fáceis de serem encontrados, apesar de alguns exigirem uma certa atenção. Boa parte da porção de puzzles do jogo vem justamente dos Baús de Nornir. Os três símbolos retornam, porém, com soluções variadas. Boa parte deles demandam que o jogador combine a flecha dos ajudantes com o poder de incendiar da Lâmina do Caos.
Pensando em facilitar a vida de quem ama fazer 100%, a Santa Monica decidiu listar a quantidade de colecionáveis e atividades em cada porção do mapa. Vale deixar claro, mais uma vez, que existem atividades e colecionáveis que só ficam disponíveis após a conclusão da campanha! O endgame é bem rico e algumas missões explicam algumas lacunas deixadas pela campanha. Ah, a quantidade de chefes secundários (e a variedade!!!) aumentou bastante! Prepare-se para dezenas de combates formidáveis contra criaturas poderosas. Em suma, o título guarda muitas horas de conteúdo significativo e o melhor: que apesar de alguns serem repetitivos, eles não cansam o jogador.
God of War Ragnarok é tão bonito quanto o Éden
Falar isso é meio que chover no molhado, mas, God of War Ragnarok é deslumbrante. Além do jogo estar mais vivo graças a riqueza da fauna e flora, as técnicas de iluminação e as expressões faciais evoluíram muito em relação ao game anterior. Graças ao incremento visual, as cenas da história empolgam e emocionam muito mais. Um dos principais objetivos da saga nórdica é humanizar Kratos e o papel é cumprido com maestria no Ragnarok.
Apesar de a estética ser fundamental para a conexão com o enredo, a trilha sonora é o verdadeiro Deus de God of War Ragnarok. Bear McCreary rivaliza com os cantos das próprias sereias entregando uma das trilhas mais emocionantes e magistrais que eu já pude escutar em um jogo eletrônico. Mesmo após concluir a aventura, muitas das canções apresentadas ficaram em minha mente, quase que convocando o meu retorno para o mundo fantástico esculpido pela Santa Monica.
Graças ao PlayStation 5, quase não temos loadings no jogo, apenas quando as viagens entre reinos acontecem. O DualSense também se faz presente, mas confesso que seu uso poderia ter sido melhor aplicado e isso tornaria a experiência melhor.
God of War Ragnarok é obrigatório para os fãs!
Respondendo à pergunta lá de cima, muito mais do que fazer jus ao hype, o Ragnarok faz jus a cada pedacinho de amor que os fãs depositaram em Kratos e na franquia ao longo do tempo. É emocionante e gratificante ter percorrido o caminho árduo do Fantasma de Esparta e ver o seu desfecho após 17 anos. Mal posso esperar para conhecer o que o destino ou as nornas reservam para o próximo passo da franquia!