Era verdade o que dizia o antigo reclame de cerveja, há muito tempo fora do ar, que meia palavra basta. Curiosamente, no caso dos jogos da Square Enix, a regra é outra. Quando uma nova franquia é criada, é quase certo que terá um nome prá lá de bizarro, e The DioField Chronicle não é exceção.
Lançado no último dia 20 como uma coprodução entre a Square Enix e o estúdio Lancarse, The DioField Chronicle é um RPG bastante incomum quando se trata da produtora de Final Fantasy, pioneira no gênero tático em turnos. Afinal, é um jogo de estratégia em tempo real.
Um conflito mais morno que comida requentada
A premissa de The DioField Chronicle é bem básica. Em um mundo de fantasia, um bando de arruaceiros se juntam, formando um império de bandoleiros e ameaçando a paz dos reinos locais, que acabam se aliando para impedir o avanço inimigo. Você entra na jogada como parte de um grupo de mercenários vindos de uma região ainda intocada pela guerra. Acontece que sua terra é o único local do qual é proveniente um valioso e raro recurso mineral, o que acaba atraindo a atenção de todos.
Ao entrar em contato com a liderança das forças de resistência, você e seus amigos acabam sendo contratados pela elite aristocrática, plantando o que poderia ter sido uma possibilidade de gancho interessante para explorar o sistema de classes. Mas isso acaba sendo deixado de lado quase que instantaneamente, já que há pouco desenvolvimento de personagens em The DioField Chronicle e ninguém parece se importar com nada além da guerra que se encontra à sua frente. O pano de fundo do jogo serve só para tapar os bastidores, como em um teatro. Não há muito o que se esperar quanto ao enredo, infelizmente, algo que outros jogos da empresa, como os inúmeros Final Fantasy, fazem de forma magistral.
O caos da guerra… em todos os quesitos
Em The DioField Chronicle, a ação se desenrola em tempo real. Nele, você controla uma equipe de até quatro membros simultaneamente, e sua jogabilidade lembra mais um Desperados III ou um DOTA ou League of Legends, só que desta vez é necessário cuidar individualmente de várias unidades. Isso significa que fora as ações de auto defesa quando algum inimigo se aproxima, não há nada que suas unidades façam sem você mandar nelas diretamente. Em níveis de dificuldade mais altos, The DioField Chronicle é uma experiência pra lá de caótica.
Há uma variedade até que boa de classes, o que gera uma gama de combinações de equipe consideravelmente grande. Mas um dos problemas que acaba por minar o potencial criativo de quem joga é que as fases de The DioField Chronicle muito raramente saem da caixinha. Elas trazem como objetivo principal quase sempre exterminar a oposição e tomar sua torre. E só. Essa questão é agravada ainda mais pelo fato de que, independente do tipo de inimigo, há pouca diferença em termos de inteligência artificial e tática de missão a missão.
Não há incentivo para criatividade quanto ao modo de derrotá-los e logo você se verá utilizando as mesmas equipes e os mesmos poderes até enjoar. Até mesmo com a presença de diversas referências a Final Fantasy, como o summon Bahamut e criaturas que remetem aos Coeurl e Gigas, todos figurinhas carimbadas de décadas de RPGs amados por fãs, é um desafio não se entediar com The DioField Chronicle.
E pior, o jogo te leva a desenvolver macetes porque não há como subir o nível de seus personagens uniformemente. Mesmo que dos quatro soldados selecionados todos tragam outro de reserva, eles não evoluem do mesmo modo, a não ser que você os coloque em campo manualmente. Há pouca razão para se fazer isso taticamente, fora o caso de extrema necessidade. E convenhamos, é um jeito bem inconveniente de se lidar com um problema há muito tempo resolvido de um modo muito mais elegante por outros RPGs, até mesmo os da própria Square Enix.
Mas de longe o mais sério dos problemas de The DioField Chronicle são seus controles, pelo menos quando falamos da versão de console. Ele é um daqueles jogos que usa um dos analógicos de seu controle como cursor de mouse, e toda a sua jogabilidade gira em torno dele. Para selecionar uma unidade, não basta utilizar os tradicionais botões L1 e R1, como de costume. Não, você tem que “clicar” nela, e dar outro clique para realizar o que você quer que ela faça. Se acontecer de chamar um soldado pelos atalhos, ao tentar clicar em qualquer lugar do campo de batalha, a ordem acaba sendo dada ao último personagem que você usou.
Já deu para imaginar ter que tratar disso no meio do combate que rola sem ser em turnos e que te obriga a ser babá de personagem a todo o momento? E ainda mais, com um controle? Não seria um incômodo tão grande no mouse e teclado, claro, mas não é o caso da versão jogada para este review. Será que seria um jogo melhor mesmo com controles mais adaptados aos consoles? Não, pois há inúmeras outras questões que interferem no fator diversão, mas com certeza facilitaria um pouco.
DioRama, entendeu?
O que acaba mais atraindo em The DioField Chronicles é exatamente o que faz parte do seu nome. O caráter de “DioRama” dos cenários e desenho de fases é de longe o destaque da aventura. Ele dá às batalhas deveras repetitivas e sem sal uma cara de jogo de RPG de mesa, daqueles de maquete e bonequinhos pintados à mão. A animação dos personagens também contribui em gerar essa sensação de estar lidando com brinquedos, talvez inconscientemente, contando com uma sincronia labial remetente a de marionetes, com praticamente nenhuma expressão facial.
A arte das cenas que servem para narração e quadros de diálogo, por outro lado, são belíssimas, lembrando muito o trabalho maestral de Akihiko Yoshida, a mente por trás de muitos dos clássicos atuais da Square Enix, como os jogos da série Bravely Default. Teria sido muito mais bacana de se ver esse design participando mais ativamente do jogo em movimento, mas dá para entender a decisão por parte dos desenvolvedores em utilizar modelos poligonais pelo custo gritante que é, tanto financeiro quanto de tempo, quando se trata de arte e animações feitas à mão.
Chega uma hora que é melhor se render…
O que mais frustra em The DioField Chronicle é o fato que há um jogo legal em algum lugar no meio de tantos problemas e inconsistências. Um RPG tático em tempo real é uma pedida mais que bem-vinda em meio ao mais do mesmo que estamos cansados de ver em jogos do gênero.
A Square Enix e o estúdio Lancarse podiam simplesmente ter utilizado essa base para a jogabilidade deste jogo que teriam um produto que geraria muitas vendas. Mas não, eles tentaram algo diferente, e isso é algo a se elogiar até certo ponto. O que complica são as decisões altamente questionáveis de desenvolvimento que fazem com que The DioField Chronicle seja um jogo único, só que do pior modo possível.
PS: Este review foi feito graças a um código de PS5 cedido pela assessoria da Square Enix.