Pra falar sobre a história do Sabotage Studio, precisamos falar um pouco sobre Thierry Boulanger, Phillipe Dzidzi e Martin Brouard. Os dois juntos foram os responsáveis por fundar o estúdio. Toda história tem um começo e o primeiro contato de Thierry e Martin com os games foi bem parecido com o de muita gente.
O início da paixão
O ano era 1988 e o irmão de Thierry ganhou seu primeiro console: um NES. Como de costume em toda relação entre irmão mais velho e irmão mais novo, o primogênito joga e o caçula olha. 4 anos depois, em 1992, o avô de Thierry apareceu com uma sacola cheia de jogos e deixou que ele escolhesse 6 games. Sua última escolha foi Ninja Gaiden 2. Mal ele sabia que o despretensioso ato de pegar aquele jogo em específicio iria determinar grande parte da sua jornada na indústria.
Os anos se passam e, em 2001, Thierry começa a explorar outras possibilidades como carreira. É preciso levar em conta que a indústria de games não era nem sombra do que é hoje e trabalhar com games ainda era algo extremamente incerto. Com doses cavalares de curiosidade e criatividade percorrendo seu sangue, Thierry começa a desenvolver a crescente ideia de ser um chef, contudo, logo percebe que aquilo não era o que ele queria fazer. Ciências da Computação surge como opção, porém, sua dificuldade em estudar por conta do seu forte transtorno de déficit de atenção faz com que ele desista da ideia.
Em 2003, dois acontecimentos importantes para a jornada de Thierry na indústria aconteceram. O lançamento estrondoso de Prince of Persia: Sands of Time e o surgimento da Steam. Prince of Persia foi desenvolvido em Montreal, uma cidade bem próxima de Quebec que serve como sede da Sabotage Studio. Ver um jogo de sucesso sendo projetado e lançado pelos “vizinhos” ajudou Thierry a enxergar a indústria de games como uma opção um pouco mais viável. Já o lançamento da Steam revolucionou o mercado de distribuição de games no PC, diminuindo absurdamente as barreiras de entradas e dando uma chance maior para desenvolvedores independentes.
Após se sentir perdido (parece até um ritual pra todo jovem no início da vida adulta), Thierry decide fazer um curso de programação de jogos. Durante seu período de graduação, ele trabalhou em um projeto chamado Darkest Night, protótipo do que viria a se tornar The Messenger. Após ser graduado, Thierry passou longos anos afiando sua expertise em programação e principalmente na produção de jogos. Durante suas andanças, ele veio a conhecer Phillipe Dzidzi, desenvolvedor veterano que ensinou muita coisa a Thierry e veio a se tornar um de seus amigos mais próximos.
Após toda a experiência adquirida e um vasto networking feito, Thierry cria coragem e faz um pitch de The Messenger para seu chefe, contudo, ele rapidamente é dissuadido. O seu empregador na época falou que a ideia era irrelevante e terrível. Em 2014, Thierry já estava certo de sua ideia sobre lançar um estúdio e ele começa a caçar talentos pra viabilizar o projeto. É nesse contexto que ele conhece um talentoso artista de pixel art chamado Michael, nome que seria um elemento chave para a formação da Sabotage Studio.
Forjando um clássico
Lembra de Ninja Gaiden? Acontece que o jogo era uma paixão tanto para Thierry quanto para Dzidzi. Em virtude disso, os dois unem esforços para trabalhar em uma ideia louca envolvendo plataformas e um ninja. Thierry ficou responsável pela programação e o game design, já Phillipe assumiu todo o trabalho de ilustração e level design. Os dois passaram a trabalhar na ideia no tempo livre que sobrava de seus empregos.
Em setembro de 2015, o “sonho” de fundar um estúdio começa a ficar cada vez mais real. É nesse contexto que surge o nome NightShroud, conceito que em breve seria transformado em Sabotage. Com o protótipo de vento em popa, Phillipe acaba tendo uma ideia que iria transformar tudo. Ele sugeriu que eles conversassem com Martin, conhecido por ter bastante experiência com financiamento de projetos. Durante a conversa, eles explicam a Martin os pilares que iriam ajudar a destoar a Sabotage Studio das demais empresas: foco em visuais retrô aliado a um design moderno num ambiente de trabalho com gestão mínima. Martin adorou tanto a ideia que pediu demissão do trabalho e se uniu a empreitada. Estando no Canadá, e principalmente na cidade de Quebéc, conhecida por usar tanto o inglês quanto o francês, o nome NightShroud não iria colar muito. Foi nesse caminho que os envolvidos se reuniram, fizeram uma sessão de brainstorm e optaram por um novo nome: Sabotage Studio, palavra que funciona tanto no inglês quanto no francês.
Na reta final, o projeto acaba tendo uma pequena baixa. Phillipe acabou ficando exausto de todos os pormenores envolvendo começar uma startup e decidiu sair da empreitada, buscando um trabalho “normal”. Alguns meses depois, em Abril de 2016, Thierry e Martin fundam o Sabotage Studio.
