Três anos depois de Valhalla, Assassin’s Creed Mirage chega com uma proposta inusitada: explorar mais a história de um personagem secundário do jogo anterior. Inicialmente projetado como um DLC, Mirage acabou ganhando forma e se tornou um jogo completo. Com isso, uma pergunta vital acabou surgindo na mente dos fãs: o jogo é de fato necessário pra franquia?
Se aconchegue e saiba a resposta nesse review de Assassin’s Creed Mirage.
Basim entra em cena
Mirage é centrado no passado de Basim. O jogo conta a história quase que completa do personagem, desde o seu começo complicado em Alamut até o momento em que ele se torna um Mestre na Ordem dos Ocultos. Curiosamente, o roteiro deixa alguns detalhes mal explicados. Ao longo da trama, Basim cita seu pai por diversas vezes mas isso é pouquíssimo explorado na história. O motivo é uma duração bem menor que os games anteriores. A campanha completa de Assassin’s Creed Mirage pode ser concluída entre 10 a 15 horas, variando conforme o ritmo de cada jogador. Eu levei 23 horas para fazer o 100% jogando na dificuldade normal, com o nosso guia de platina, você deve levar cerca de 20 horas!
Outro ponto importantíssimo de ser citado é que não existe a necessidade de jogar Valhalla antes ou de ter qualquer conhecimento prévio sobre a saga. Tudo é bem explicado e apresentado de maneira quase que independente. Mas é claro que ter o contato prévio torna a experiência mais completa e marcante.
O que não é pouco explorado é a personalidade do “herói”. Sempre preocupado com o coletivo, na medida do possível, Basim busca o melhor para o seu povo. É diante desse contexto que o brilho da Ubisoft volta a atingir seu ápice. Os games da franquia são quase que uma aula de história e o califado de Abássida é retratado de maneira magistral.
Através dos diálogos, construções, missões e colecionáveis, mergulhamos no universo criado pela equipe e, assim como foi pra mim, imagino que será a primeira vez que milhões de jogadores do Ocidente terão um contato mais aprofundado com a história do lugar. Bagdá já foi o principal centro do mundo e é fantástico ver isso materializado, mesmo que seja em um jogo eletrônico.
Graças a isso, temos contato com uma diversidade cultural absurda ao longo da trama. Podemos ver trabalhadores criando fragrâncias exóticas, sacos de temperos especiais espalhados pelos cenários, NPCs trabalhando em tecidos belíssimos e, claro, tudo isso enquanto os colecionáveis nos ensinam sobre o dia a dia e a cultura da época. Um exemplo fantástico é o Khamriyyat, conjunto de poesias que exaltava os prazeres da mesa. Só um Assassin’s Creed consegue divertir e ensinar essas coisas.
A interação com outros povos também existe e temos momentos com gregos, turcos e chineses. Um elemento fantástico é que conhecemos personalidades reais que viviam na cidade na época e tiveram um grande impacto no mundo.
Todo esse alicerce serve como um reforço vital para a campanha do jogo. Seguindo a tradição da saga, precisamos por um fim no líder da Ordem dos Anciões que controla Bagdá das sombras. É claro que Basim não está sozinho na jornada e Assassin’s Creed Mirage conta com um ótima elenco de personagens secundários. Os Contos de Bagdá, missões secundárias curtas, ajudam a expandir a lore e revelam easterggs maravilhosos pros olhares mais atentos.
A campanha tradicional é desenvolvida através de uma espécie de mapa mental. Vamos coletando pistas com a finalidade de desvendar a identidade dos tenentes do líder dos Anciões até o conflito final com a peça principal da engrenagem. As missões de assassinato são bem escritas e deixaram uma sensação inusitada de estar jogando um Hitman na Idade Média. Precisamos nos esgueirar por dentro de fortalezas usando disfarces ou pontos de entrada diferentes e atrair o alvo para só então concluirmos nosso trabalho. O mapa mental foi esculpido de maneira genial pela equipe é incrível ver como as peças se entrelaçam. A Ordem tomou conta de um emaranhado de setores, como o porto, educação e comércio da cidade e isso concede um ar maravilhoso para a experiência narrativa.
