A indústria de games brasileira evoluiu de maneiras surpreendentes durante as últimas décadas, ao ponto de que agora vemos com certa frequência jogos brasileiros aparecendo em listas de mais vendidos e até mesmo em listas de melhores jogos do ano.
O mais interessante disso tudo é ver como esses times brasileiros conseguem desenvolver jogos nos mais diversos gêneros, escopos e estilos, subvertendo muitas vezes as possíveis limitações que possam existir ao trabalhar com games no Brasil.
Dentro dessa indústria em constante expansão e evolução, é natural que passemos a ver jogos cada vez mais ambiciosos sendo criado por parte dessas empresas. Esse é, justamente, o caso do mais recente título da QUByte Interactive. Anunciado inicialmente como Project Colonies por meio de um teaser trailer lançado lá em 2020, o metroidvania sidescroller MARS 2120 finalmente chega ao Switch, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series e PC.
Para aqueles que acompanham o projeto desde o seu anúncio inicial, pode parecer que o jogo tenha ficado um tempo “longo demais” em desenvolvimento. Porém, é possível compreender o motivo dessa espera ao analisar uma das principais características de MARS 2120: sua ambição.
Com enormes mapas interligados, power-ups variados e criativos, e um sistema de combate que envolve uma mistura entre ataques de curta e longa distância, MARS 2120 é um jogo que explora diversas ideias audaciosas. Ser tão ambicioso assim, contudo, pode ter o seu preço.
Metroidvania: Sinfonia de Marte
A aventura em MARS 2120 começa quando uma protagonista silenciosa vestindo uma armadura imponente chega com sua nave a um planeta inóspito. Após pousar, ela começa a explorar cavernas, ruínas e laboratórios em um mapa interligado, conseguindo poderes que desbloqueiam o acesso a novos cenários, enquanto enfrenta criaturas estranhas e tenta descobrir o que aconteceu naquele lugar.
Com o passar do jogo, você encontrará alguns logs que ajudarão a ter uma noção sobre o que aconteceu nesse lugar, mas o foco do jogo não está nessa narrativa de background, mas sim, na exploração.
Quaisquer semelhanças com as aventuras de Samus nos jogos da franquia Metroid não é mera coincidência, pois MARS 2120 é um jogo que não hesita em deixar claro quais são suas influências. Inspirado em clássicos dos metroidvania como Super Metroid e Castlevania: Symphony of the Night, MARS 2120 apresenta uma experiência bastante agradável e um tanto quanto familiar para os amantes do gênero search action (também chamado de busca-ação e alguns meios).
Ele é, também, um jogo que vai além de suas inspirações, já que apresenta algumas ideias bastante interessantes durante a sua campanha que pode durar cerca de 15 horas ou mais, dependendo do quão complecionista você é.
Nesse sentido, acho que é válido começar falando sobre os melhores aspectos que MARS 2120 tem a oferecer: seu level design e senso de exploração. Conforme o título implica, o jogo se passa no planeta Marte, no futuro ano de 2120, muito tempo após o planeta ter sido colonizado e utilizado para os mais diversos fins. Isso significa que o mapa do jogo engloba parte da superfície desértica do planeta rochoso, bem como cavernas, túneis, laboratórios, estufas e forjas, cada ambiente com sua própria estética e, muitas vezes, seu set único de inimigos e desafios.
Explorar esses ambientes é um deleite, já que os cenários são todos interligados, com passagens diferentes que ligam os ambientes em diversos pontos. Como um bom metroidvania, boa parte desses caminhos estão bloqueados inicialmente. Portas eletrificadas, paredes de gelo e plantas super crescidas são apenas alguns dos exemplos de obstáculos que precisam ser sobrepujados com habilidades específicas. Encontrar tais habilidades e finalmente conseguir desbloquear esses ambientes é um dos pontos algo de MARS 2120, pois o jogo cria um zigue-zague entre os cenários que raramente fica cansativo ou tedioso.
Os picos e vales de Marte
Se a exploração em MARS 2120 é um dos pontos altos do jogo, o combate é um ponto onde o jogo oscila um pouco. Como mencionado anteriormente, MARS 2120 também é um jogo ambicioso quando se trata de seu combate, já que oferece opções múltiplas sobre como lidar com os inimigos, incluindo golpes corpo a corpo (com um sistema simples de pequenos combos), tiros à distância, além de seu arsenal de upgrades que podem ser incorporados ao combate conforme você evolui no jogo.
Além disso, MARS 2120 também oferece um sistema de núcleos, no qual você consegue adquirir diferentes elementos que mudam as características da sua personagem. Ao utilizar o núcleo elétrico, por exemplo, sua arma se comporta de maneira similar à uma metralhadora, com tiros pequenos e rápidos que alcançam uma longa distância.
Já com o elemento de gelo, ela vira uma escopeta de alcance curto, com tiros que podem ser carregados (como em Mega Man) para versões mais fortes e com mais alcance.
