Quem assiste os eventos da Summer Game Fest naturalmente olha com atenção para os anúncios. O que foi mostrado no trailer, o nome do game, a data de lançamento e as plataformas em que os jogos serão lançados. O Xbox Games Showcase, em especial, exibiu bons títulos para os fãs de videogame, mas também deixou alguns recados sobre o presente e pistas sobre o futuro da divisão de games da Microsoft. E, talvez, quem não conhece ou conheceu recentemente o Xbox passou despercebido por esses detalhes.
Eu sou um “caixista raiz”. Consumo Xbox há cerca de 15 anos. Comecei no Xbox 360. Depois, comprei o Xbox One e atualmente tenho um Xbox Series S. Para mim, ficou nítida a nova visão que a Microsoft tem da indústria de jogos eletrônicos pela forma como o Showcase foi apresentado ao público. Neste especial, trago uma análise do Xbox Games Showcase 2025. Não dos jogos anunciados, mas sim da estratégia da Microsoft para o presente e o futuro do Xbox. Confira.
Abordagem multiplataforma
Desde o ano passado, a Microsoft deixou para trás a política de exclusividade e passou a vender seus títulos first party além do Xbox e do PC. Os primeiros quatro jogos que chegaram ao PlayStation e Nintendo Switch foram Hi-FI Rush, Grounded, Pentiment e Sea of Thieves. Depois, mais games foram lançados nos consoles concorrentes. Indiana Jones e O Grande Círculo e Forza Horizon 5 são alguns exemplos. Tivemos também os jogos de estúdios da Microsoft que chegaram no lançamento ao PS5, como Doom: The Dark Ages.
E o Xbox Games Showcase de 2025 marcou de vez a transformação da Microsoft Gaming como uma publishing multiplataforma. Até o ano passado, os games que apareciam no evento eram anunciados apenas para o Xbox. Posteriormente, eram divulgadas versões para PlayStation e demais plataformas. A partir de 2025, a Microsoft parou de “esconder” as plataformas rivais nos trailers. Tanto jogos first quanto third parties foram anunciados para Xbox e consoles concorrentes.
Em entrevista ao Xbox Era, o CEO da Microsoft Gaming, Phil Spencer, confirmou que o Showcase do Xbox passaria a utilizar o logotipo dos consoles concorrentes. Segundo ele, a Microsoft quer ser honesta sobre onde seus jogos estão sendo disponibilizados. As pessoas devem conhecer as lojas em que podem encontrar os jogos dos estúdios first party. Spencer quer que os jogadores experimentem os games do Xbox em todas as telas possíveis.
Valorização do Play Anywhere
Já há alguns anos, o Game Pass é muito valorizado durante o Xbox Games Showcase como um diferencial que o Xbox oferece. Quando um jogo será lançado no serviço, surge uma tela ao final do trailer avisando “play it day one with Game Pass” (jogue no primeiro dia com o Game Pass).
Em 2025, entretanto, chamou a atenção pela primeira vez uma valorização ao Play Anywhere durante o evento, um recurso que possibilita aos fãs de Xbox jogarem o mesmo jogo tanto no console quanto no PC com apenas uma compra. Além disso, o progresso do jogo e as conquistas são compatíveis entre dispositivos, o que permite aos “caixistas” começar o game em uma plataforma e continuar jogando em outra.
A presidente do Xbox, Sarah Bond, apareceu em um vídeo no Showcase dizendo que a Microsoft defende o jogo cruzado e a progressão cruzada e quer que os jogadores tenham a experiência do Xbox em qualquer tela. Por isso, eles estão investindo no Xbox Play Anywhere.
“Seja jogando no console, no PC, na Smart TV ou em qualquer Windows, a experiência do Xbox viaja com você. Sua biblioteca, progressão, amigos e conquistas”, explicou Bond. Atualmente, são mais de 1000 jogos com o recurso Play Anywhere e todos os games apresentados no Xbox Showcase do último dia 8 de junho são compatíveis com esse recurso.
