É bastante curioso parar para pensar em como a Nintendo tem trabalhado a franquia Mario no decorrer das últimas décadas. Ninguém em sã consciência pode questionar a importância e o impacto da franquia do bigodudo italiano no mundo dos games, porém, é fácil reparar como existem pesos muito diferentes entre os vários títulos e subtítulos da série. De um lado, temos os arrasa-quarteirões que são os títulos de plataforma 2D e 3D estrelados pelo próprio Super Mario (ou ainda o recordista de vendas que é a franquia Mario Kart). De outro, temos os vários spin-offs que podem ser considerados ‘menores’ ou de nicho, como os jogos de RPG das subséries Paper Mario e Mario & Luigi, os títulos com foco multiplayer de sofá da subsérie Mario Party, ou ainda os incontáveis títulos de esportes estrelados por toda a trupe da franquia.
E aí, bem no meio desses dois extremos, temos os subtítulos nos quais a Nintendo procura dar o protagonismo a cada um dos herois do universo do Mario. Se deslocando um pouquinho mais do núcleo do Reino do Cogumelo, temos alguns personagens com seus títulos próprios, como é o caso dos jogos da série Yoshi (que exploram uma jogabilidade de plataforma mais voltada para o público infantil), os jogos da série Luigi’s Mansion (com sua jogabilidade única e temática de terror), ou ainda o título do Captain Toad (que apresenta puzzles em pequenos dioramas). Considerando o relativo sucesso de cada uma dessas franquias, chega a ser estranho pensar em quanto tempo demorou para a Nintendo efetuar uma nova tentativa em dar protagonismo para a Princesa Peach (depois do problemático Super Princess Peach de Nintendo DS). Antes tarde do que nunca, como dizem por aí, eis que Princess Peach: Showtime! chega para remediar essa questão.
Que se abram as cortinas!
Desenvolvido pela Good-Feel (empresa responsável, dentre outras coisas, pelos mais recentes títulos da série Yoshi), Princess Peach: Showtime! chega com uma proposta diferente quando comparado aos outros títulos supracitados: o de oferecer uma aventura acessível e divertida, claramente direcionada para as meninas. Isso significa duas coisas: em primeiro lugar, que esse é um jogo bastante focado em dar à Princesa Peach todos os holofotes, colocando-a como uma protagonista hábil e corajosa — não mais uma donzela a ser resgatada. E, em segundo lugar, que esse é um jogo bastante focado em um público infantil, trazendo mecânicas simples de se aprender, bem como um nível de desafio menos exigente na maior parte do tempo.
Embora esses dois aspectos possam fazer com que a proposta de Princess Peach: Showtime! não soe tão interessante para um público mais amplo (ou mais hardcore), devo dizer que me surpreendi quando comecei efetivamente a explorar as aventuras de Peach. Showtime! é um jogo no geral fácil, porém ele consegue trazer uma enorme variedade de gameplay, poucas vezes se tornando repetitivo ou tedioso. E isso é um resultado direto do modo como os desenvolvedores escolheram estruturar a campanha do jogo, dividindo-a em segmentos de 15 a 20 minutos, nos quais novas mecânicas são apresentadas e exploradas a cada conjunto de fases. Mas antes de entrar em mais detalhes, devo dar um passinho para trás.
Toda essa aventura começa com a Princesa Peach sendo convidada a visitar o Teatro Esplendor, um lugar aparentemente mágico, no qual são apresentadas peças dentro dos mais diversos gêneros. Porém, o passeio de Peach é sumariamente interrompido no momento em que o teatro é inteiramente tomado pela misteriosa vilã Manda-Uva Rubi e sua Trupe Uvaparsas. Presa dentro do teatro até que algo seja feito, Peach decide ajudar os atores e atrizes a lidar com esses visitantes indesejados. Para isso, ela precisa então entrar em cada uma das peças, utilizando habilidades únicas para enfrentar os múltiplos inimigos em uma tentativa de restabelecer a paz no teatro.
A heroína de dez faces
Essa ideia de acessar diferentes peças é o que traz à Princess Peach: Showtime! suas maiores qualidades — e, também, alguns de seus pequenos defeitos. No caso, o Teatro Esplendor é dividido em vários andares, nos quais Peach tem acesso a cada um dos atos das diferentes peças em cartaz. Os primeiros atos de cada uma das peças começam sempre de maneira similar: com a Peach vestindo seu costumeiro vestido real. Após ser introduzida ao tema daquela peça, eis que as coisas mudam, pois chega um momento em que a Peach desbloqueia uma nova transformação, condizente com a peça em questão.
A maior qualidade de Princess Peach: Showtime! está no fato de Peach possuir dez transformações totalmente diferentes, cada uma apresentando uma jogabilidade inteiramente única. A Peach ninja, por exemplo, consegue andar furtivamente pelos cenários e despachar seus inimigos com um único golpe. Já a Peach espadachim, é muito mais ofensiva, com um sistema de combos e de esquivas que podem ser utilizados para enfrentar multidões de inimigos. A Peach vaqueira, por sua vez, consegue puxar inimigos e objetos com o seu laço. E assim por diante… Cada uma das transformações traz um set de habilidades quase que inteiramente únicas, que são exploradas em três diferentes atos, com um nível ascendente de complexidade e criatividade.
Descobrir cada uma dessas transformações faz de Princess Peach: Showtime! um jogo que consegue surpreender o jogador constantemente. Embora as fases sejam bastante lineares em sua estrutura, o momento a momento do jogo é sempre muito variado, já que além de apresentar mecânicas de gameplay inteiramente únicas, as fases vão se transformando conforme você avança. Um exemplo são as fases da Peach vaqueira, que incluem desde momentos de exploração e combate até mesmo a fugas e perseguições à cavalo. Porém, nem tudo são flores.