Esses são apenas alguns dos exemplos de como o núcleo adiciona uma profundidade interessante ao combate, que se torna ainda mais valiosa quando você começa a encontrar inimigos que são fracos a determinados elementos, e/ou totalmente imunes a outros.
Isso cria uma dinâmica de pedra-papel-e-tesoura onde você precisa ir modificando o seu arsenal a cada momento. Com upgrades que podem ser encontrados pelo mapa para serem desbloqueados com a experiência que você ganha durante o combate, MARS 2120 cria um combate com diversos elementos e bastante profundidade — ao menos, na teoria.
O que acontece é que, na prática, o combate de MARS 2120 possui alguns altos e baixos. Nos piores momentos, você precisa lidar com alguns tipos de inimigos que se movem de maneira muito errática, teletransportando quase que instantaneamente para cima de você, com pouca ou nenhuma dica visual ou sonora.
Chegou um ponto em que eu passei a ignorar determinados tipos de inimigos, procurando evitar essa chateação. Todavia, esses incômodos são compensados quando o jogo oferece o seu melhor, principalmente nos chefes. Esses, costumam ser grandiosos e épicos, com múltiplas fases onde você precisa aprender seus padrões. São os momentos onde a profundidade do combate brilha de fato.
Voando perto demais do sol
Quando você considera o tamanho do mapa de MARS 2120, o modo como ele é todo interligando, exigindo do jogador que ele se oriente pelo mapa, procurando os vários caminhos que ele pode acessar a cada momento, bem como o fato de o combate do jogo possuir inúmeros elementos que se complementam, fica claro o quão ambicioso o jogo é.
Todavia, ao analisar mais um aspecto de MARS 2120 — sua apresentação — fico pensando que esse possa ser um daqueles casos em que os desenvolvedores tentaram morder mais do que podiam engolir.
Visualmente, MARS 2120 é um jogo um pouco inconsistente (ao menos, essa foi a minah impressão ao jogar o jogo no Nintendo Switch). Há de fato um trabalho de direção de arte interessante, que se sobressai em alguns momentos.
Cavernas de gelo, por exemplo, são brilhantemente representadas com seus múltiplos prismas brilhando ao fundo. Há também diversos segmentos em que o jogo brinca com a iluminação, apresentando lugares escuros que precisam ser acendidos com os seus poderes de fogo.
Infelizmente, porém, há outros ambientes que deixam um pouco a desejar e, sobretudo, apresentam alguns problemas de performance. Cenários um pouco borrados e momentos em que a taxa de quadro caem são mais frequentes do que eu gostaria e, pior que tudo isso, o jogo apresenta alguns problemas piores, como bugs e crashes.
Durante a minha jogatina, o jogo crashou cinco vezes — duas delas em um mesmo lugar —, o que fez com que eu perdesse um certo progresso. Em mais de uma vez, o menu de salvamento ficou “travado” sobre a tela do jogo, desaparecendo apenas após fechar e abrir o jogo.
Além disso, também presenciei momentos em que eu fiquei preso na geometria do cenário, travado sem conseguir andar, pular ou sair. São alguns problemas pontuais que devem ser corrigidos em patches futuros, mas que atrapalharam a minha experiência com a versão de lançamento do jogo.
Review de MARS 2120 — um bom jogo, que pode melhorar com updates
No final das contas, os problemas de MARS 2120 não foram o suficiente para estragar a minha experiência. Afinal, eu ainda gostei muito do que esse metroidvania tem a oferecer, principalmente em relação ao seu level design e exploração. Vale ressaltar também que, por ser desenvolvido por brasileiros, o jogo está não apenas legendado, mas também dublado em português do Brasil, o que é excelente.
Embora o jogo não se foque muito na narrativa que é contada por meio dessa dublagem, é interessante encontrar algumas pepitas de informação sobre o que aconteceu no passado do mundo de MARS 2120.
Mais interessante que isso, todavia, é encontrar os diversos upgrades presentes no jogo, pois esses sim conseguem oferecer algo bastante único e interessante dentro do gênero metroidvania. Encontrar as habilidades-chave que desbloqueiam os diversos caminhos no mapa de MARS 2120 é o que mais me animava a jogar. É um jogo que faz o ato de exploração ser prazeroso por si só.
Com isso em mente, o resultado final é que MARS 2120 oferece uma experiência inspirada nos grandes clássicos dos metroidvanias, mas que possui um sabor próprio. Sua ambição trouxe consigo alguns problemas, como bugs que podem ser corrigidos em patches futuros e um combate com altos e baixos, mas se você gosta de um jogo onde a exploração é o ponto alto, então vale a pena dar a chance a esse novo título brasileiro.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela QUByte Interactive.
Dentro do mercado de jogos brasileiros, MARS 2120 é sem sombra de dúvidas um dos títulos mais ambiciosos. Com um mapa expansivo e interligado, esse é um metroidvania que recompensa o jogador que gosta de exploração. Mesmo com alguns bugs e um combate que não aproveita todo o seu potencial, é uma boa pedida para fãs do gênero.
- Narrativa
- Ambientação
- Level Design
- Combate
- Direção de Arte
- Desempenho