O software do novo ROG Xbox Ally
Já há algum tempo, circulavam rumores de que a Microsoft trabalhava em um console portátil. Em artigo publicado no Windows Central em março deste ano, Jez Corden revelou que a Microsoft estava trabalhando juntamente com uma fabricante de computadores para games em um portátil da marca Xbox, previsto para lançamento ainda em 2025. Corden cravou que o dispositivo seria voltado para PC e rodaria o Windows.
Revelado durante o Xbox Games Showcase, o portátil da Microsoft foi feito em parceria com a Asus e se chama ROG Xbox Ally. Está disponível em dois modelos: ROG Xbox Ally (para jogadores casuais) e ROG Xbox Ally X (para entusiastas de gráficos e desempenho superior em jogos).
Para mim, o mais interessante desse novo produto não está no poder do processador, da memória RAM e do armazenamento, mas sim como o software foi projetado pensando na experiência do jogador. O ROG Xbox Ally vem com uma versão do Windows 11 otimizada para jogos, que minimiza as atividades em segundo plano e adia tarefas não essenciais. Mais recursos do sistema são dedicados a jogos e garantem mais memória, taxa de quadros mais alta e uma experiência mais imersiva para os jogadores.
O portátil inicia diretamente em um novo recurso de tela cheia do Xbox, feito especialmente para dispositivos portáteis. E dentro dessa nova configuração os jogadores encontrarão uma biblioteca de jogos agregada. O que significa isso? Você terá os games comprados no Xbox, o Game Pass e os games adquiridos de lojas digitais de PC, como Steam e Battle.net, reunidos em um só aplicativo, fazendo com que a experiência gamer se torne mais fácil e dinâmica.
Durante o Xbox Games Showcase, Sarah Bond disse que, após a implementação do Game Pass no console, no PC e na nuvem, o próximo passo da Microsoft será ”unificar seus jogos, não importa onde você compre ou jogue. Estamos construindo uma experiência Xbox projetada para jogadores que não é presa a uma loja ou vinculada a um dispositivo”.
Vale explicar uma dúvida que muitos “caixistas” levantaram nas redes sociais, após o anúncio do ROG Xbox Ally: apesar de carregar o nome Xbox e ser um console portátil, o novo dispositivo é uma experiência portátil de PC, semelhante ao Steam Deck. Porém, vem com uma versão otimizada do Windows instalada, como explicado anteriormente. Para deixar claro: os jogos da biblioteca do Xbox e do Game Pass jogáveis no ROG Xbox Ally são aqueles que possuem versões para computador. Games que dependem exclusivamente do console para funcionar não estarão disponíveis de maneira portátil. Pelo menos por enquanto.
Investimentos em novos portáteis
Após assistir o Xbox Games Showcase 2025, observar com atenção os tópicos explicados anteriormente e verificar as notícias e rumores que vêm do exterior nos primeiros dias após o evento, é possível fazer uma projeção dos próximos passos do Xbox, de acordo com a nova abordagem multiplataforma colocada em prática a partir de 2024.
Não será surpresa se o investimento em portátil estiver apenas começando. Com um novo sistema operacional Windows ajustado a jogos portáteis e feito sob medida para esses dispositivos, a Microsoft pode expandir a experiência do ROG Xbox Ally de várias maneiras. A mesma Asus pode fabricar novos modelos. Ou outras empresas do ramo poderão firmar acordos com a Microsoft para produção de PCs portáteis. O jornalista Stephen Totilo, do site Game File, ouviu de uma fonte da Microsoft que a experiência em tela cheia do Xbox será disponibilizada primeiro para o ROG Xbox Ally, mas “experiências semelhantes no Xbox serão lançadas para outros portáteis do Windows a partir do próximo ano”.
Penso que, além dos portáteis, a versão otimizada do Windows para jogos poderia ser aplicada em outros tipos de equipamentos eletrônicos, talvez com a necessidade de alguns ajustes. As Smart TVs Samsung vêm com um aplicativo do Game Pass instalado e possibilitam que os jogos do catálogo sejam jogados pela nuvem, sem a necessidade do console. Por que não investir em uma versão otimizada do Windows 11 para as TVs e permitir que os jogadores consigam acessar suas bibliotecas do Xbox, da Steam e de outras lojas digitais em uma tela grande?