A medida que o novato Basim evolui sua patente na Ordem, os tenentes começam a temer o Oculto, fortificando-se cada vez mais, aumentando o risco e perigo das missões principais.
Um ponto que não chega a ser negativo mas talvez incomode um pouco alguns jogadores é a enorme linearidade das missões. Não existe muito espaço pra ser criativo nas execuções, o que acaba sendo uma grande pena.
Admirável Mundo Velho
O principal “chamariz” de Mirage é seu distanciamento dos jogos mais recentes da franquia e uma aproximação maior com a trilogia original. Isso não é completamente verdade. Sim, toda a gama “RPGzistica” se foi mas a herança dos conflitos abertos se faz presente.
O combate continua pautado no gerenciamento da stamina munido de aparar os golpes inimigos na hora certa. Isso concede um ar mais arcade ao jogo. Podemos eliminar quase todos os inimigos com um único golpe de contra ataque. Caso você opte por uma aproximação furtiva, daí todos os adversários podem ser assassinados com um só comando.
O combate nos trechos de confronto direto não funciona tão bem quanto deveria. A janela de aparagem é enorme mas a responsividade da coisa é estranha, assim como as animações de finalizações. Por não ter o tradicional sistema de level up, o conflito aberto se torna quase que inútil mas isso acaba sendo um ponto positivo.
Você é um Oculto que age das sombras, logo, tendo a lore como perspectiva, tem sentido o jogo não te premiar por invadir bases de peito aberto e matar tudo que vê pela frente. Um ponto negativo é a falta de variedade nos conflitos. Basim usa uma espada e uma adaga. A falta de armamentos de tipos diferentes gera um senso tremendo de repetição. Após algumas horas, o combate já tinha parado de fazer sentido e eu o evitava o máximo possível. Temos quase que uma dezena de opções de espadas e adagas com efeitos diferentes mas os golpes são os mesmos.
Num tom mais positivo, Basim tem um conjunto formidável de ferramentas que criam excelentes oportunidades nos conflitos. Facas Arremessáveis que dissolvem corpos quando melhoradas, minas terrestres poderosas, bombas de fumaça que envenenam inimigos.. O leque é amplo e cada ferramenta ajuda a construir uma maneira inédita de olhar o combate.
Apesar das lutas de chefe não existirem mais, os adversários possuem patentes diferentes que ajudam na identificação de quando um inimigo é um membro de elite do califado. Por ser uma experiência compacta de até 25 horas, não temos uma variedade expressiva de adversários, mas isso não chega a incomodar pela duração bem dosada do game.
A progressão do personagem acontece através de pontos de habilidade. Esses pontos são concedidos ao concluir missões da campanha, contratos específicos e ao obter livros perdidos. São três árvores de habilidades ao todo que ajudam a amplificar o poder das ferramentas, a furtividade ou o potencial de Basim em conflitos abertos.
Mestres da Ambientação
A Ubisoft segue imbatível no quesito ambientação e isso é nítido em Assassin’s Creed Mirage. Cada distrito de Bagdá é cheio de identidade, vida e cultura. Um elemento interessante é que podemos até ver como a sociedade era dividida em castas na época e como cada distrito ilustra as condições socioeconômicas de cada grupo. Muito do progresso do califado era conquistado através de um intenso trabalho escravo e da exploração das castas menores.
Um dos principais pontos de reclamação dos fãs da franquia é a enormidade que os mapas estavam sendo entregues e fico feliz em dizer que esse não é o caso aqui. O mapa do jogo é compacto, assim como a quantidade de colecionáveis presentes. Isso resultou em uma experiência mais orgânica e com um ar bem menor de collect-a-thon.
Meus colecionáveis prediletos de Mirage dizem respeito aos Locais Históricos. Com quase 70 deles, cada um ensina aspectos importantes sobre a vida e a cultura da época. Por se tratar de um povo e período pouco explorado nos livros de história do Ocidente, o game foi um prato cheio pra mim nesse sentido. Pouca gente sabe das enormes influências que os árabes tiveram na perfumaria, indústria têxtil, astronomia, matemática e, claro, na ciência. A Casa da Sabedoria existiu de fato e era uma das principais universidades do mundo.
