A linguagem é um dos maiores presentes dados à humanidade, capaz de conectar e fazer com que sejamos entendidos por outras pessoas. Conhecer o outro e seus pensamentos, nuances e expressões é parte do que nos faz humanos. Mais do que isso, pode definir um povo ou uma região. Não é por acaso que diversas obras fazem um apelo à linguagem, desde a Bíblia com sua conhecida passagem da Torre de Babel até o icônico A Chegada, longa de 2016 que retrata o contato de uma linguista (Amy Adams) com extraterrestres que possuem um sistema de comunicação próprio. No mundo dos videogames, os jogos adotam a linguagem como ferramenta muito importante. GRIS, por exemplo, é um excelente game que não traz dublagem e escrita e mesmo assim é capaz de encantar com seus paralelos, cores e significados. Mas… E se o contrário fosse realizado? E se nos colocássemos em um lugar de um tradutor e explorador que precisasse reconectar pessoas? Não, não estamos falando de Sam Porter Bridges em Death Stranding, embora a premissa tenha suas semelhanças. Trata-se de Chants of Sennaar, game indie desenvolvido pela Rundisc e publicado pela Focus Entertainment.
Visuais
Chants of Sennaar possui um visual minimalista, tendo um cuidado em apresentar isso logo em seu início. O minimalismo não é exatamente agressivo, conservando formatos que são necessários. Encontramos terrenos áridos ou com vida a depender da seção do game em que nos aventuramos, com seus mistérios que demoram a ser vagamente explicados. Parte do visual de Chants of Sennaar busca mostrar uma jornada extravagante e com vieses de loucura, nos colocando frente a um cenário desconhecido do qual temos pouquíssima informação no início. Gameplay e visual se unem e criam um conjunto que pode até causar um incômodo pela presença do desconhecido, mas também causar fascínio e impressionar.
Jogabilidade e história
A história de Chants of Sennaar envolve o questionamento de uma ordem pré-estabelecida com pessoas que utilizam línguas diferentes e não entendem umas às outras. É muito curioso perceber como cada “povo” se organiza em espécies de guildas com os alquimistas, clérigos, guerreiros e assim por diante. Tudo isso acaba fazendo com que as pessoas se fechem umas para as outras e ocorram conflitos. É realmente uma reimaginação da história da Torre de Babel que faz sentido e que nos obriga, durante a jornada, questionar esta construção através de traduzir estas línguas e seus significados, reconstruindo o alicerce da comunicação.
A jogabilidade do game é muito curiosa e exige uma grande atenção por parte do jogador, uma vez que elementos visuais acabam sendo prezados mais do que a linguagem escrita em um primeiro momento. O game permite que atribuamos nossos próprios significados a símbolos através do que vemos. Por exemplo, um NPC aponta para si mesmo e surge um símbolo através de um balão de linguagem. Este símbolo vai para um caderno próprio do protagonista e, para não esquecer, podemos associar o símbolo à palavra “eu” escrevendo o significado atribuído para ficar junto ao símbolo. Quando aprendemos o número suficiente de símbolos, temos de encaixá-los em desenhos que representem palavras. Caso o jogador acerte, o game revela seus significados verdadeiros. Aos poucos o game vai evoluindo de dificuldade, colocando novos idiomas que devem ser traduzidos usando elementos visuais ou mesmo símbolos previamente traduzidos dando significados a outros.
Mas os puzzles não são restritos apenas à palavras. Também envolvem o uso correto de artefatos, a nivelação de terrenos e quebra-cabeças, entre outros. Como o game não é tão intuitivo, o jogador pode acabar se sentindo realmente fustigado em alguns quebra-cabeças, o que pode ser um ponto negativo. Há ainda sessões de stealth onde precisamos nos esconder usando a criatividade do cenário em questão.
No geral a jogabilidade é boa e assertiva no que se refere à tradução de línguas, mas pode tropeçar por conta da régua da dificuldade que talvez não seja convidativa a todos os jogadores.
Desempenho, trilha sonora e localização
No que se refere ao desempenho, testamos o game em um PlayStation 5 e não tivemos nenhum tipo de problema. Em relação à trilha sonora podemos fazer uma alusão ao seu caráter esotérico e profundo, com sussurros e tons que podem variar entre o mágico e o macabro. Experiência muito interessante! Já no que se refere à localização, o game é traduzido para o pt-br e este foi realmente um grande acerto da desenvolvedora.
Veredito
A ideia de um jogo como Chants of Sennaar passa por ambição e também coragem, uma vez que trata-se de um projeto que busca atrair o jogador para o campo da linguagem. Exigindo uma concentração mínima em objetivos e puzzles, é um game que pede uma imersão e recompensa o jogador com um mundo misterioso, surreal e interessante de se desbravar. Vale a pena!
Obs: Esta análise foi feita graças a uma cópia cedida pela Focus Entertainment, a quem agradecemos.
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Chants of Sennaar é uma boa obra que nos faz refletir sobre o papel da língua em um mundo misterioso e tomado pela discórdia.
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- Desempenho
- Visuais
- Trilha sonora