Outra possibilidade que penso é criar uma nova versão do aplicativo do Xbox para computadores de mesa e notebooks, que ofereça uma experiência de desempenho e praticidade semelhantes ao ROG Xbox Ally. Um aplicativo que, ao ser iniciado, torna o computador convencional configurado automaticamente para melhor desempenho em jogos. E a biblioteca agregada facilitaria muito a vida dos gamers, que não precisariam abrir diferentes sites e launchers das lojas digitais para encontrar seus jogos favoritos.
O sucessor do Xbox Series X|S
Desde que a Microsoft começou a investir pesado na presença do Game Pass em vários dispositivos, somada à publicação dos jogos first party nos rivais PlayStation e Nintendo, a comunidade de jogadores questiona quais os planos da empresa fundada por Bill Gates para o futuro dos consoles de mesa. Com foco em múltiplas plataformas e dispositivos, os fãs temem que o console Xbox não seja mais fabricado, apesar de Phil Spencer já ter garantido em entrevistas que a Microsoft continuará investindo em consoles de mesa.
E o Showcase serviu para dar pistas do que poderemos ver na próxima geração do Xbox. A Microsoft claramente quer transformar a experiência de jogar em um console o mais próximo de um PC. Phil Spencer já deu a dica em uma entrevista, ao dizer que gostaria de incluir no console Xbox a possibilidade de comprar games em outras lojas digitais, como a Steam e a Epic Games.
A união Windows e Xbox em um sistema operacional otimizado para jogos portáteis parece ser um primeiro passo na direção de um objetivo mais ousado. De um novo console da próxima geração que seja um mini computador, onde os jogadores terão acesso às suas biblioteca do Xbox integradas com a Steam e outras lojas digitais. Além de poder utilizar o Windows para fazer outras tarefas. Assistir YouTube, conversar no Discord, acessar a internet através dos navegadores e usar o pacote Office para trabalhar e estudar direto do console.
Em artigo recente no site The Verge, Tom Warren escreveu: “a Microsoft acaba de lançar seu console Xbox de próxima geração e ninguém percebeu”. Ele chama a atenção pela forma como a Microsoft se referiu ao ROG Xbox Ally no vídeo de lançamento: “Este é um Xbox”, claramente expandindo a marca para além de um console e abrangendo todas as telas e dispositivos.
Warren traz uma informação importante que a Microsoft tinha planos de lançar um console portátil com fabricação própria, mas o dispositivo foi deixado de lado porque a empresa está concentrada no novo software do Xbox, que será construído de forma aberta, ou seja, permitindo que os jogadores acessem várias lojas digitais para comprarem seus jogos.
O jornalista acredita que veremos mais portáteis fabricados por terceiros lançados, que também serão considerados Xbox da próxima geração: “Esses dispositivos portáteis parecem um teste de mercado para saber para onde a Microsoft vai com a combinação do Windows e do Xbox, e o objetivo da empresa é transformar qualquer tela em um Xbox”, explica Warren em seu texto.
Os desafios para transformar um console em PC
O processo para aproximar o console Xbox da experiência de um PC passa por um grande desafio: os jogos que atualmente são compatíveis apenas com o console precisarão rodar também nos computadores. Por enquanto, o novo ROG Xbox Ally permite que os jogadores executem apenas jogos que tenham versões para PC.
Por essa razão, a Microsoft está investindo forte e dando destaque ao Xbox Play Anywhere, como mostrado anteriormente. Esse recurso possibilita que com uma compra o jogador tenha acesso às versões de Xbox e PC do game, podendo jogá-lo no console de mesa e no portátil.
Entretanto, poucos títulos fazem parte do programa Play Anywhere atualmente. Para os jogos first party aumentar esse número o problema é menor, visto que a própria Microsoft cuida da publicação e pode facilmente fazer com que jogos novos e antigos se enquadrem ao recurso. A dificuldade está nos estúdios que lançam títulos third parties. Será preciso negociar com eles para que os novos games sejam adaptados ao Play Anywhere. Também será preciso negociar para que jogos third-parties mais antigos, lançados originalmente sem o recurso, ganhem versões Play Anywhere.