O resto de 2016 foi marcado por detalhes administrativos envolvendo o recém fundado estúdio. Contratar novos funcionários, conseguir financiamento, alugar um escritório.. O começo não foi nada fácil e, após duas rejeições, The Messenger finalmente teve sua solicitação de financiamento aprovada. O CMF (Canada Media Funding) forneceu uma quantia equivalente a 50% dos custos do projeto. Nesse meio tempo, o estúdio conseguiu um contrato para atuar como equipe de suporte no desenvolvimento de Oddworld Soulstorm. Graças ao período trabalhando com Oddworld, eles conseguiram contratar diversos profissionais de qualidade para compor a equipe da Sabotage. Com o financiamento e uma estrutura financeira mais estável, Phillip Dzidzi decidiu voltar pro estúdio. Ele sentiu segurança o suficiente pra poder cuidar de sua família.
Voando alto
O ano de 2018 foi marcado por muitos “primeiros” para a Sabotage. Em janeiro desse ano o jogo foi anunciado oficialmente e a recepção não poderia ser a melhor possível. O título inclusive foi destacado na primeira página da Polygon, um dos sites de games mais prestigiados do mundo. Um mês após o anúncio oficial, a Devolver assinou um contrato para se tornar a publisher do game. Logo após isso, o estúdio contratou a Popagenda Co. como firma de relações públicas.
Poucos meses depois, Thierry participou de um evento no Japão e duas figuras importantes para toda a sua trajetória de vida tiveram a oportunidade de experimentar The Messenger. Hideo Yoshizawa, designer de Ninja Gaiden e Keiji Yamagish, o compositor, teceram diversos elogios ao game. Louco, não é? O “aprendiz” finalmente havia conhecido os mestres e arrancou boas palavras dos mesmos.
Em Agosto de 2018, The Messenger foi lançado pela Sabotage/Devolver e fez um sucesso estrondoso, tanto nas críticas quanto nas vendas. Com o sucesso, a equipe teve férias merecidas e logo depois foram apresentados pra duas novas ideias: Picnic Panic e Sea of Stars. Por ser um projeto relativamente mais simples, Picnic Panic foi o escolhido pra sair primeiro, entrando em produção total, enquanto Sea of Stars teve sua pré-produção iniciada. Para a surpresa de todos, 2018 ainda reservava um presente pra equipe: The Messenger ganhou o prêmio de melhor indie no The Game Awards.
Sem riscos, sem ganhos
2019 foi um ano relativamente tranquilo para a equipe. Após o lançamento da DLC Picnic Panic, todos os membros foram escalados para Sea of Stars. Aí que surge um novo problema: investimento. A gerência reinvestiu toda a grana que sobrou obtida com The Messenger no projeto novo, apresentando uma confiança inabálavel na qualidade da nova empreitada. Para mitigar os riscos que envolvem criar e lançar uma IP nova, o time teve a ideia de lançar uma campanha no Kickstarter. A grande dúvida era: será que o público vai ter interesse?
A resposta veio rápido: o objetivo da campanha foi atingido em apenas 7 horas. Para muitos, pode parecer inacreditável fazer isso sem todo o maquinário de PR e ainda no meio de uma pandemia, contudo, a dedicação e o carinho genuíno dos membros do estúdio certamente foram os principais responsáveis pelo sucesso na campanha de financiamento. O que o time não esperava era que além de assegurar o objetivo inicial, a campanha de Sea of Stars iria bater um recorde histórico. Com 1.6 milhões de dólares canadenses arrecadados, o Kickstarter de Sea of Stars foi a campanha de maior arrecadação para um jogo criado no Canadá. Infelizmente, a notícia boa veio acompanhada de uma ruim: Martin optou por sair do estúdio para passar mais tempo com sua família.
A história do Sabotage Studio: o que esperar do futuro?
Curiosamente, a empresa segue a risca o seu nome. No dicionário, sabotar significa: “Destruição ou neutralização voluntária de dispositivos, equipamentos ou instalações para prejudicar algo ou alguém.” E, bom, é inegável que o estúdio está destruindo o formato atual da indústria de games. A Sabotage Studio prova que é possível aliar sonhos e trabalho. Que fazer o que ama não é apenas ficção e, o mais importante, que ainda é possível criar jogos cheios de identidade e cuidado.
Julgando por todo o material divulgado de Sea of Stars até agora, o futuro é um tanto quanto óbvio. O jogo deve fazer tanto sucesso quanto The Messenger fez e, se duvidar, até mais. Felizmente não teremos que esperar muito tempo pra descobrir – o jogo tem lançamento agendado para o dia 24 de Agosto.
É, eu não me considero um grande fã de Ninja Gaiden mas serei eternamente grato à franquia. Graças ao efeito borboleta gerado por ela, um mar de estrelas ainda brilha numa indústria cada vez mais focada em fazer mais dinheiro, custe o que custar. Vida longa aos sabotadores!
PS: Caso você queira um olhar maior sobre a história do estúdio, recomendo que clique nesse link. Caso goste de história, recomendo nosso texto sobre a criação e evolução da Guerrilla:
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