Algumas peças são melhores que outras
Um contraponto à grande variedade de gameplay de Princess Peach: Showtime! está no fato de que nenhuma das mecânicas são realmente exploradas em todo o seu potencial. Do combate à furtividade, das perseguições aos puzzles, a maior parte das mecânicas de Showtime! fica limitada a uma simplicidade que não extrapola o básico apresentado nas primeiras fases. Para o público-alvo do jogo (crianças), isso não deve ser um problema muito grande; muito pelo contrário, pode até ser visto como uma qualidade. Porém, em alguns momentos, fica aquele gostinho de que Showtime! poderia ter dado um passo a mais, trazendo um desafio maior ou explorando suas mecânicas de maneira mais interessante.
Além disso, embora a variedade de gameplay seja um dos pontos altos de Showtime!, em alguns momentos essa variedade também se transforma em um pequeno problema. Isso acontece devido ao fato de algumas das transformações serem menos interessantes que outras. De modo geral, seria possível separar as transformações da Peach em algumas categorias diferentes. Existem, por exemplo, aquelas que são mais focadas em ação, como a Peach vaqueira e a Peach espadachim. Outras, que são mais centradas em quebra-cabeças, como a Peach detetive e a Peach sereia. E até mesmo transformações focadas inteiramente em minigames, como é o caso da Peach confeiteira. A questão é que nem todas essas ideias são executadas de uma maneira interessante e divertida.
Como eu comentei anteriormente, essas diferentes transformações fazem um ótimo trabalho em oferecer mecânicas únicas, quebrando o ritmo do jogo e fazendo com que ele nunca seja monótono. Porém, isso também resulta em uma experiência que segue um estilo meio “montanha-russa”. Em um momento, você está passando por uma fase extremamente divertida, com um gameplay responsivo e bastante engajante. No momento seguinte, precisa lidar com uma estrutura mais lenta e engessada, muito simples ou limitada.
A transformação que mais sofre com esse fenômeno é a da Peach detetive. No conceito das ideias, ela apresenta uma ideia bastante interessante: ao invés de um gameplay de ação, você precisa desvendar mistérios por meio de uma estrutura de diálogos e análise de pistas. Algo que lembra muito um jogo do estilo point-and-click/adventure. Infelizmente, contudo, a execução deixa a desejar, já que os cenários da Peach detetive são um tanto quanto simplórios, com mistérios bobos e desafios bastante limitados. Devo frisar, contudo, que essa é a transformação mais problemática do jogo, e o mesmo não se aplica às demais. Mesmo a Peach confeiteira, que apresenta um gameplay mais limitado, focado em minigames, ainda explora a ideia de uma maneira mais interessante.
Review de Princess Peach: Showtime! – ótima porta de entrada para crianças
No final das contas, Princess Peach: Showtime! é um jogo que faz um excelente trabalho naquilo que se propõe. Diferente do problemático Super Princess Peach de Nintendo DS, esse jogo finalmente dá à Peach o protagonismo que ela merece, sendo uma excelente porta de entrada para as meninas que queiram uma aventura com uma personagem divertida e carismática. Seu gameplay variado faz com que as 8 horas em média de sua campanha sejam extremamente divertidas e engajantes, e o seu pós-game é recheado com novos coletáveis que incentivam revisitar todas as fases para tentar alcançar os 100%.
Nesse sentido, Showtime! segue o estilo de alguns outros jogos da série Mario, pois é um jogo fácil de terminar — já que é acessível a praticamente todas as idades. Porém, ele possui uma série de conteúdos extras que definitivamente trazem um desafio considerável aos jogadores mais experientes, conseguindo mais do que dobrar a sua duração, para aqueles que buscam completar todos os seus desafios. Além disso, vale ressaltar que a variedade do jogo também está presente em seu rol de chefes. Cada andar do Teatro apresenta um chefão diferente, com mecânicas únicas e desafios super divertidos.
Além disso, vale ressaltar que Princess Peach: Showtime! está inteiramente localizado em português do Brasil. Infelizmente, essa não é ainda uma realidade de todos os jogos da Nintendo (o que é realmente lastimável), mas ao menos o trabalho de localização feito em Showtime! é sublime, já que o jogo está inteiramente adaptado à nossa língua, com diversas brincadeiras que foram claramente pensadas especificamente no público Brasileiro. Para fechar com uma nota ainda mais positiva, a trilha sonora e gráficos de Showtime! também seguem um alto padrão de qualidade. Tecnicamente, o jogo apresenta algumas pequenas quedas de frame em algumas cutscenes, porém os cenários e ambientes são extremamente agradáveis, e a trilha sonora do jogo não deixa nada a desejar quando comparada aos principais jogos da franquia.
O resultado final é um jogo extremamente carismático que, embora possa não agradar a todos os públicos, traz uma variedade de gameplay interessante, bem como uma proposta divertida e proveitosa. Eu, pessoalmente, mal posso esperar para minha filha ser um pouco mais velha, para assim poder apresentar Princess Peach: Showtime! como uma possível porta de entrada para o mundo dos videogames.
PS: A análise foi feita em um Nintendo Switch através de uma cópia cedida pela Nintendo.
Princess Peach: Showtime! faz um bom trabalho em dar protagonismo à maior heroína do Reino dos Cogumelos, trazendo uma experiência agradável e variada. Pode não ser para todos os públicos por sua ausência de grandes desafios, mas certamente agradará aqueles que derem uma chance para a aventura no Teatro Esplendor.
- Narrativa
- Jogabilidade
- Variedade
- Desempenho
- Visuais
- Trilha Sonora