Tom Warren traz o exemplo do GTA 6, um dos jogos mais esperados da história dos videogames. O blockbuster da Rockstar não terá versão para PC no lançamento. Por isso, não estará disponível para ser jogado nativamente no ROG Xbox Ally. Apenas quando a versão de PC for lançada é que o jogo poderá estar disponível no novo portátil.
Outra questão muito importante é encontrar uma maneira de tornar todos os jogos que só rodam nativamente no console jogáveis no PC. Warren acredita que isso será resolvido através de emulação, mas ressalta que existem obstáculos técnicos e de licenciamento para garantir que títulos do Xbox original, Xbox 360 e Xbox One estejam jogáveis nos futuros consoles que unem o Xbox ao Windows.
A Microsoft também precisará ser mais clara na divulgação e explicação de seus novos dispositivos, pois os fãs são muito cautelosos quanto às sua bibliotecas de jogos. Ao dizer no trailer de lançamento do ROG Xbox Ally que “isso é um Xbox”, muitos jogadores tiveram dificuldades em entender que tratava-se de um PC portátil e não era possível rodar jogos de console.
O Xbox mudou e é preciso aceitar
Os fãs saudositas, que conheceram o Xbox quando a Microsoft investia em jogos exclusivos para os consoles de mesa e disputava a liderança de vendas em hardware com o rival PlayStation, precisam entender que a visão e estratégia de mercado da Microsoft já mudaram há algum tempo e transformações ainda mais profundas estão para acontecer nos próximos anos.
Ao contrário de Sony e Nintendo, que oferecem um sistema fechado aos gamers, obrigando que adquiram um hardware específico para rodar jogos, a Microsoft adotou um sistema que é baseado na escolha do jogador. Ele é quem determina o dispositivo que vai jogar. A campanha de marketing “This is an Xbox” reforça o conceito de que, muito mais que um hardware, o Xbox é um serviço e uma plataforma acessível de jogos. Ao invés de atrair gamers para o console, os jogos vão até as pessoas.
O primeiro passo dessa nova estratégia foi a expansão do Game Pass além do console, proporcionando que o serviço de assinatura estivesse disponível também no PC e posteriormente em celulares e Smart TVs, através da nuvem. A segunda etapa foi o fim da exclusividade, fazendo com que os jogos first parties fossem conhecidos por gamers que estão fora do ecossistema Xbox.
E, a partir do ROG Xbox Ally, um novo plano está sendo colocado em prática: hardwares baseados em PC, que unificam toda a biblioteca do jogador em um único dispositivo, dando liberdade a ele de consumir jogos do Xbox e de lojas digitais concorrentes.
Com essa abordagem multiplataforma e multidispositivos, a Microsoft não depende mais das vendas de console, onde fica atrás de Sony e Nintendo, para gerar lucro. O faturamento vem dos jogos vendidos em diferentes plataformas, das assinaturas do Game Pass acessadas em diferentes dispositivos e também das vendas de hardware. Assim, a empresa garante um crescimento sustentável ao Xbox e que seus jogos e serviços mantenham um alto padrão de qualidade.
A Microsoft está fazendo uma aposta alta. Se bem-sucedida, pode fazer uma revolução na indústria de jogos e alterar a forma como conhecemos as exclusividades atualmente, forçando Sony e Nintendo a adotarem práticas semelhantes. Esse modelo de negócio também tende a fortalecer os serviços de assinatura. E pode impactar a maneira como os games são produzidos e vendidos, com mais empresas adotando serviços de assinatura ao longo do tempo.
Entretanto, existe um outro lado. O modelo adotado pela Microsoft pode não ser bem-sucedido e o Xbox perder sua identidade como marca. O que resta, no momento, é aguardar se as projeções estão corretas, se o novo Xbox realmente será um mini PC e quais os futuros impactos na indústria de jogos eletrônicos. Para o bem e para o mal.
Perdeu ou quer rever o Xbox Games Showcase 2025? Confira, na íntegra, com legendas em português:
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