Falando em indústria têxtil, podemos obter figurinos e tinturas que ajudam a personalizar Basim com vestes da época, ajudando na imersão do período. Outros colecionáveis presentes na aventura são os Fragmentos Perdidos, esses relacionados aos Isu, os baús de equipamentos, atrelados à progressão, os artefatos de Dervis, que brinca com uma das principais mecânicas do jogo e os Enigmas. Os Enigmas consistem basicamente em uma caça ao tesouro e alguns são bem difíceis de serem desvendados.
No geral, Mirage entrega uma experiência mais compacta e que não frustra o jogador. Não temos mais milhares de coisas, em sua vasta maioria inúteis, a serem coletadas. Essa visão mais direcionada ajuda bastante no estabelecimento de valor do jogo. O 100% é um dos mais tranquilos da saga e você pode ler o nosso guia de platina completíssimo aqui.
Review de Assassin’s Creed Mirage – Falha no Animus
Não poderia terminar esse review de Assassin’s Creed Mirage sem falar sobre a parte técnica do game, de longe a parte mais problemática dele. O motor gráfico usado pela Ubi mostra sinais de envelhecimento e isso é desde os títulos passados.
As expressões faciais estão no nível do começo da geração passada, a sincronia labial inexiste e também presenciei algumas falhas no som, onde os diálogos ficavam mudos com frequência. Por ser uma build de acesso antecipado, o problema envolvendo a parte sonora é facilmente corrigível, contudo, o mesmo não se aplica pras expressões faciais e pras animações de execução.
Mirage nasceu a partir de uma DLC projetada para Assassin’s Creed Valhalla, portanto, o curto tempo de desenvolvimento pode explicar os diferentes problemas técnicos do jogo. Os visuais da cidade estão belíssimos, assim como os efeitos de iluminação e o da água. Mas quando vamos pra modelagem de personagens, a qualidade decai visivelmente.
A qualidade do roteiro ajuda a segurar bem a narrativa e os diálogos não estão enfadonhos. A campanha ganha um ar ainda mais épico graças ao trabalho formidável feito na trilha sonora que ajuda a aumentar ainda mais a imersão.
Eu não tive nenhum problema relacionado à bugs no game ou à crashes, contudo, a versão de PlayStation 5 carece de um uso maior do DualSense e a viagem rápida entre distritos tem um loading considerável.
No geral, os cenários de Mirage estão belíssimos e os personagens foram bem interpretados, mas o todo fica aquém de um jogo de 2023. A Ubi precisa urgentemente aprimorar seu motor gráfico ou passar a considerar usar algum outro.
Review de Assassin’s Creed Mirage: Vale a pena!
Muito mais do que divertir ou expandir a lore de uma das principais franquias do mercado, Assassin’s Creed Mirage desempenha um papel cultural importantíssimo. O jogo se trata de um produto pras massas que carrega a cultura, história e legado de um povo, período e lugar pouco retratado em obras do Ocidente. Poucos estúdios no mundo conseguem divertir e educar e a Ubisoft segue imbatível nesse sentido. Mirage não é perfeito e tampouco é o melhor game da franquia, mas do ponto de vista cultural, ele talvez seja um dos mais importantes. Super recomendo para os fãs da saga ou pra quem procura uma aventura compacta cheia de ação e com bons personagens!
- Narrativa e Lore
- Jogabilidade
- Conteúdo Secundário
- Direção de Arte
- Som (Trilha Sonora e Efeitos)
- Parte Técnica
2 Comentários
Fala sério, falar que educa e ensina só pode ser gozação. Qualquer pessoa que estude um pouco sabe que todas histórias e personagens históricos são totalmente distorcidos e colocados de uma forma a mudar toda compreensão sobre estes. Sempre buscam atacar o Ocidente e os valores cristãos católicos.
O jogo contém uma ferramenta chamada de Códice que… educa e ensina sobre diversos segmentos como Economia, Comércio e Governo. Cada entrada do códice é pautada em objetos reais que estão presentes em museus.
Abraço